23.08.2018 - 23:45
Morte na trilha
Já faz pouco mais de um mês que saí do meio das Rocky Mountains. O tempo vai curando as feridas e a noção de tudo que passamos vai ganhando mais significados e mais importância. A ficha vai caindo aos poucos.
O que todos me perguntam é como foi o encontro cara-a-cara com o urso. É sensata essa curiosidade, ainda mais que a Daiane tinha pavor só de pensar em urso, ou de ver pegadas ou coco de urso pela trilha. Acredito que a maioria das pessoas também teria medo.
Mas o momento em que ficamos de frente com o urso, apenas a 12 metros dele, quando ele vinha caminhando em nossa direção na mesma trilha que a nossa, esse sem dúvida foi o momento menos perigoso de um total das cinco situações de quase morte que passamos. Aconteceram outras situações mais terríveis e perigosas que prefiro guarda para o livro, onde ficará mais fácil de abordar e explicar cada acontecimento.
Mas hoje, infelizmente, recebi uma notícia muito triste. Um hiker de 72 anos morreu atingido pela queda de uma árvore enquanto fazia a Appalachian Trail, nos Estados Unidos. Muitos vão imaginar que ele era idoso e não teve tempo de reação. Mas acredite, estar nessa situação, você só escapa por Deus ou por sorte. E eu digo para você que Deus esteve comigo nesta trilha em muitos momentos.
Meus sentimentos aos amigos e familiares de Tae Sung Kim, 72, de Clifton, Virgínia.
06.06.2018 - 11:37
On The Road
As placas passavam voando, Parkland, Woodhouse e Hill Spring. Barb socava a bota no acelerador do seu possante 4x4, um genuíno Outback, que parecia flutuar suavemente, jogando para fora da pista, pedriscos menos desavisados que apareciam pelo caminho e desviando no último segundo da resola do pneu de um caminhão que se soltou e voava em nossa direção. Acabamos de passar por Mountain View e a estrada a frente se desenrolava como um tapete e terminava aos pés de uma majestosa cadeia de montanhas, as famosas Rochosas Canadenses, nosso destino.
A região mais plana e monótona estava ficando para trás. A bagunça dentro do carro só aumentava com a aproximação do início da trilha. Daiane no banco da frente, de co-piloto, era a mais animada, com uma alegria radiante por ter reencontrado uma amiga de velhos tempos, época em que morou por dois anos no Canadá. Barb, sua amiga canadense, uma jovem de 61 anos, era a nossa Trail Angel do dia, se prontificou a nos levar de Calgary até Waterton Park, mas antes disso teve que viajar de sua casa em Kamloops à Calgary para nos encontrar, ao todo ela percorrerá 2.400 km apenas pelo prazer de rever a amiga e ajudar os brasileiros que abandonaram o calor de uma terra tropical para se enveredarem por um labirinto de montanhas geladas.
Essa carona que ganhamos não podia ter vindo em melhor hora, que de outro modo, teríamos que fazer tediosas baldeações de ônibus.
As ideias mais loucas parecem que criam conexões com pessoas de bom coração. No fim tudo se conecta para aqueles que se arriscam ir além.
Daiane baixou o vidro da janela do carro e um vento gelado percorreu a minha espinha, colocou metade do corpo para fora e com os braços abertos, os cabelos esvoaçantes, um enorme sorriso na alma e com os cantos dos olhos lacrimejando, por causa do frio congelante, gritou a todos pulmões:
– Hoje é dia de Rockies, baby!
Em meio a agitação das mulheres, uma guitarra ia as mais altas notas e o som de um saxofone rasgou o ar, e nos levou às alturas, era puro rock saindo dos capengas alto falantes do celular. Nossas cabeças e nossos corpos eram embalados pelo ritmo elétrico das guitarras e os pés acompanhavam a tocada.
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– Hoje é dia de Rockies, baby! |
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Parecíamos fugitivos da prisão perpétua do Sistema, rumo a liberdade das montanhas! Na minha cabeça, panfletos de "Procura-se" estavam sendo colados nos postes de todo país, os telejornais vespertinos anunciavam a caçada aos fugitivos, e altas recompensas eram oferecidas. Como pode duas pessoas acharem que são livres para viajar por onde desejarem? Essa era a prerrogativa que o presidente interino dava a população em cadeia nacional.
– Prendam os meliantes da liberdade! - dizia aos berros… enquanto o povo assistia estarrecido. A maioria sem entender o que se passava e como robôs concordavam com o que era dito. Alguns poucos, bem poucos, viam nisso uma luz de inspiração.
Não se escravize pelo Sistema, faça dele o trampolim para a liberdade. Nada nessa vida é de graça, tudo tem um preço e tudo tem o seu valor. Lute, trabalhe e conquiste aos poucos o seu caminho, trilhe as sinuosas estradas da vida, sem perder de vista a paz interior e o caminho da Natureza Selvagem!
E Barb acelerava ainda mais, parecendo entender que estávamos sendo perseguidos pela ansiedade do início da trilha.
02.06.2018 - 06:45
Medos
O quanto de medo você está disposto a enfrentar por um sonho?
São mergulhos profundos ao desconhecido. Cada pedaço deste intrincado quebra-cabeça, moeria os nervos de qualquer pessoa menos obstinada. Para quem está longe, só enxerga o protagonismo arrebatador de um herói que vai sendo esculpido a cada linha, como se fosse incólume a defeitos, medos e a uma vida monótona.
Não sabem da dor que é enfrentar a solidão e a angústia de todo o planejamento e de cada negociação em busca de um apoio. Pessoas arrogantes que estão atrás de uma placa escrita, Marketing, que nunca sujaram os pés de barro acima do paralelo 65º, nunca acordaram com o rosnar de um urso, nunca enfrentaram uma nevasca a 5 dias de caminhada da civilização mais próxima, nunca ficaram 13 dias sem banho. Pessoas que só enxergam números e tentam empurrar um produto medíocre que revestido de nossa coragem possa ganhar credibilidade e esvaziar os seus estoques.
Dificuldades e burocracias diárias que parecem tentáculos do sistema tentando te agarrar com unhas e dentes, impedindo a sua fuga. São meses, que depois se transformam em semanas e por fim em dias, onde a tortura aumenta progressivamente. Antes mesmo de embarcar para enfrentar os medos da Natureza Selvagem, você parte estilhaçado por tantas intempéries da vida cotidiana.
Nunca foi tão difícil e necessário abandonar as cidades, criamos tantas raízes, levantamos tantos muros e nos amarramos a tantas âncoras que parece que o nosso destino se resume a ficar de frente para uma tela, ouvindo histerias, onde tentam desesperadamente justificar suas distopias, sempre, um mais certo do que outro. Cada um tentando criar o seu próprio Xangri-lá e não percebem que já perderam todos os sentidos e vagam por um vale de solidão e tormentas.
31.05.2018 - 20:30
Um grande desfalque
Hoje recebi um telefonema da Rose Eidman e ela me informou que não poderá participar da expedição por motivos pessoais. Rose, estava na região de Vermont nos Estados Unidos, descansando e treinando para a travessia da Great Divide Trail. Ela já está retornando ao Brasil.
Com certeza será um grande desfalque para a nossa expedição, mas não faltarão oportunidades dela participar em uma próxima oportunidade.
A expedição continua! Daiane Luise embarca amanhã para Calgary e no domingo, dia 3 de junho será a minha vez.
Elias Luiz e Daiane Luise partem em busca da primeira travessia brasileira dos 1.100 km da Great Divide Trail |
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02.05.2018 - 07:00
Great Divide Trail
É com muito orgulho que anuncio a nova Expedição do Extremos: “Rocky Mountains, a 1ª travessia brasileira dos 1.100 km da Great Divide Trail”.
Este ano a busca foi por uma trilha inóspita na América do Norte. Depois de muitas pesquisas, minha atenção se voltou para uma trilha que há 20 anos tinha ouvido falar, mas que sempre me pareceu um sonho distante! A Great Divide Trail é uma trilha de mais de 1.100 km nas famosas Rochosas Canadeses - Canadian Rockies -, que percorre o trecho canadense das Rocky Mountains.
A Great Divide Trail (GDT) passa por:
• Cinco parques nacionais: Waterton Lakes, Banff, Kootenay, Yoho e Jasper;
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Sete parques provinciais: Akamina-Kishinena, Elk Lakes, Peter Lougheed, Height of the Rockies, Mount Assiniboine, Mount Robson e Kakwa;
• Quatro áreas selvagens: Beehive Natural Area, Kananaskis Country, White Goat Wilderness Area e Willmore Wilderness Area;
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Cinco distritos florestais: Castle, Bow/Crow, Cranbrook, Golden and Robson Valley.
Ao longo da GDT, a cordilheira separa a água que flui para o Oceano Pacífico a oeste (através do rio Columbia), para o Hudson Bay (através do Rio Norte de Saskatchewan) e para o Oceano Ártico (através do rio Athabasca) ao leste.
Para esta expedição o foco era encontrar uma companheira que tivesse experiência em trilhas de longa distância, bom preparo físico e psicológico, pois caminharemos em uma região selvagem.
Selvagem porque encontraremos na trilha os animais mais temidos das Américas. Selvagem porque em muitos trechos não há trilha demarcada. Selvagem porque em média apenas 50 pessoas tentam percorrê-la ao ano, durante a pequena janela de verão. Selvagem porque caminharemos durante semanas na trilha sem encontrar rastros de civilização. Será ainda mais selvagem porque abriremos a trilha este ano, e não teremos rastros a seguir, a não ser dos ursos, alces e leões da montanha. Uma trilha selvagem e bonita, do início ao fim, durantes todos os 60 dias de caminhada.
Para completarmos a trilha, teremos que buscar os nossos instintos mais selvagens, romper a barreira do medo, tolerar a dor e a solidão e esse poderá ser o segredo de tudo! Três pessoas totalmente diferentes, em idades, costumes e sonhos. Três pessoas que nem ao menos se conhecem e terão que lidar com situações extremas em uma região inóspita.
O frio será ameaçador, o rosnar de um urso tirará a nossa paz, a falta de um caminho a seguir nos levará as torturas da mente, as escarpas das montanhas nevadas testará nossos limites. O quanto disso será dor física ou psicológica? O que suportaremos mais? Ainda não sei, mas com certeza essas e muitas outras respostas estarão a nossa espera ao longo da trilha. Se não ousarmos ir atrás delas, elas nunca virão à nós!
O que nos leva a um desafio como esse? A ignorância dos perigos ao longo da trilha ou as experiências que ficarão marcadas para sempre em nossas vidas?
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Elias Luiz, Rose Eidman e Daiane Luise partem em busca da primeira travessia brasileira dos 1.100 km da Great Divide Trail |
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Woman Wanted 2
A campanha Woman Wanted 2 foi um sucesso! Dezenas de mulheres com grandes potenciais para fazerem parte desta expedição se inscreveram, o que tornou tudo mais difícil para chegar a escolha final. Mas acredito que esta expedição terá uma ótima formação e com uma boa surpresa. Ao invés de uma mulher, escolhi duas mulheres para compor a equipe.
Rose Eidman, paulista de 54 anos, percorreu os 4.286 km da Pacific Crest Trail entre 2016 e 2017. Ela acaba de completar os 1.200 km da Arizona Trail. Sua experiência em tudo que envolve trilhas de longas distâncias será fundamental ao grupo.
Daiane Luise, curitibana de 40 anos, é personal trainer, montanhista, escaladora, trail runner e atleta de corridas de aventura. Morou durante dois anos no Canadá. O trabalho em equipe e sua experiência com navegação e montanhismo serão importantes para o grupo.
Porque escolhi duas mulheres? Para uma trilha tão inóspita e selvagem, onde só encontraremos hikers de fins de semana em alguns trechos da trilha, achei que seria ideal ter uma pessoa a mais para compartilharmos as experiências e dificuldades do dia a dia. Com certeza isso tornará a aventura e a história ainda mais rica. A ideia é essa: Como se comportarão em situações extremas em uma trilha de 1.100 km e durante 60 dias, três pessoas que não se conhecem? O tempo dirá! E vocês poderão acompanhar tudo por aqui e também no livro que será lançado em 2019!
Sejam bem-vindos as Rocky Mountains! |