“Meus pensamentos se voltaram para a Serra da Mantiqueira desde o primeiro dia em que a vi pela primeira vez. Embora de longe e de passagem, de carro na Dutra, foi amor à primeira vista. Faz tempo que isso ocorreu. Caminhar pela Mantiqueira é como entrar num filme, numa viagem transcendental sem começo, meio e fim. Eu vivo essa experiência todas as vezes que subo suas montanhas. Meu coração mergulha profundamente em pensamentos sublimes sobre sua natureza, as pessoas que ali criam suas famílias, as lindas flores que colorem os caminhos. Cada montanha tem personalidade própria, uma vida em si! Na Mantiqueira vou vivendo cada momento com magia. Vou caminhando e sentindo o que a terra tem pra oferecer, sem lutar contra ela. Vou indo aos poucos, observando seus aspectos originais. Noto cada detalhe, suas cores, sua textura, a umidade transpirando na vegetação e o aroma presente no ar.” Pablo Bucciarelli
Em 2013 (Transmantiqueira 2013 Online), numa época de fortes chuvas, o montanhista-corredor Pablo Bucciarelli enfrentou ao lado de seu amigo Pedro Alex a travessia conhecida por Transmantiqueira pela primeira vez. Novembro já era o final da temporada de montanhismo, e nada pior do que subir uma montanha. Além da época desfavorável em função das chuvas, decidiram realizar tal feito sem apoio externo, independentes, com mapa e bússola em mãos, usando principalmente o conhecimento sobre a região, sem GPS, cada um com sua mochila de ataque para 25 litros contendo o básico para toda a travessia, e dinheiro para compra de alimentos. Muitas vezes foram recebidos por moradores locais que ofereciam comida e um local para descanso. Foi uma experiência de vida surreal, comenta Pablo. “Tivemos nossos obstáculos físicos e mentais. Os pés adormeceram e a dor esteve presente desde as primeiras horas da travessia. A cabeça lutava contra o sono e ambos tivemos nossos conflitos, internos e externos... sede, fome, desconforto, não foi nada fácil.”
O aprendizado foi enorme. E por muito tempo não quiseram mais retornar à região, já que passaram por uma prova e tanto. O espírito precisava se resguardar para ficar em paz, analisa Pablo. Pelo menos até quando o chamado chegasse novamente aos seus ouvidos. Disse que já estava em seus planos refazer a rota, mantendo o estilo alpino de pouco peso, autossuficiência e velocidade. “Sou adepto do montanhismo de velocidade. Isso não me faz um ser apressado, mas sou muito produtivo quando focado num desafio. No entanto, me dou o direito de curtir momentos de contemplação sempre que sinto a necessidade. Mas, voltar para refazer a rota eliminando os erros cometidos já estava previsto.” Ele e Pedro Alex tinham planos mesmo de voltar, mas um imprevisto profissional afastou a dupla de montanhistas dessa possibilidade, pelo menos nesse momento. Pedro Alex está no Peru trabalhando na sua tese de Doutorado em Antropologia numa tribo indígena. Pablo vai sozinho, em solitário. “Senti um chamado maior. Por alguns anos fui atleta de corrida de aventura na categoria solo, onde tive certo destaque, e tenho bastante confiança nas atividades ao ar livre em solitário. Realizei algumas aventuras até chegar nesse patamar para me lançar em situações de alta exposição. Para muitos uma forma insegura, mas para mim um momento de retiro, um isolamento, um ato de desaparecimento.”
“Vou fugir do ‘abraço do urso’ pelo tempo que for possível, mas em algum momento ele me pegará”
— Pablo Bucciarelli
Dessa vez, Pablo fará a travessia tentando eliminar os erros de navegação cometidos em 2013. A rota está mais clara depois da experiência anterior, segundo ele. Também, está mais prudente com relação aos cuidados com os pés, a fim de evitar uma lesão, um desafio e tanto para quem tem mais de 400 quilômetros por trilhas e montanhas pela frente. O sono será mais uma das restrições a ser administrada. “Vou fugir do ‘abraço do urso’ pelo tempo que for possível, mas em algum momento ele me pegará”, diverte-se Pablo ao comentar que tem como meta dormir no máximo duas horas por noite. As chuvas de granizo e as tempestades elétricas serão outro risco, mas não há muito que fazer. Terá que cuidar para não se expor demais nas travessias de crista. “A natureza sempre nos protege. Tenho fé e trato com respeito cada terreno pisado durante minhas andanças. Explorar não significa destruir, na verdade é como desvendar para consagrar”, afirma Pablo.
O trajeto da Transmantiqueira na Cobertura Online do Extremos. Arte: Elias Luiz |
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Chegou a hora de embarcar nessa aventura. Dia 13 de fevereiro, a partir da primeira hora do dia, o montanhista-corredor Pablo Bucciarelli fará a travessia conhecida como Transmantiqueira em solitário, o que deverá somar mais de 400 quilômetros de percurso. Em 2013 o trajeto em dupla foi concluído em 8 dias, 3 horas e 15 minutos, somando 424 quilômetros (Mapa no Wikiloc). Foi uma travessia inédita em todos os sentidos. Agora, ele promete fazer um esforço para diminuir o tempo. A travessia terá a cobertura em tempo real pelo Portal Extremos com imagens, vídeos e entrevistas exclusivas. Para isso, uma equipe de fotógrafos e cinegrafistas estará seguindo o aventureiro desde o início da Transmantiqueira, que terá início na vila de Monte Verde, sul de Minas Gerais. O casal de documentaristas formado por André Dib e Cassandra Cury fará parte dessa caravana, e para tanto estão se preparando para flagrar momentos inesquecíveis dessa experiência. Estarão na equipe também outros fotógrafos e montanhistas. É o caso de Luiz Milan Lasanha, fotógrafo e alpinista industrial, que além de captar imagens psicodélicas, fará a segurança da equipe nos locais de acesso mais difícil, como será o caso das Agulhas Negras no Parque Nacional de Itatiaia. O montanhista e aventureiro Samuel Oscar que dirige o Drone da Montanha será responsável pelas imagens aéreas, captando com o seu equipamento imagens da Serra da Mantiqueira de ângulos nunca vistos anteriormente. A cobertura promete plasticidade nas imagens. Na retaguarda, para que todos sobrevivam às passadas largas do montanhista-corredor, a equipe de apoio formada por Lucas Abdalla da Vale Radical Turismo de Aventura de Cunha-SP e Vinícius Moysés da Treine Certo Assessoria Esportiva de Vitória-ES, estará de prontidão para auxiliar todos os profissionais quanto à reposição de alimentos, baterias, equipamentos, entre outras tarefas. Transitarão quase 1.000 quilômetros nos bastidores da Mantiqueira com seus veículos por estradas vicinais e rodovias que cortam a região para registrar tudo com o máximo de realismo.
Pablo Bucciarelli ingerindo um pouco de "glicose" durante a Transmantiqueira 2013. Foto: Pedro Alex
A Serra da Mantiqueira é uma importante cadeia montanhosa, com altitudes que variam de 800 a 2.800 msnm (metros sobre o nível do mar). Está situada na região Sudeste do Brasil, entre as principais metrópoles e centros de desenvolvimento econômico do país: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Fornece as águas que correm para as bacias hidrográficas dos rios Paraíba do Sul e Paraná, conservando inúmeras riquezas socioambientais.
A Mantiqueira contém remanescentes de ecossistemas do bioma Mata Atlântica, habitat para várias espécies endêmicas. Sua vegetação é diversa por causa das diferenças climáticas dos níveis de altitude. Nas regiões abaixo de 1.100 msnm, predomina a Floresta Ombrófila Densa Montana. Entre 1.100 e 2.000 msnm encontra-se a Floresta Ombrófila Densa Altomontana e florestas mistas, com a presença de araucária. Na transição para as regiões mais altas, aparece uma vegetação mais baixa e uniforme, como os bosques de candeias. Acima de 1.800 msnm, encontram-se também campos de altitude, contendo capins altos em solos pedregosos e espécies adaptadas ao frio. Aliás, Pablo terá pela frente uma vegetação já bem nutrida depois das chuvas de verão, especialmente o capim elefante tão conhecido dos andarilhos da Serra Fina.
Pablo Bucciarelli durante a Transmantiqueira 2013. Foto: Pedro Alex |
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Muitos animais selvagens habitam a Mantiqueira. Entre eles podem-se citar as aves de pequeno porte, o porco-do-mato, os macacos bugio e mico-preto, o tamanduá, o lobo-guará e felinos. Quem sabe uma suçuarana ou uma jaguatirica fazem companhia ao montanhista para uma travessia selvagem na montanha? Acima de 1.900 msnm registram-se principalmente as aves, entre elas os gaviões, o corujão-da-mata e a siriema. Estimativas indicam que, só no Parque Nacional do Itatiaia, vivem mais de 100 mil espécies de insetos e 300 espécies de aves.
“Mantiqueira” é um termo de origem tupi-guarani que significa “gota de chuva”, através da junção dos termos “amana” (chuva) e “tykyra” (gota). Os índios atribuíram esse título de “serra que chora” devido a grande quantidade de rios que nascem na serra. O maciço da Serra da Mantiqueira possui aproximadamente 500 quilômetros de extensão e se inicia próximo à cidade de Bragança Paulista e segue para o leste delineando as divisas dos três estados brasileiros São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro até a região do Parque Nacional de Itatiaia onde adentra Minas Gerais até a cidade de Barbacena. Seu ponto culminante é a Pedra da Mina, com 2.798 msnm, e seu ponto de transposição mais baixa é a Garganta do Embaú, por onde passaram os bandeirantes durante suas incursões ao interior de Minas Gerais.
A travessia a ser realizada pelo atleta paulista, às vésperas de completar seus 40 anos de idade, consiste na união das principais montanhas da Serra da Mantiqueira. Incluem-se nisso os roteiros mais conhecidos dos montanhistas, como as travessias Campos-Piquete, Marins-Itaguaré, Serra Fina, Serra Negra e Serra do Papagaio, passando ainda pelo maciço de Itatiaia. Apesar da jornada dura que enfrentará, decidiu alongar o percurso para que quase toda a extensão da Mantiqueira fosse percorrida, abrindo mão das partes mais baixas. Iniciará a empreitada a partir da Vila de Monte Verde, passando por São Bento do Sapucaí e Parque Estadual de Campos do Jordão. Daí ligará todas as travessias mais conhecidas, com descenso final em Aiuruoca. Passará pelos principais picos da serra, os mais conhecidos da Mantiqueira, vinte e seis deles acima dos 2.000 msnm. Dentre eles estão Pedra do Baú (1.950 msnm), Pico dos Marins (2.420 msnm), Pico do Itaguaré (2.308 msnm), Alto Capim Amarelo (2.352 msnm), Pedra da Mina (2.798 msnm), Pico dos Três Estados (2.665 msnm), Pico das Agulhas Negras (2.791 msnm) e o Pico do Papagaio (2.100 msnm).
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Pablo Bucciarelli durante sua escalada no Elbrus, o topo da Europa. |
Em 2014 Pablo Bucciarelli completou a ascensão do Monte Elbrus no Cáucaso Russo sem aclimatação em solitário em 25 horas, somando um total de 48 horas entre subida, descida e descansos. Essa experiência será contada em texto inédito no novo anuário do Portal Extremos a ser laçado nas próximas semanas. Ele vem com uma bagagem acumulada de experiências de competição de Endurance entre os anos de 2001 e 2012 em provas de longa duração, além dos desafios pessoais que têm realizado. Está na montanha regularmente e tem se dedicado aos treinamentos junto ao Educador Físico Daniel Franquin da AKSA Assessoria Esportiva.
Não percam a cobertura em tempo real da Transmantiqueira em Solitário 2015 a partir do dia 12 de fevereiro, quando começaremos a acompanhar o montanhista-corredor na sua grande jornada. Vamos reviver um pouco dos melhores momentos, numa retrospectiva ao longo das próximas semanas, da travessia realizada por ele e Pedro Alex no ano de 2013, para que todos possam imaginar o que virá pela frente.
Deixem suas mensagens de vibrações positivas aqui na página da cobertura online para esse guerreiro! Estamos torcendo aqui! Se alguém da nossa audiência encontrar com o montanhista durante a travessia, nos enviem suas fotos ou vídeos que postaremos na cobertura ao vivo com a hashtag #transmantiqueira. |