Extremos
 
EXPEDIÇÃO TEMET NOSCE
 
Reflexões sobre a motivação do projeto Temet Nosce
 

texto: Alexandre Dupont
15 de fevereiro de 2016 - 13:00

 
Thiago Costa e Alexandre Dupont
 
  Juliano Sant'ana  

Há muitos anos me proponho a ser um ser humano melhor. O aprimoramento necessita ser um exercício rotineiro para garantir sucesso. Então não há outra forma de se aprimorar que não seja pautada no autoconhecimento.

Nos últimos meses, tenho conversado com muitas pessoas sobre a viagem. E percebi que apesar das pessoas se emocionam, vibrarem... quase todos se indignam. A pergunta mais frequente é: “mas o que vocês farão da vida quando esta aventura acabar”? E logo penso na etimologia da palavra “PREOCUPAÇÃO”. Ocupar-se antes de uma ação.

Fomos forjados pela sociedade à ocuparmos previamente às nossas ações, evitando impulsos e racionalizando sempre que possível. O que é um planejamento senão uma preocupação estratégica com o sucesso? O exagero reside quando a preocupação é tão maior que ação que a estagna, freia, impede. E é lugar comum estes excessos quando somos convidados a refletir fora da nossa realidade cotidiana, fora da nossa zona de conforto, além do nosso alcance de visão e conhecimento.

Muitas pessoas gostariam viver o que estamos nos propondo a realizar. Mas o que as impedem? Revendo no fundo do meu âmago, tenho a perfeita noção que tomar esta decisão não foi processo fácil, muito menos sereno. Envolveu, muito desprendimento, muita vontade de viver o hoje, de conhecer os limites, as necessidades e de saber que sempre é possível e preciso se reinventar, mesmo na idade de varão, para ser melhor. É um desejo verdadeiro e puro de conhecer a realidade e de tornar-se melhor a cada instante, para melhor contribuir, para pagar o devido tributo à sociedade que tanto nos ajudou e ajuda e que merece melhores pessoas aqui convivendo entre si.

E vem-me à mente, a Alegoria da Caverna de Platão, narrativa que consta no livro VII da obra mais importante de Platão, “A República”. É um o diálogo de Sócrates com seu amigo Glauco a respeito de uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, em que é descrito a situação geral em que se encontra a humanidade. Acredita-se que esta obra foi escrita entre 380 e 370 a.C.

     
     

Platão utilizou a linguagem alegórica para mostrar o quanto os homens estavam presos a imagens, sombras ou preconceitos e superstições, como correntes ligadas aos seus corpos. Para descrever isso, ele remete à imagem de um grupo de homens que nasceram e cresceram dentro de uma caverna, imobilizados por correntes e obrigados a olhar apenas para a parede da caverna à sua frente. Ali, acorrentados e totalmente acostumados com esta situação, contemplavam o que achavam ser o mundo, a partir apenas das sombras refletidas no fundo da caverna por uma escassa luz que havia atrás deles.

O seu mundo "real" era formado por sombras de estatuetas de homens, de animais, de vasos, bacias e outros vasilhames, refletidas na parede da caverna. Como só podiam enxergar essas imagens distorcidas, concluíam que eram verdadeiras. A existência desses prisioneiros era inteiramente dominada pela ignorância e contentamento com o que é superficial.

Certo dia, um dos prisioneiros resolveu libertar-se e virar-se para o lado de fora da caverna. No início, ao sair das trevas da caverna, ficou temporariamente cego devido à claridade vinda de fora. Gradativamente, seus olhos foram se acostumando à claridade e vislumbraram um outro mundo, repleto de imagens diferentes do que antes considerada verdadeiro. O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (episteme), inteiramente, se abria perante ele, podendo então vislumbrar o mundo da verdade e do conhecimento verdadeiro. Maravilhado com todo o novo conhecimento, ele voltou para dentro da caverna para narrar o fato aos seus amigos ainda acorrentados, com o intuito de também libertá-los. Mas estes não acreditaram nele e revoltados com a sua “mentira”, acostumados a permanecerem na “zona de conforto”, ameaçaram matá-lo.

Com essa alegoria, Platão divide o mundo em duas realidades: o sensível, que é percebido pelos cinco sentidos, e o inteligível (o mundo das ideias), que se alcança apenas com a racionalidade, o pensamento puro, livre das “trapaças” dos sentidos. O primeiro é o mundo da imperfeição, da ilusão, da mera opinião, do “eu acho”. O segundo é o mundo da verdade, do conhecimento, das ideias, das formas inteligíveis e perfeitas, dos conceitos, do “eu sei”, o mundo TEMET NOSCE.

A mensagem de Platão ao mundo atual é que o ser humano deveria procurar as verdades em si, sem se contentar com as meras opiniões ou preconceitos. O homem deveria se empenhar em uma atitude de investigação, pesquisa, discernimento, aprofundamento, problematização, criticidade, enfim, se empenhar na atitude filosófica, para que consiga atingir o bem maior para sua vida, que só pode ser decorrência da verdade ou, pelo menos, da busca sincera e incessante por ele: TEMET NOSCE.

As pessoas hoje me parecem assim, amarradas. Nossa sociedade nos acorrentou no fundo da caverna de Platão. Os prisioneiros somos nós que, segundo nossas diferentes tradições, hábitos e culturas, nos acostumamos com as noções sem que delas reflitamos para fazer juízos corretos, mas apenas acreditamos e usamos como nos foi transmitido.

A caverna é o mundo ao nosso redor: físico, químico e sensorial em que as imagens prevalecem sobre os conceitos, formando em nós opiniões, por tantas vezes errôneas e equivocadas: os preconceitos. Quando iniciamos a descoberta das verdades, temos dificuldade para entender e apanhar o real (assim como a luz ofusca a visão de quem sai da caverna) e para tanto, necessitamos nos esforçar, refletir, aprender e acima de tudo querer conhecer o mundo e à nós mesmos: TEMET NOSCE.

 
Thiago Costa e Alexandre Dupont
 

Nossa vida tresloucada nas grandes metrópoles, o incentivo desenfreado para o consumo (tantas vezes irresponsável, que pouco se importa com maus tratos ou escravidão humana, ou mazelas piores ainda), nos impulsiona para a banalidade da rotina no trinômio trabalho, sexo e diversão. Obviamente sobra pouco ou quase nada de reflexão para o autoconhecimento. E mais, julgamos que alguma instituição superior ou que que detém esta responsabilidade (p. ex. o governo) é de fato o ente que deva tomar todas as rédeas e resoluções para resolver os problemas que nós mesmos enquanto sociedade, continuamente criamos e nos inserimos.

Vivemos numa sociedade repleta desigualdades sociais, com forte predominância da avareza e do egoísmo humano. Estes dois vetores dificultam o nosso avanço para uma sociedade mais justa e há quem, como eu, reflita que, inclusive, contribuam para impedimentos de descobertas científicas relevantes.

O projeto Temet Nosce não é uma mera viagem ao redor do mundo. Muito longe disso: há em sua essência propósitos nobres: proporcionar oportunidades de conexão e sintonização com pessoas que buscam no autoconhecimento e em seu contínuo exercício, propostas para atenuar a avareza e o egoísmo que assola sem piedade nossa sociedade.

Em nossa longa jornada, os grandes problemas sociais e ambientais da atualidade serão por nós observados em campo, sem filtros e manipulações da mídia e dos governos, oferecendo uma visão extensa, contextualizada na geografia e na política atual. Olhar e cognição próprios, de quem verdadeiramente saiu da zona de conforto para desvendar a realidade: TEMET NOSCE.

Grande abraço!
Alexandre Dupont

comentários - comments