Extremos
 
PROJETO NO TOPO DO MUNDO
 
McKinley, a primeira etapa
 

texto: Cristiano Müller
7 de agosto de 2015 - 14:25

 

Cristiano Müller durante a escalada ao McKinley.
 
  Roberta Abdanur  

Apesar de já ter retornado há algumas semanas do Alasca, demorei alguns dias depois da minha volta da montanha até escrever este texto. Antes preferi dedicar um tempo para refletir sobre como foi a expedição, o que ela me trouxe de experiência e ensinamentos, e o que realmente valeria a pena compartilhar aqui com vocês.

A primeira coisa a dizer é que, dessa vez, o tão esperado cume não veio. Pois é, para poder tentar descrever a vocês como é a vista do alto dos 6194m do McKinley, ou Denali (“A Maior”), como era chamada a maior montanha da América do Norte pelos índios Athabasca, ficaram faltando uns consideráveis 600m verticais de escalada.

Devido ao fato de que chegamos à montanha no final de uma janela de bom tempo, fomos obrigados a realizar uma subida extremamente rápida, obviando etapas importantes do processo de aclimatação. Em 3 dias de expedição,  já estávamos no Campo 3, quando o normal seria chegar neste acampamento somente no 8º dia, dosando a quantidade de esforço e acostumando o corpo gradativamente a altitude.

O objetivo dessa “correria” toda, era tentar chegar ao cume antes que o tempo piorasse e nos impedisse definitivamente de realizar uma tentativa de ascensão ao topo. Para complicar ainda mais a situação, na ascensão do campo 3 para o campo 4, fomos surpreendidos por uma forte tormenta de -30ºC de temperatura e ventos de até 70 Km/h. Em um determinado momento, um dos colegas de expedição chegou a comentar:

“Se não chegarmos ao C4 em no máximo 30 minutos, creio que estaremos em sérios apuros”.

 

Chegamos ao acampamento exaustos. A luta contra a tormenta, em plena aresta entre o C3 e o C4, considerado uns dos trechos mais expostos e perigosos da escalada, não só havia consumido boa parte das nossas energias, como também acabou trazendo consequências de congelamentos leves e princípio de hipotermia para dois dos companheiros de expedição.

     
     

Montamos uma das barracas às pressas e nos amontoamos entre 4 montanhistas dentro da mesma, já que a tempestade ainda persistia e o frio era extremo do lado de fora.

No dia seguinte, após uma boa conversa entre o grupo, na qual cada um manifestou a sua posição e desejo em relação a continuidade ou não da expedição, ficou definido que eu e o Greg realizaríamos uma tentativa de ataque ao cume, enquanto o Agnaldo e o Giovanni ficariam no C4. A acertada decisão tomada por eles visava evitar qualquer risco de que os problemas enfrentados no dia anterior pudessem se agravar.

Assim sendo, Greg e eu iniciamos a ascensão determinados a chegar ao ponto culminante da América do Norte. Entretanto, chegando ao famoso “Denali Pass”, acabei tomando a dura e difícil decisão de retornar, depois que o meu corpo, mal aclimatado e cansado pelo esforço excessivo realizado nos dias anteriores, me deu sinais claros de que, caso eu continuasse, provavelmente conseguiria chegar até o topo, mas certamente não teria energia suficiente para voltar.

No regresso ao C4, chegamos a cogitar a possibilidade de realizarmos uma nova tentativa no dia seguinte, já que com um dia a mais de aclimatação, quem sabe as minhas forças poderiam retornar e assim, quem sabe, ainda teríamos alguma chance de chegar ao cume. Porém, o tal mal tempo, que tanto nos fez acelerar o ritmo da escalada, chegou de maneira definitiva e implacável à montanha, restando-nos somente descer o antes possível ao campo base para que pudéssemos sair todos em segurança. Afinal, essa sempre será a prioridade.

Apesar de sentir grande frustração por não ter chegado ao topo, fico feliz e orgulhoso de mim mesmo por ter tido o bom senso de tomar decisão de abortar a escalada diante de um risco eminente. Em 2013, quando ainda estava iniciando no mundo do montanhismo, escrevi um texto descrevendo o quanto "chegar ao cume" de uma montanha é importante para mim. No próprio vídeo promocional do projeto "No Topo do Mundo", faço referencia a esta importância. Abaixo transcrevo uma parte desse texto:

"Para mim chegar ao cume de uma montanha significa a coroação de um longo processo que um dia começou como um sonho, que logo se transformou em um objetivo concreto, o qual passou por uma fase importante de planejamento (de tempo, de dinheiro, etc.), seguida por um período de preparação e treinamentos, até culminar com a escalada e com a conquista propriamente dita. O cume "é a cereja do bolo", como muitos montanhistas costumam dizer. Aliás, curiosamente essa expressão também é comumente utilizada para consolar montanhistas quando a conquista da cima não é possível de ser atingida, como se "a cereja fosse somente um detalhe em relação ao resto do bolo". Particularmente, apesar de respeitar todas as opiniões ao respeito, penso que o bolo não está completo se não se pode comer a cereja também. Tenho a mais plena consciência de que muitas vezes não é possível continuar com uma ascensão, simplesmente porque a Montanha não o permite, independentemente se você é um montanhista principiante ou o Reinhold Messner. O montanhismo já cobrou muitas vidas de quem ousou pensar o contrário e é por isso que sempre peço a Deus que me ilumine e que me dê serenidade para que eu sempre possa tomar sempre as decisões mais acertadas na montanha. Entretanto, pelo que me conheço, no dia em que isso acontecer comigo, certamente eu vou querer voltar para tentar de novo, ainda que seja na temporada seguinte. Faz parte da minha natureza não desistir tão fácil dos meus objetivos, apesar de saber que às vezes é necessário recuar um pouco para depois voltar a avançar".

 

     
     

Acho que estas palavras deixam claro que, apesar dos cumes serem muito importantes para mim, isso não significa que estou disposto a conquistá-los a qualquer preço. E o maior motivo da minha felicidade, no caso do Mckinley, se deve ao fato de que, mais de 2 anos depois de ter escrito o texto, estando em pleno andamento de um projeto que consiste em escalar algumas das principais montanhas do mundo e de conseqüentemente enfrentar situações de considerável risco, tive a oportunidade de ser abençoado com a tal "serenidade" que mencionava naquela ocasião e de ter coerência com os meus princípios que pregava.

Essa foi a minha maior conquista nessa expedição.

O Mckinley, além de ter sido um desafio magnífico por si só, também foi um excelente treinamento para as próximas etapas do projeto que estão por vir.

Aproveito para agradecer o apoio, torcida e preocupação de todos comigo. Em breve compartilharei informações sobre a próxima etapa do projeto. Não deixem de acompanhar!

     
     

Um grande abraço,
Cristiano Müller

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