Espanha foi o primeiro país que entramos pedalando. Foi uma emoção fora do comum. Imagina só, cruzamos Portugal inteiro de bike e conquistamos o segundo país. O que será que nos aguarda? Agora a língua é diferente, acabou a mamata do português. Os portugueses não falam muito bem dos espanhóis. Então, vamos ficar atentos.
Quando estávamos em Portugal ainda tínhamos um pouco de medo de acampar na rua. Não medo da violência, medo de alguém nos tirar de lá. Como aconteceu uma vez que tentamos acampar num terreno. Apareceu um portuga xarope e ficou na cola até a gente sair de lá. Até que conhecemos o casal Patrícia e Léo que também são cicloviajantes e eles nos disseram que podíamos acampar sem problemas na rua e que a polícia não esculacha, ela protege e se estiverem acampando em lugar proibido eles apenas vão te informar, vocês pedem desculpas e vão para outro lugar.
Com base nisso, já chegamos na Espanha acampando. Achamos um riozinho bacana, numa área residencial. Tinha uma ótima mesa para prepararmos a comida. Várias pessoas passaram por nós e nem ligaram, então não estávamos incomodando ninguém.
Pedalar pela Espanha é delicioso. As estradas da Espanha são um luxo. Você não encontra nem uma pedra no caminho, chegamos a descer a mais de 60km/h. Mas só fizemos isso lá porque sabíamos que não ia ter buraco e também todas as estradas tem um bom acostamento. Sensação boa, porém perigosa.
Dormimos num camping que era quintal de uma casa por 12 euros. Tinha uma vista fantástica para uma ilha. Fizemos nosso risoto de cogumelos com peito de peru e queijo polenguinho e dormimos felizes.
Seguimos em direção a Santiago de Compostela. A pretensão é fazer o caminho oposto. Começou a ter muita subida e o pedal não rendia, o tempo estava fechando, então decidimos procurar um diocamping (camping free). Procura aqui e ali e nada. Avistamos um parque com uma lagoa linda, mas estávamos bem no alto e não sabíamos como descer lá. Entramos numa rua sem saída e 3 ovelhas começam a gritar, até que um cara aparece. Nos dá buenas tardes e começamos um papo. Ele nos convida pra acampar no quintal de sua casa. Nos oferece licor de café (típico da região). Nos oferece sua churrasqueira para assarmos uma carne. Ainda nos oferece uma ducha caliente. Que beleza, heim! Seu nome é Gabriel, gente boa demais! Agora o mais engraçado foi eu comentando com o Thiago: meu amor, que legal né, o grito das ovelhas fizeram com que o Gabriel viesse até nós, que coisa divina, coisa de Jesus, é o caminho de Santiago já fazendo efeito.”
Aí mais tarde, chego pro Gabriel e pergunto: Gabriel, você só apareceu lá porque as ovelhas gritaram pela nossa presença não foi?
Gabriel: Ué, não! Aquelas porras berram o dia inteiro, fui só trocar elas de lugar porque estavam enchendo o saco. (em português seria mais ou menos assim). Rimos muito. Foi uma noite muito bacana.
Arrumamos hospedagem em Santiago pelo Warmshower, mas não conseguimos chegar na data combinada. Fomos procurar diocamping e encontramos uma ruína no meio da mata. Era uma casa muito antiga, feita toda de pedra, dormimos onde deveria ser o quarto do segundo andar. Estava tomada pela natureza. O que será que já aconteceu naquela casa? Quem já morou lá? Quando? Ficava tentando visualizar como ela era. Só sei que os fluidos eram bons, dormimos muito bem. Como tinha uma igreja perto a gente acha que deveria morar algum padre lá, fomos na igreja tentar informação mas não conseguimos.
Depois de 30 km de subida chegamos em Santiago de Compostela. Uhuuuuu! Vários peregrinos por toda a parte, gente muito cansada e realizada. Visitamos o túmulo do apóstolo Santiago, tudo muito lindo! Dormimos na casa do Pablo do WS (warmshower). A casa dele na verdade era uma ocupação. Ele nos avisou por e-mail, mas fomos assim mesmo, um pouco apreensivos. Entramos e vimos aquele prédio todo empoeirado muito antigo, bem macabro. Não tinha energia elétrica. No apartamento do térreo tinha um quarto cheio de bruxas penduradas na parede. Tinha um outro morador que dava medo só de olhar. O quarto que iríamos dormir estava lindo e limpo, super arrumadinho. É comum na Europa, pessoas invadirem casas abandonadas. Por lá você encontra muitas casas e prédios abandonados. Eles abrem com um pé de cabra e trocam a fechadura. A polícia não se mete. Se o dono pegar e achar ruim eles vão embora sem maiores problemas. O prédio era tão velho o teto do quarto que dormimos estava muito envergado, mais cedo ou mais tarde aquilo ali vai desabar, tá perigoso mesmo. Uma frase interessante escrita na parede: “Gente sin casa, casa sin gente.” Fizemos um jantar muito bom para Pablo e seu amigo. Ele é muito gente boa! Adoramos a experiência.
Pelo caminho de Santiago de Compostela, encontram-se vários albergues baratinho para os peregrinos, em torno de 6 euros por pessoa. Você dorme uma noite e no dia seguinte sai cedinho para continuar a peregrinação. Quem faz o caminho a pé tem uma prioridade maior de quem faz de bike. Nós não sabíamos disso até dormir em um...
Precisávamos tirar um dia pra descansar, lá no albergue seria ideal, se não fossem as regras! Dormimos lá e combinamos que acordaríamos a hora que quiséssemos. Porém, as 08:00 da manha, uma senhora nos acorda, falando um monte de coisa, a gente com o maior sono do mundo sem entender nada. Mas a real era que teríamos que vazar de lá naquele momento, e se quiséssemos voltar só depois das 13:00, como assim? Tudo bem que há regras, mas a porcaria do albergue estava vazio, o que custava nos deixar ficar. Saímos putos!
Andamos uns 30 km e achamos um camping por 18 euros, achamos caro e não ficamos. Tivemos que recorrer a outro albergue, chegando lá não tinha ninguém. Estava aberto, entramos e preparamos nosso rango. Tinha uma peregrina que nos avisou que o responsável só chegaria as 21:00h e poderíamos nos instalar! Na hora certa o senhor apareceu, pagamos e perguntei se teríamos que deixar o quarto as 08:00 da manhã, ele respondeu: não, não, pode ir a hora que quiserem! Era dia de jogo do Brasil, mas pelas "regras" o albergue fechava as 22:00. Pois esse albergue da cidade de Miño não tinha hora pra fechar, o velho liberava tudo, cara legal! Procuramos um bar pra ver o jogo e nada de achar. O que achamos foi uma super festa na praia em comemoração ao dia de São João. Muitas fogueiras gigantes, famílias, crianças e jovens curtindo a mesma vibe! Perfeito! Foi lindo! Aí sim passamos o outro dia descansando! Quebrar as regras por uma boa causa vale!
O diocamping da vez foi no alto da montanha com uma vista maravilhosa de toda a cidade. O tempo estava nublado, peguei a câmera pra tirar foto das bikes e o sol apareceu, assim, do nada, se exibindo pra mim. Foi uma vibração sensacional. Quanta energia tem o sol!
Pedalar na Espanha é assim: cada dia você passa por um lugar diferente, a paisagem muda o tempo toda e onde quer que pedalamos sempre vamos encontrar lugares maravilhosos.
Chegamos em Ortigueira e um senhor simpático disse que poderíamos acampar na praia sem nenhum problema. Chegamos no local, estávamos loucos para tomar banho. Não só achamos uma, como achamos 35 duchas. O local era fantástico. Passamos 3 dias nessa praia. Todo ano, em julho rola um festival celta nessa praia, tipo um Woodstock. Milhares de pessoas ficam acampados lá durante 3 dias curtindo um som. Uma pena que estávamos em junho, queríamos muito ter curtido esse festival.
Encontramos uma praia num bairro nobre que tinha uma placa que não podia acampar. Começou a chover, não tinha ninguém, acabamos dormindo por lá. De manhã na hora de partir começa a chover. Bota a capa de chuva protege os eletrônicos, tá massa, vamos nessa. Paramos numa parada de ônibus para pegar a gopro, eis que surge um cicloviajante, um alemão (Cristopher). Papo vai, papo vem, acabou viajando com a gente. Só falava em inglês, e quando não entendíamos, ele repetia com calma e de outra forma, até a comunicação dar certo. Lembrando que a gente não fala inglês. Cris nos ensinou de maneira muita massa a como pedir pra acampar no quintal dos outros, é a melhor forma de acampar de graça e é muito fácil conseguir. Ele não fala espanhol, sabia apenas dizer que precisava de um lugar pra montar sua barraca e passar a noite. Fomos num boteco e pimba, conseguimos acampar no terreno no Pepe Belinho. É muito bom dormir sabendo que ninguém vai te xaropar com nada. Preciosa dica.
Paramos no restaurante de um hotel para tomar um café com leite, o dono do hotel nos ofereceu uns quartos para peregrinos (lembrando que ainda estamos fazendo o caminho de Santiago) por 10 euros por pessoa. Pelo naipe do hotel é até barato, mas pra gente pesa. Explicamos a situação e perguntamos se teria algum camping por perto. Ele disse que poderíamos acampar ali mesmo no quintal do hotel sem problema e sem custo, que massa!
O pedal do dia estava tenso, só subida e descida, muita curva, foram 60 km assim. Estava tarde e nada de acharmos um diocamping, descemos até uma praia e nada, já estava anoitecendo e começou a chover. Como era domingo o único lugar coberto perto era um restaurante. Ficamos lá e nada da chuva passar. Thiago saiu na chuva pra procurar lugar pra acampar, na mesma hora a dona do restaurante estava saindo de carro, viu o Thiago e disse para ele que poderíamos acampar no restaurante, apenas com a condição de sair antes das 09:00 que é o horário que o restaurante abre. Que bacana!
Na boa, espanhol é gente boa demais! Parece até brincadeira. São lindos iguais as paisagens.
Num certo dia, resolvemos que íamos colocar em prática a técnica de acampar no quintal dos outros, como o alemão Cris nos ensinou. Avistamos um cara (Juan) e fomos lá perguntar se ele sabia de algum lugar pra acamparmos. No inicio ele ficou meio assim, desconfiado mas acabou nos convidando para acampar em sua casa. Tinha mesa, tinha mangueira, tinha local coberto para guardar as bikes e tinha um cachorro lindão. Perfeito. No dia seguinte, seguimos a dica do Juan e fomos rumo aos Picos da Europa. Minha nossa senhora, só foi subida extrema, uns 13 km. Andávamos a 5km/h não chegava nunca. Achamos uma escola de escalada no caminho e fomos lá conferir. Encontramos um casal que nos convidou para escalar um pouco e depois, fomos terminar a subida.
A subida foi dura, muito dura. Uma hora chegamos e o visual foi compensador, valeu a pena. Sempre vale o esforço. Já que foi difícil conquistar a montanha, decidimos diocampar por lá mesmo, no topo, incrível! Estávamos meio apreensivos de acampar no parque.
Encontramos um brother muito sangue bom, o Rojo. Ia passar a noite lá também na sua van e nos disse que ninguém iria aparecer. Pronto, a noite será tranquila. Rojo também nos deu uma dica irada de ir para o Rio Dobra, nos passou um esquema que rolava de acampar escondido. Fez o desenho e fomos lá procurar, encontramos!
Ainda nos Picos da Europa. Que lugar surreal, as montanhas tem uma energia muito forte. Dá até pra entender porque os escaladores de montanhas passam aquele perrengue todo para poder conquista-las. Elas te atraem. Passando por elas, me deu uma euforia que cheguei a perder o folego. É inexplicável. Pois foi entre elas que diocampamos, logo depois de uma ponte medieval. Acordamos e fomos dar um mergulho no maravilhoso rio que tinha abaixo da ponte. A cor da água era um azul esverdeado, lindo. O único problema era a temperatura. Não chegamos a medir, mas sabe quando você segura uma barra de gelo por muito tempo e rola aquela dor? Essa agua doía. Entramos mesmo assim e foi muito bom.
Além de pedalar, nós gostamos de escalar também. Ficamos sabendo que perto de onde estávamos ia ter um campeonato de psicobloc, o Red Bull Creepers, com a participação do Chris Sharma. Putzzzzz!
Estávamos a uns 300 km do evento, então teríamos que pegar algum transporte para chegar a tempo. Pedalamos até a cidade de Unqueira e de lá pegamos um trem para Santander. No dia seguinte fomos de ônibus para Pamplona, ficamos em um camping. O evento começava as 17:00h, o camping era longe da cidade, 8km. Fomos perguntar pra recepcionista do camping onde ficava a tal ponte, onde seria o campeonato (Puente La Reina), ela disse que ficava a 43 km de Pamplona, putz grila, vacilamos de não ter pesquisado direito. E lá fomos pra Pamplona pegar ônibus pra Estella, mó caro pra levar as bikes. Chegando em Estella, descobrimos que a ponte era a 22km dalí. Na correria não nos informamos direito. Compramos mais uma passagem pro local certo. O ônibus chegaria dali a meia hora. Chegou e não quis levar as bikes, porque não cabia no bagageiro e o ônibus grande passaria em 2 horas. Ficamos lá esperando 2 horas, resmungando o tempo todo. Iríamos chegar com 40 minutos de atraso. Não arriscamos ir de bike porque não sabíamos se ia ter muita subida.
Depois da correria chata, conseguimos chegar no evento, e o melhor, não tinha começado. Yes! Pegamos um lugar bacana e assistimos ao espetáculo dos monstros da escalada, os melhores do mundo. Foi muito massa! Valeu o estresse.
Chegando na cidade foi Lleida a noite, não tinha camping. Fomos a um hostel e estava lotado, fomos a outro e estava lotado. Pro nosso azar tinha tido um festival de musica na cidade e todas as hospedagens estavam cheias. Só tinha vaga num hotel 4 estrelas, 60 euros. Tá doido! Pra nossa sorte, fomos ver um hotel 1 estrela, que estava lotado, porém o recepcionista era da República Dominicana, e ficou encantado com as nossas bicis. Disse que éramos hermanos e nos acolheu, deixou a gente acampar nos fundos do hotel.
Fomos parar numa cidade chamada Organya e descobrimos que lá tem a melhor montanha para pular de parapente. Tinha um camping, decidimos ficar. O recepcionista ficou animado quando dissemos que éramos brasileiros e como haviam muitos brasileiros lá ele quis nos apresentar pra eles, achou um e avisou que éramos brasileiros também. O cara fez pouco caso, trocamos algumas ideias, perguntamos sobre Andorra e fomos para o nosso canto armar nossa barraca. Estávamos preparando a janta quando esse cara veio nos pedir o isqueiro emprestado, estava com um amigo. Do nada ele pergunta se gostaríamos de voar com eles de parapent. Pow, não estávamos pensando nisso, mas já que ele ofereceu, achamos a ideia irada demais, topamos na hora, iríamos embora no dia seguinte, mas por esse motivo ficamos mais um dia. Deixamos o horário combinado. Acordamos na maior expectativa pro voo. Confirmamos com ele, e estava tudo certo. Na hora marcada, fomos encontrar ele no bar do camping. O cara nos ignorou completamente, nem olhou pra nossa cara, falou com os brothers, com as meninas e foi nessa. E ficamos lá com cara de tacho. Estamos ate agora tentando entender qual foi a do bicho.
Apenas tirar onda com a nossa cara. O cara passa 4 meses por ano na Espanha saltando de parapente e se acha o foda por isso. Estamos há dois meses viajando passamos por 2 países e a única pessoa que nos fez de otário, foi um playboyzinho brasileiro. Assim...de graça. Mais tarde ele passou por nós e fingiu que nem conhecia. Cada uma viu!
Conhecemos um senhor espanhol chamado Joaquim que nos falou palavras lindas e incentivadoras. É muito bom ouvir boas palavras de gente com muita experiência de vida. Conhecemos também um casal de portugueses muito legais, Manoela e Carlos. Andavam o tempo todo de mãos dadas e são muito comunicativos, pessoas que viajam muito são assim. Depois de tanta gente boa encontrada no caminho, podemos garantir. Os espanhóis são muito, mas muito legais.
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