Em julho de 2013, Geraldine "Gerry" Largay, uma experiente caminhante de 66 anos, desapareceu enquanto percorria a Appalachian Trail, uma trilha de mais de 3.500 quilômetros que atravessa 14 estados dos Estados Unidos, começando na Geórgia e terminando em Maine. Conhecida pelo apelido de "Inchworm" (lagarta, em inglês) devido ao seu ritmo lento e constante, Gerry era uma enfermeira aposentada do Tennessee que decidiu realizar um sonho de sua "bucket list" ao caminhar a trilha com uma amiga, Jane Lee. No entanto, após Jane abandonar a jornada por uma emergência familiar, Gerry continuou sozinha. O que começou como uma aventura transformou-se em tragédia, desencadeando uma das maiores operações de Busca e Resgate (SAR, do inglês Search and Rescue) da história de Maine. Sua história não apenas emocionou o público, mas também revelou os desafios, métodos e limitações do trabalho de SAR em terrenos selvagens. Este artigo explora como as equipes especializadas operam, utilizando o caso de Geraldine Largay como exemplo, para que os leitores compreendam o funcionamento desse esforço complexo e muitas vezes angustiante.
O Desaparecimento de Geraldine Largay
Geraldine começou sua caminhada na Appalachian Trail em abril de 2013, partindo de Harpers Ferry, na Virgínia Ocidental, rumo ao Monte Katahdin, em Maine. Seu marido, George, a apoiava ao longo do caminho, encontrando-a em pontos pré-determinados para fornecer suprimentos e levá-la a motéis para descanso. Em 22 de julho, Gerry foi vista pela última vez no abrigo Poplar Ridge Lean-To, em Redington Township, Maine. Ela planejava percorrer 15 km até o abrigo Spaulding e, no dia seguinte, mais 21 km para encontrar George na Route 27. Porém, algumas horas após iniciar a caminhada, ela saiu da trilha para usar o banheiro – uma prática comum entre os caminhantes, que devem se afastar cerca de 60 metros do caminho por questões de etiqueta e privacidade. Foi nesse momento que ela se perdeu, não conseguiu encontrar o caminho de volta para a trilha.
Às 11h daquele dia, Gerry tentou enviar uma mensagem de texto a George: "In somm trouble. Got off trail to go to br (bathroom). Now lost. Can you call AMC (Appalachian Mountain Club) to ce if a trail maintainer can help me." ("Estou em apuros. Saí da trilha para ir ao banheiro. Agora estou perdida. Você pode ligar para o AMC para ver se um mantenedor da trilha pode me ajudar?"). No dia seguinte, ela tentou novamente: "Lost since yesterday." ("Perdida desde ontem."). As mensagens nunca foram entregues devido à falta de sinal de celular na região montanhosa e densamente florestada. Quando Gerry não apareceu no ponto de encontro em 24 de julho, George notificou as autoridades, iniciando uma busca massiva.
Como Funciona o SAR
O trabalho de Busca e Resgate é uma ciência que combina planejamento meticuloso, tecnologia e conhecimento humano do comportamento em situações de desorientação. Quando alguém desaparece em áreas selvagens como montanhas ou florestas, as equipes especializadas, como policiais, bombeiros ou grupos voluntários de SAR, seguem um protocolo estruturado. Vamos detalhar como isso funciona, usando o caso de Geraldine como base.
O Caso de Geraldine em Contexto
Tudo começa com a reconstrução do cenário. No caso de Gerry, a polícia do Maine, liderada pelo Maine Warden Service, entrevistou George e outros caminhantes que a viram em Poplar Ridge. Eles determinaram seu Último Ponto Conhecido (Last Known Point - LKP), o abrigo Poplar Ridge, e coletaram dados sobre seu equipamento (tinha uma barraca, mas deixou um GPS [SPOT] de emergência no carro do marido, pois não sabia usar), roupas (coloridas, mas não tão visíveis em vegetação densa) e experiência (razoável, mas com relatos de desorientação informados por Jane). Mapas topográficos da área foram analisados, considerando o terreno acidentado e a vegetação densa, além das condições climáticas de julho – quentes, com chuvas e com noites frias.
Com base no LKP, as equipes calcularam a Probability of Area (POA), ou seja, a zona onde Gerry provavelmente estaria. Estudos mostram que pessoas perdidas caminham, em média, entre 2 a 5 quilômetros antes de parar, dependendo de fatores como idade, preparo físico e terreno. Como Gerry tinha 66 anos e caminhava lentamente, a área inicial foi delimitada em um raio de alguns quilômetros a partir de Poplar Ridge. Também consideraram padrões de comportamento: pessoas perdidas muitas vezes descem encostas ou seguem cursos d’água, o que orientou a busca para riachos como o Oberton Stream.
A operação envolveu mais de 100 agentes, incluindo guardas-florestais, polícia estadual, equipes voluntárias como Franklin Search and Rescue e Mahoosuc SAR, além de unidades com cães farejadores. Helicópteros da Civil Air Patrol e drones foram usados para sobrevoar a região, enquanto equipes terrestres, algumas a cavalo, vasculhavam trilhas e áreas adjacentes. Cães rastreadores cobriram 90 km, e os times a pé, 483 km, em apenas alguns dias. A busca foi considerada uma das mais extensas e caras do estado, com até 30 guardas trabalhando simultaneamente em alguns momentos.
Várias técnicas foram empregadas:
· Busca em Grade: A área foi dividida em quadrantes, com equipes cobrindo cada setor metodicamente. Isso foi usado em clareiras e terrenos menos densos.
· Busca em Linha: Resgatistas caminhavam em formação paralela, mantendo contato visual ou sonoro, ideal para varrer grandes extensões.
· Busca por Pontos de Interesse: Focaram em locais como riachos, abrigos naturais e trilhas secundárias, como a Railroad Road, onde Gerry poderia ter buscado água ou orientação.
· Busca em Espiral: Partindo do LKP, expandiram em círculos, ajustando conforme novas pistas (ou a falta delas) surgiam.
A falta de sinal de celular complicou a localização de Gerry, já que suas mensagens não foram enviadas. Equipes usaram câmeras térmicas em helicópteros para detectar calor corporal, mas a densa cobertura florestal dificultou a eficácia. Sinais sonoros, como apitos dos resgatistas, foram empregados, mas não há evidências de que Gerry tenha respondido – ela tinha um apito, mas pode não tê-lo usado no momento certo. Rastros físicos, como pegadas ou galhos quebrados, foram procurados por especialistas, mas o terreno rochoso e a vegetação densa dificultaram a tarefa.
O terreno de Redington Township é traiçoeiro: encostas íngremes, ravinas profundas e vegetação cerrada, agravados pela proximidade de uma área militar da Marinha dos EUA usada para treinamentos de sobrevivência (SERE - Survival, Evasion, Resistance, Escape). Isso limitou o acesso inicial a certas zonas, embora a busca tenha eventualmente se expandido para lá. O clima de verão trouxe calor diurno, mas noites frias, aumentando o risco de hipotermia.
As primeiras 72 horas são cruciais em casos de desaparecimento, devido à exposição e falta de recursos. A busca por Gerry foi intensa nos primeiros 10 dias, mas em 30 de julho foi reduzida, embora esforços periódicos continuassem. Após duas semanas, a operação passou de resgate para recuperação, presumindo que ela não havia sobrevivido.
A Visão de Geraldine Largay: Um Relato do Diário
Na manhã de 22 de julho de 2013, Geraldine Largay deixou o abrigo Poplar Ridge Lean-To determinada a continuar sua aventura na Appalachian Trail. Horas depois, decidiu se afastar cerca de 50 metros da trilha para atender a uma necessidade básica, algo comum entre caminhantes. Entre a vegetação densa, perdeu o rumo. Tentando retornar, seguiu na direção errada e, percebendo o erro, enviou uma mensagem ao marido George às 11h: "Saí da trilha para ir ao banheiro, [estou] perdida agora", pedindo que ele contatasse o Appalachian Mountain Club. Sem sinal de celular na região remota de Maine, o pedido de socorro não foi transmitido.
No dia seguinte, ainda desorientada, ela escreveu outra mensagem não enviada: "Perdi a trilha desde ontem, saí três ou quatro milhas [4 a 6 km]. Chame a polícia, por favor." Em busca de sinal, escalou um morro próximo, mas o esforço foi inútil. Exausta, montou acampamento perto de um riacho, lembrando-se do conselho de permanecer no mesmo local para facilitar o resgate. A chuva incessante nos dias seguintes limitou seus movimentos à curta distância entre a barraca e a água. Tentou acender fogo com madeira úmida para sinalizar sua presença, mas as chamas não resistiram, e o receio de um incêndio florestal a fez abandonar a ideia. Com comida para apenas três dias, racionou cada porção até o décimo dia, quando os suprimentos acabaram. Em seu diário, Geraldine narrou essa luta silenciosa, culminando em um bilhete comovente: "Quando você encontrar meu corpo, por favor ligue para meu marido George e minha filha Kerry." Até 18 de agosto, 26 dias após se perder, suas palavras capturaram a transição da esperança à resignação diante da solidão e da inanição.
O Desfecho e as Lições de Geraldine
Mais de dois anos depois, em outubro de 2015, um empreiteiro florestal encontrou os restos de Gerry em uma barraca colapsada, a apenas 3 km da trilha, dentro da área militar da Marinha. Junto ao corpo, havia um diário onde ela documentou seus últimos dias. A última entrada, datada de 18 de agosto, mostra que ela sobreviveu por pelo menos 26 dias. "When you find my body, please call my husband George and my daughter Kerry, - (Quando você encontrar meu corpo, por favor, ligue para meu marido George e minha filha Kerry.)" escreveu ela em 6 de agosto, resignada ao seu destino. A causa da morte foi exposição e inanição.
A descoberta levantou questões: por que ela não foi encontrada antes? Equipes com cães passaram a 100 metros de seu acampamento três vezes, e os registros indicam que a área foi vasculhada. A vegetação densa, a camuflagem natural da barraca e a falta de sinais visíveis (ela tentou fazer fogo, mas sem sucesso prolongado) podem explicar isso. Além disso, a decisão de permanecer no local, seguindo o conselho padrão para pessoas perdidas, pode tê-la isolado ainda mais.
O caso de Geraldine Largay ensina lições valiosas ao SAR e aos aventureiros:
· Preparação é Essencial: Gerry deixou seu GPS de emergência (SPOT) para trás e tinha uma bússola imprecisa. Equipamentos confiáveis e treinamento em navegação poderiam ter mudado seu destino.
· Comunicação: A falta de sinal de celular sublinha a importância de dispositivos como localizadores via satélite em áreas remotas.
· Visibilidade: Roupas brilhantes e sinais como fogo ou cobertores refletivos aumentam as chances de ser encontrado.
· Limites do SAR: Mesmo com esforços hercúleos, a natureza imprevisível do terreno e o comportamento humano podem desafiar as melhores estratégias.
Conclusão do editor
A busca por Geraldine Largay foi um exemplo monumental do trabalho de SAR: uma combinação de ciência, dedicação e adaptação às adversidades.
A equipe SAR vasculhou uma imensa área, indo muito além dos locais óbvios onde ela poderia estar, como um riacho próximo ou um desvio na trilha. Porém, algo que talvez não tenham considerado – possivelmente por ser um caso sem precedentes conhecidos – foi que ela se perdeu ao sair da trilha para ir ao banheiro. Se soubessem disso desde o início, poderiam ter ampliado ainda mais a área de busca, já que, nesse cenário, ela poderia estar em qualquer ponto ao longo do trajeto, e não apenas em saídas próximas a riachos ou bifurcações.
Do lado de Geraldine, quando ela lembrou do conselho de ficar parada para facilitar o trabalho da equipe Busca e Resgate, já havia caminhado pelo menos 3 km sem rumo. A orientação de não se movimentar é mais eficaz no momento exato em que a pessoa percebe que está perdida – algo que, no caso dela, seria cerca de 100 metros após sair para o banheiro. Como ela só parou após se deslocar tanto, o mais indicado teria sido seguir o curso do rio próximo à sua barraca. Se tivesse feito isso, alcançaria a trilha, que estava a apenas 1,6 km de distância.
Apesar do trágico desfecho, Geraldine deixou um legado de coragem e uma narrativa que educa. As equipes de Busca e Resgate continuam aprendendo com casos como o dela, aprimorando técnicas para salvar vidas futuras. Para os leitores, fica o lembrete: a natureza é bela, mas implacável – e o SAR, por mais avançado que seja, depende tanto da colaboração humana quanto da imprevisibilidade do ambiente selvagem.
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