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Emoção e desastre natural se encontram no monte Kilimanjaro
Os repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero subiram 6 mil metros e viram
uma beleza natural ameaçada pelo aquecimento global.
 
Publicado em 01/01/2011 - 14h03 - Fonte - G1
 
 
 
 

Os repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero sobem ao topo da África, para mostrar as neves do Kilimanjaro. E explicam por que elas vão acabar.

Kilimanjaro: montanha brilhante. Um nome que está perdendo o seu sentido. As neves do Kilimanjaro estão desaparecendo.

O monte fica na África, na Tanzânia, perto da fronteira com Quênia. A poucos quilômetros da linha do Equador, ese ergue sobre a savana. Terra de vida selvagem e dos guerreiros massai.

Faz anos que os massais percebem que as estações andam se misturando. A tribo mantém suas tradições, lutando contra a modernidade. O povo longilíneo e enfeitado não caça. Cria cabras.

Em dias de feira, os massai vendem seus produtos à sombra do Kilimanjaro. No local, a terra é fértil e a comida abundante. Um pedaço da África que, se não foi tocado pela riqueza, também não conhece a fome.

 
 
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Mas tudo está mudando. Grandes plantações de empresas europeias ocupam o que antes era floresta. E isso tem efeito nas neves do Kilimanjaro.

A equipe do Fantástico se prepara para a caminhada para chegar ao topo do Kilimanjaro. Serão sete dias na montanha, 69 quilômetros entre a ida e a volta e chegando a uma altitude de quase 6 mil metros.

São 15 brasileiros liderados por Manoel Morgado, um montanhista experiente que já chegou ao topo do Everest. O apoio tem 35 pessoas, entre carregadores, guias e cozinheiros.

No caminho, há uma floresta densa, exuberante, sempre molhada pela neblina. Parece parte de um mundo imaginário.

"Silêncio, macaco!", avisa Manoel.

Um bando de macacos colobos saúda o grupo. Esses primatas quase foram extintos por causa da beleza de seus pelos longos. Na região, eles estão a salvo.

É fácil entender por que a floresta é tão importante para manutenção das neves do Kilimanjaro. É uma floresta de altitude. Começa aos 2,5 mil e vai até 3,5 mil metros, bem na linha das nuvens, que depositam a umidade que depois evapora e cai no topo, em forma de neve.

Por isso o desmatamento é a principal causa do derretimento das geleiras no alto. Mas o aquecimento global também tem sua culpa.

Quanto mais se afasta do nível do mar, mais frio fica o ar. Mas comparando dados colhidos em 40 anos no mundo inteiro, cientistas descobriram que a troposfera, a camada mais baixa da atmosfera, também está aquecendo. E a linha do 0°C - temperatura de congelamento - está cada vez mais alta.

"No momento em que ela sobe alguns metros, aquele lugar que antes era coberto por gelo passa a receber uma quantidade de radiação solar muito maior. Aquece. Aquele lugar que foi milenarmente coberto por gelo e neve de repente é bem mais quente. Então esses dois fenômenos se somam: um é de origem global e o outro é de origem local. Eles aceleram o derretimento de uma geleira como a do Kilimanjaro", explica Carlos Nobre, pesquisador do Inpe.

O primeiro dia de caminhada acaba já fora da floresta. Antes de se acomodar, a equipe recebe instruções de como usar a privada portátil. Uma mordomia em uma altitude de 2,8 mil metros.

Na região, o tempo muda rápido. Mas o final do dia presenteia com uma vista do Kilimanjaro e dos outros vulcões extintos. A jornada recomeça, já em terras áridas.

A altitude já é de quase 3 mil metros, exatamente a altura do pico da neblina, que é o ponto mais alto do Brasil. E ainda há mais 3 mil metros nos próximos quatro dias.

Começa o que os montanhistas chamam de zona de perigo.

"A gente está a quase 3 mil metros e está entrando na ponto em que os problemas de altitude começam a acontecer. Aquilo que eu tinha conversado ontem de respirar profundamente, a gente tem que dar mais oxigênio do que o nosso corpo está pedindo", diz o guia.

A falta de oxigênio pode provocar o mal de altitude, que, em casos graves, pode matar em poucas horas. Por isso, duas vezes por dia é preciso medir os batimentos cardíacos e a oxigenação do sangue.

Estão todos bem e o avanço é devagar. Nos dias seguintes, a equipe esteve sempre acima das nuvens. Em uma paisagem que só pode ser vista na região. As árvores tão diferentes - a sinecius - só crescem nas encostas do Kilimanjaro.

Ao final do terceiro dia o grupo chega ao monte Mawenzi, um vulcão vizinho. É preciso passar duas noites no local, a 4,2 mil metros, para o organismo se acostumar à altitude. A água se bebe após ser fervida. A preocupação é tentar descansar, o dia seguinte vai durar 40 horas.

Na manhã fria, a equipe segue sob um céu azul. As nuvens já estão embaixo. O caminho é deserto e dá um frio na barriga ver a parte mais alta da montanha que se tentará conquistar.

Os restos de um avião que caiu, matando o piloto e três turistas italianos, há cinco anos, lembram como um socorro possível está distante. Quem vem andando volta andando. Ou carregado.

O guia Hans não cansa de repetir em swahilli, a língua local: "pole, pole". Devagar.

O abrigo fica a 4,7 mil metros. Depois vem uma trilha, que vai ziguezagueando na subida. Após a borda da cratera do Kilimanjaro, o destino é o pico Uhuru, onde está o gelo que sobrou.

 
   

Às 23h30, a maioria do grupo apenas cochilou durante algumas horas, foi um sono bastante interrompido por causa do horário e também por causa da altitude. No local, o oxigênio já é bem rarefeito. A viagem até o cume leva no mínimo mais seis horas. São 1,1 mil metros de altitude, a 45°. É uma subida bem pesada. É difícil, mas a jornada precisa continuar.

O frio é de -7°C. A temperatura cai rapidamente - chega a -15°C antes de amanhecer, uma procissão montanha acima.

Na borda da cratera, a primeira luz da manhã. À frente, uma geleira. O sol desponta.

Na base há um laguinho congelado - a água que derreteu no dia anterior e agora vai continuar seu rumo montanha abaixo.

O grupo segue mais aquecido pelo sol. São 8h30. Depois de nove horas de caminhada, chega-se ao pico Uhuru, a 5.895 metros de altitude. É o topo da África.

O cansaço e o prazer da conquista surpreendem. É difícil falar lá em cima porque, além da emoção, também tem a falta de ar. O ar é muito rarefeito. É preciso ficar um pouco, se acostumar e ver a neve do Kilimanjaro.

Há muitas pessoas nesta conquista. No período de escaladas, 200 pessoas atingem o pico por dia. Outras cem desistem no caminho. Tudo era coberto de gelo. A única neve permanente da África. Em menos de um século, 85% do gelo desapareceu. Mesmo dentro da cratera, que pega menos sol, sobram só pedaços, blocos que rapidamente são aquecidos pelo calor refletidos pelas pedras escuras.

O que está acontecendo na região é que, além de a neve estar derretendo mais rapidamente, está nevando menos. Com isso, nesse século 21, ainda não foi acumulado sequer um centímetro de neve. A pouca neve que cai mal cobre o chão e vai sumindo. Nas geleiras é possível ver as faixas, as camadas de gelo que se sobrepuseram ao longo do tempo.

É difícil acreditar que as geleiras terão desaparecido em 15 anos, talvez até mesmo em dez. Elas são imensas, têm 60, 70 metros de altura. Só que em 11,7 mil anos, o gelo do Kilimanjaro nunca esteve tão reduzido. Nem mesmo há 4,7 mil anos, quando houve a maior seca da história da África, que durou 300 anos.
Não se pode ficar muito tempo, porque a cada minuto aumenta o risco de doença de altitude. Mais uns instantes. Mais uma contemplada em uma paisagem que, mesmo que se voltasse um dia, já não encontraria como está hoje.

Já embaixo, a 3 mil metros, a equipe de apoio se despede com uma melodia que ecoa na memória durante dias e ainda vai acoar quando todas as neves do Kilimanjaro tiverem sumido.

 
 
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