Racionar comida, montar um acampamento e tentar manter a calma. Essa foi a estratégia do grupo de 28 pessoas que saiu a pé de Parelheiros na sexta-feira (2) rumo a Mongaguá, mas acabou se perdendo na Serra do Mar. Os aventureiros começaram a trilha às 7h e a previsão era que por volta das 17h chegassem ao destino final. O que não aconteceu.
“Não tinha mais trilha pelo caminho, era só mata fechada. Começou a escurecer e decidimos permanecer ali durante a noite. Nos ajeitamos, fizemos uma fogueira, nos encostamos nas pedras e ficamos até o dia amanhecer”, conta o gerente de recursos humanos João Oliveira de Souza, 44 anos, que foi acompanhado da mulher, Antônia, 43 anos, e dos estreantes: a filha Suellen, 22 anos, e o noivo dela, David Martins, de 23 anos.
Segundo Souza, o grupo já fazia essa trilha há alguns anos, mas desta vez optaram por um trajeto diferente. Aparelhos de GPS indicavam o caminho e índios que vivem na região atuaram como guias. “Mas nada disso evitou que nos perdêssemos na mata fechada.”
Somente no fim da tarde de sexta-feira (2) é que eles perceberam que estavam perdidos, já que, apesar das mais de dez horas de caminhada, não haviam chegado ao destino. Os dois guias e mais um integrante do grupo seguiram andando, mesmo durante a noite. Foram eles que alcançaram a Rodovia dos Imigrantes e conseguiram chamar socorro.
Mas o fim do drama só aconteceu no final da noite deste domingo (4). Por causa do mau tempo, o resgate da maior parte dos localizados não pôde ser feito de helicóptero. Eles tiveram de caminhar até uma linha de trem e pegar um vagão de carga para chegar a um local seguro. O resgate foi dificultado pela vegetação e pela chuva.
'Achei que passaríamos muito tempo naquele local'
No sábado (3) pela manhã começou a chover. Mesmo assim, o grupo seguiu caminhando, até que Antônia sofreu uma queda de uma altura de cerca de 1,5m. Ela ficou desacordada e deixou a família assustada.
“Não conseguia respirar nem falar nada”, conta a dona de casa. O grupo decidiu, então, se separar. Antônia não conseguia mais caminhar e ficou para trás com a família e outros cinco homens, que se solidarizaram e ajudaram a montar o acampamento, na beira do rio, onde eles passariam mais uma noite na selva.
“Antes do acidente eu estava confiante, mas depois tudo mudou. Minha preocupação era como o resgate nos encontraria lá. Estávamos numa região de difícil acesso, entre montanhas. Achei que passaríamos muito tempo naquele local”, conta.
Nas mochilas, que pesavam entre 10 kg e 15 kg, eles traziam pouco alimento, kits de primeiros socorros com mantas térmicas e capas de chuva. “A primeira decisão foi racionar comida. O pouco que tinha precisava durar o máximo de tempo possível.”
A comida foi reunida: barras de cereais, três maçãs, uma laranja, um iogurte, seis chocolates, três pacotes de bolacha água e sal. O alimento foi guardado e o grupo saiu em busca do que comer. Na mata, colheram palmito e broto de samambaia, além de terem recolhido lenha para manter a fogueira acesa, já que a chuva não cessava e algumas pessoas davam os primeiros sinais de hipotermia.
As peças de roupa mais coloridas foram colocadas nas pedras no meio do rio, para que os helicópteros conseguissem ver. Uma barraca foi montada com bambus e lonas de acampamentos abandonados que encontraram. E uma barraca foi improvisada com alguns bambus e umas lonas que encontraram no mato. “Ficou quase cinco estrelas”, conta Souza.
Coordenadas do GPS
Mas a chuva não cessava, e o rio começou a subir. “Tínhamos decidido que se até meio dia o resgate não chegasse, tentaríamos subir na montanha para ver se havia sinal de celular ou para tentar descobrir o que tinha do outro lado”, conta Souza.
Enquanto isso, o outro grupo seguia também perdido no meio do mato, mas haviam conseguido fazer uma ligação de celular e pedir ajuda aos bombeiros, passando as coordenadas de onde estavam.
“A recomendação que eles nos deram era para não sairmos do lugar, que viriam no resgatar”, conta Martins, que se separou da noiva e foi com o outro grupo tentar encontrar socorro. “Estávamos muito molhados, fazia frio. Parecia filme", lembra, citando "Náufrago”, longa protagonizado por Tom Hanks, em que o personagem sobrevive a um naufrágio e fica vivendo sozinho em uma ilha deserta.
O resgate por helicóptero chegou às 11h, e os primeiros a embarcarem foram Antônia, que foi levada ao hospital com uma luxação na costela, a filha e o marido. “Foi um grande alívio. Mas ficamos preocupados ainda com o restante do grupo”, conta Souza.
O mau tempo fez com que o resgate via helicóptero tivesse que ser interrompido no fim da tarde de domingo. Doze pessoas haviam sido levadas já pelo Águia da Polícia Militar, mas o restante teve de voltar caminhando junto dos agentes do COE (Centro de Operações Especiais).
Apesar do trauma, Souza e Antônia dizem que querem continuar se aventurando em trilhas. "Mas da próxima vez faremos com mais segurança. Com guias mais confiáveis, levando mais alimento para o caso de emergência, e sempre acompanhada de alguém que conheça primeiros socorros", afirma a dona de casa. "Ele [o marido] me prometeu que ficaríamos casados por pelo menos 50 anos. Ainda temos que viver mais 25." |