Acordei cedo, estava ansioso para fotografar as montanhas com a luz dourada da manhã, no dia anterior estava chovendo por isso deixei para fotografar hoje e sabia que as montanhas em volta eram um pantone ao céu aberto, de várias cores e tons. Coloquei um fleece, peguei a máquina e sai da cabana, mas, flocos de neve eram açoitados pelo vento e se espatifavam na minha cara, o frio estava ainda pior, precisei voltar e coloquei um anorak.
Agora sim era possível aguentar o frio, mas as montanhas a minha volta estavam praticamente encobertas pela neve, impossível de fazer aquelas fotos que havia imaginado. Mas é assim mesmo, uma paisagem nunca é igual a outra dia após dia, o jeito era aproveitar o que tinha a minha frente, e acho que era ainda mais bonito.
Após um rápido café da manhã e depois de preparar os sanduíches de trilha, partimos para agora sim o primeiro dia de trekking. O que mais gostei é que eu praticamente não tinha referências deste visual e a todo momento estávamos passando por paisagens totalmente diferentes do que já tinha visto em minha vida. Quando planejo uma viagem, sempre procuro destinos que sejam diferentes do que temos no Brasil, mas na maioria das vezes, como nos Andes, no Himalaia e nos Alpes, por mais que tudo seja surpreendente, a maioria das paisagens você já viu em fotos ou é parecido com algum lugar. Aqui na Islândia praticamente tudo era diferente e isso é o que tornou tudo mais especial.
E por horas e horas caminhamos em paisagens surreais, montanhas cinzentas, montanhas multicoloridas e aos poucos fomos subindo até chegar nas trilhas com neve. Quando caminhávamos nas cristas das montanhas um forte vento nos ameaçava a jogar para o outro lado, precisávamos caminhar com o corpo inclinado contra o vento para assim se equilibrar e conseguir passar pelas cristas. Em alguns momentos passamos por geisers, por planícies com pedras que pareciam vidro, e quando você batia uma contra a outra, partiam em lascas que podíamos usar como uma faca afiada. Passamos por montanhas que tinham uma vegetação verde esmeralda que parecia um tapete e no final do dia com o sol já no horizonte chegamos a encosta de um montanha com vista para um vale com algumas montanhas em forma de pirâmide e o rio que ia cortando a paisagem e refletindo uma cor prateada por causa do sol. Ao fundo o imenso o lago Álftavatn com a cabana que iríamos pernoitar a sua margem. Como tinha me distanciado do grupo, sentei atrás de um casal de franceses e fiquei admirando a paisagem.
Faltava apenas uma hora de caminhada para finalizarmos o dia, estávamos subindo uma encosta de montanha, por uma estreita trilha e a minha frente a Erwin subia tranquilamente até que a trilha aos seus pés se desfez e ela começou a escorregar lentamente montanha abaixo. Estava logo atrás dela e naquele momento me lembrei de um trekking que havia feito em 1999 ao Pico das Agulhas Negras e lembro que em alguns trechos onde precisávamos subir alguns lances mais altos nas rochas e que não tinham apoio, a pessoa que estava atrás de mim espalmou a mão contra a rocha, fazendo assim um apoio como uma escadinha e eu pisei em sua mão e subi tranquilamente aquele trecho, lembro que aquilo me tocou, uma pessoa que não me conhecia me ajudou daquela forma.
Mas ali com a Erwin escorregando sabia que precisava apoiá-la, e rapidamente finquei o meu bastão de caminhada na fofa encosta da montanha que é composta por pedriscos logo abaixo dos seus pés e ela continuou escorregando até parar e se apoiar em meu bastão. Pedi para que apoiasse em meu bastão e se levantasse, mas ela não conseguia, sempre escorregava e continuava ali deitada na encosta da montanha, pedi para o francês que estava atrás de mim passar por nós e ir pela frente e ajudá-la a se levantar e com muito custo e com a ajuda do guia que retornou ela conseguiu se levantar, mas nesse momento era a minha trilha onde eu estava apoiado que começou a se desfazer e comecei a escorregar, mas comecei a dar passos rápidos e parecia que estava andando em uma escada rolante em sentido contrário, eu não saia do lugar, mas logo consegui me safar e cheguei a parte da trilha que ainda estava intacta. E assim prosseguimos a caminhada, mas logo a frente o guia disse:
- Elias, chegou o que você gosta, cross river.
Fiquei incrédulo com isso pois tinha muitas rochas em meio ao rio, mas vi que todo o grupo sentou e começou a tirar as botas. Não, hoje eu não estava a fim de congelar os meus pés e a deixa foi que o guia disse que se procurasse talvez seria possível encontrar uma passagem, mas seria arriscado para alguns integrantes mais velhos do grupo. Arrisquei e fui sozinho, enquanto o grupo que ainda estava colocando a sapatilha de travessia me assistia e em alguns trechos tive que retornar e procurar um lugar melhor, mas rapidamente encontrei um caminho e consegui atravessar, o grupo desceu um pouco mais o rio e também atravessou, mas em meio a água gelada.
Hoje foi um dia com 10 horas de caminhada e 24km percorridos com 900 metros de desnível, mas ao chegar na cabana em Álftavatn eu ainda estava inteiro e sentia que poderia caminhar bem mais. Muito diferente do que acontecia nos Alpes, onde 6 horas de caminhada destruía qualquer um, lógico, na Islândia minha mochila pesava no máximo 8kg, contra os 22kg nos Alpes, o terreno era muito mais plano e o frio ajudava ainda mais contra o forte calor que fazia nos Alpes, e também que os Alpes já haviam me condicionado melhor fisicamente para a Islândia.
Realmente foi um dia maravilhoso onde até o sol de o ar de sua graça em meio a uma paisagem que nunca esquecerei. |