Eram 6h quando o relógio despertou, fomos lentamente colocando nossas roupas e caminhando em direção ao ponto de ônibus, mais um dia que ficaríamos quatro horas entre filas de ônibus, barca e mais a caminhada até chegarmos ao nosso destino: TRABALHO!
Quando nos formamos juntos no curso de Arquitetura e Urbanismo (que também foi onde nos conhecemos) em agosto de 2007 imaginávamos para nós outro ritmo de vida, e depois de quatro anos formados engajamos num mundo extremamente concorrido onde estávamos correndo sem saber exatamente para aonde íamos, percebemos que apenas estávamos seguindo o fluxo, mas não nos sentíamos felizes, nem realizados, e começamos a perceber que alguma coisa ia mal.
Setembro de 2009 planejávamos nossa viagem de férias ao Egito e em uma conversa falamos sobre fazer uma longa viagem, primeiro pensamos em percorrer de carro a América do Sul, depois pensando melhor achamos que não nos seria bastante então surgiu a ideia de percorrer todas as Américas, de norte a sul. Na ocasião não tínhamos grana e precisávamos nos programar, afinal de contas não seria como tirar férias, e sim viver por um tempo nas estradas. Tínhamos nosso Troller e ir com ele sempre foi um dos pontos acertados entre nós, então era prepará-lo e começar a pesquisar sobre roteiros, documentações necessárias, seguros e o mais importante para quem quer iniciar algo, é ter uma data de partida, mesmo sabendo que levaríamos algum tempo para planejarmos tudo, nos demos o dia 13 de fevereiro de prazo, não importaria se teríamos tudo “em cima”, o que até hoje acredito ser impossível, partiríamos!
Em março de 2010 demos o ponta pé inicial! Compramos vários livros, mapas e nossa barraca de teto, escolhemos ir com nosso pequeno Troller e a opção para economizarmos com hotéis era acamparmos o máximo possível, o que também gostamos muito, nos dá prazer e liberdade.
Nos meses seguintes fizemos tudo em segredo, queríamos estar com as coisas mais acertadas para darmos a notícia aos nossos familiares e amigos, e somente em julho de 2010 fizemos o comunicado que pretendíamos visitar 20 países indo do extremo sul ao extremo norte do nosso continente de carro em uma viagem que a princípio levaria quinze meses. Nossas mães nos surpreenderam quando se demonstraram animadas e prontas para ajudarem nos preparativos, não que esperávamos que elas lamentassem ou se opusessem, mas a reação foi como se fossem estar dentro do carro conosco porque no início não fizeram muitas perguntas, acho que pela emoção, empolgação, mas depois começamos a receber alguns telefones exclusivos para tirar dúvidas. Quanto aos amigos cada um teve uma reação diferente, alguns nos chamaram de loucos, como assim vocês iram largar o trabalho e sair dirigindo por aí, e depois quando voltarem o que irão fazer? Opa, alto lá! Ainda nem fomos, o “voltar” fica para quando voltarmos! Outros ficaram surpresos pela escolha, enquanto a maioria mesmo sem acreditar de início, apoiou. Algumas pessoas ficaram sabendo só quando faltava um mês para a partida, isto inclui nossos empregadores é claro!!!
A cada mês que nos aproximávamos de fevereiro de 2011 a ansiedade crescia, mas como tínhamos muitas coisas para fazer e a rotina no trabalho continuava nos exigindo muito conseguimos dormir bem sem ocuparmos nossas mentes nos momentos destinados ao descanso.
Uma coisa nos preocupava desde o início, os visto que teríamos que solicitar aos consulados americano e canadense, a resposta poderia mudar toda a nossa história, e o pior, só conseguimos agendar a entrevista para os EUA dia 04 de janeiro, faltando pouco mais de um mês, achamos melhor pedir o do Canadá depois de ter a resposta dos EUA, então ficaria tudo muito em cima, mas fazer o que, marcamos a entrevista com quatro meses de antecedência, antes disto todas as datas estavam lotadas. Dia 04 de janeiro dependendo da resposta que nos dessem, iríamos comunicar aos nossos supervisores no trabalho, não queríamos comentar antes porque como estas coisas não dependiam de nós seria precipitado em nosso ponto de vista dar a noticia e criar um clima de espera também entre os colegas de trabalho, justamente em momentos importantes de entregas de projetos, aliás, todo arquiteto sabe disto, entregas são estressantes e comuns na rotina louca dos grandes escritórios!
Sim! Esta foi a resposta do consulado americano. Saímos saltitando pela Av. Rio Branco no centro do Rio de Janeiro, agora sim, sentíamos nosso sonho bem perto de ser realizado! Cada um em seu trabalho deu a notícia, e a reação foi a mais engraçada de todas, minha supervisora me perguntou: você vai morar no Alasca? Eu disse: não, eu vou dirigindo até lá e volto!
Logo assim que recebemos nossos passaportes com os vistos para os EUA, enviamos para São Paulo com os documentos para solicitar o visto canadense, e um mês depois recebemos os vistos, agora tudo estava certo para a partida.
O relógio despertou novamente eram 06h, nos preparávamos para nossa última caminhada até o ponto de ônibus, nos entreolhávamos com expressões de, será que é real, está de fato acontecendo, não levaremos duas horas para irmos ao trabalho e outras duas horas para voltarmos à casa exaustos? Sim, era real! Último dia de trabalho, finalmente, esperamos este dia por um ano e ele finalmente tinha chegado, ainda não era o dia da partida, mas já era um dos grandes passos.
Eu sou mineira e minha mãe, avó, tia e primo estavam em nossa casa para passarem as três últimas semanas conosco antes da partida, tínhamos muita coisa para fazer, e foi ótimo ter a família por perto nestes dias. A família do Leonardo mora mais perto e também eles foram e voltaram muitas vezes em nossa casa para nos ajudar.
O dia 12 de fevereiro chegou num piscar de olhos, e estávamos esperando pelos nossos amigos em uma festa para comemorar nossa partida. Era um sábado de verão daqueles bem abafados, e foi uma sensação única ter muitos dos que amamos ali perto cantando, rindo e claro, ajudando nos últimos preparativos. Bem, a ideia era partir no domingo dia 13 bem cedo, mas a festa se estendeu e algumas coisas pareciam não querer se encaixar no nosso espaço limitado, até que uma mãozinha daqui e outra dali conseguimos fechar as portas do Troller. Eu poderia deixar de fora o comentário sobre a despedida da minha família, mas é um dos momentos que me toca muito então vou contar. Chorei e muito ao olhar nos olhos de todos que tinham ido ali nos abraçar, sabia que seriam muitos meses sem ver aqueles rostos, mas também era um choro de satisfação e um modo de dizer: vocês estarão sempre conosco, a cada curva, a cada descoberta, a cada dificuldade, vamos compartilhar isto com vocês e como as últimas palavras sempre nos faltam nestas ocasiões, só veio mesmo aos lábios, um OBRIGADO! Este foi um dos muitos momentos de extremos em nossas vidas, emoções aos extremos!
Entre choros e risos entramos no carro buzinando e fizemos a primeira curva, e foi aí então que tomamos consciência de que agora éramos só nós dois e o carro, novamente as emoções se misturavam, medo, alegria e muita expectativa para o primeiro trecho da viagem. Cruzamos a ponte Rio-Niterói e olhamos para o Corcovado imaginando quanto tempo ficaríamos ser ver aquela imagem, mas na realidade era o que queríamos, ver coisas novas, então foi mesmo com ares saudosos e não de lamento que acenamos com as mãos para fora do carro sem que ninguém ao redor entendesse o que aquilo significava!
Nosso primeiro extremo a ser atingido era o sul do continente, mas o caminho até Ushuaia foi longo e cheio de surpresas. Percorrermos em doze dias o sul do Brasil com muita chuva. Despedimo-nos do português ao cruzarmos nossa primeira fronteira (com Uruguai), ficaríamos muito tempo sem falarmos nossa língua, pelo menos de modo oficial.
O Uruguai é um país pequeno e foi fácil de transitar por lá, já para conhecermos o Chile e a Argentina tivemos que cruzar por diversas vezes as fronteiras entre estes dois países. De fato, ficamos mais do que pensávamos e menos do que gostaríamos nestas terras!
A América do Sul nos surpreendeu com a diversidade de paisagens e culturas desde o início, percorremos muitas estradas desafiadoras com belezas intocadas. Para nós um ponto alto desta etapa foi o sul da Bolívia, aonde uma viagem de 400 km chega a durar em torno de 14 horas em um terreno irregular, daqueles que podem colocar a coluna fora ou no lugar, mas a beleza do lugar compensa o cansaço e desgaste, causado não somente pela estrada ruim, mas também pelas altitudes elevadas e temperaturas negativas durante as noites. Foi fantástico admirar as grandes construções Incas no Peru e a diversidade de fauna e flora do pequeno Equador, mas entrar na Colômbia foi para nós uma decisão tomada no meio do caminho.
Apesar da Colômbia não fazer parte dos nossos planos iniciais, não pelo menos no sentindo de cruzá-la de norte a sul, decidimos percorrê-la depois de muitas conversas com outros viajantes que nos falaram bem da segurança neste país. Neste momento da viagem já tínhamos desistido de enviar o carro do Equador para o Panamá e optado por enviá-lo de Cartagena direto para Miami. As muitas mudanças que fomos fazendo no roteiro acabaram por alterar nosso cronograma inicial, e para não corrermos o risco de chegarmos ao Alasca depois do verão, achamos melhor percorrer a América Central na volta e assim desfrutar desta parte do continente depois com mais calma.
Os trâmites para o embarque do carro foram bem cansativos, levaram todo um dia sob um sol escaldante, depois ficamos apenas mais um dia em Cartagena antes de embarcamos para Miami. Já nos EUA descobrimos que o container com o nosso carro não tinha sido embarcado no navio que contratamos devido a um problema no novo sistema implantado no porto da Colômbia. O container teve que ser novamente aberto e o nosso carro e o de um amigo que compartilhava conosco o container foram retirados e submetidos a uma nova inspeção pela Narcóticos. Depois de sanados os problemas o container foi embarcado no navio seguinte - quatro dias após a partida do primeiro.
Finalmente dia 01 de julho retornamos às estradas. Foi um alívio dirigir em boas e largas rodovias asfaltadas, e também muito monótono, pois circulamos por incansáveis retas e desertos.
A recepção dos norte-americanos foi muito calorosa, fomos bem recebidos por todos os lugares por onde passávamos e em algumas ocasiões até incomodados com tantas abordagens, feitas até mesmo na hora das nossas refeições.
Demos uma acelerada pela subida e conseguimos no dia 24 de agosto de 2011 cruzar finalmente a fronteira do Alasca, mas ainda faltava percorrer a temida e cinematográfica Dalton Highway, a estrada que nos levaria ao mar Ártico no extremo norte das Américas.
Nós consideramos três momentos muito marcantes nesta viagem, o primeiro sem dúvida foi quando partimos, o segundo quando chegamos ao extremo sul das Américas e o terceiro foi quando chegamos à Prudhoe Bay no norte do Alasca. Parte do nosso objetivo foi alcançado, mas faltava o caminho de volta, e este seria longo.
A passagem pelo Canadá se revelou muita cara o que nos fez encurtar os trechos por lá, mas não excluímos a Alaska Highway, nem a Top of the World Highway e os parques nacionais das Rochosas como o Jasper, Banff e Yoho, ótimos lugares para trekking. O Canadá tem paisagens surpreendentes, sobretudo no outono quando os tons de vermelho, amarelo e laranja se tornam dominante.
Nos Estados Unidos percorremos as costas leste e oeste, e a região sudoeste recheada de parques com muitas atrações, para nós foi um deleite fazer algumas trilhas nas fendas do Canyonland National Park, assim como percorrer a Moki Dugway e chegar a um dos destinos mais impressionantes, o Monument Valley.
Após seis meses circulando pelas cômodas estradas norte-americanas mergulharmos novamente no desconhecido, desta vez o destino era o México. Este sem dúvida era um dos países mais esperados por nós nesta viagem, é um lugar com esplendias histórias, artes, cores, arquitetura e belezas naturais.
Completamos um ano de estradas e 75.000km. A cada dia que passa temos a certeza de ter feito a escolha certa em setembro de 2009, nos sentimos muito felizes por estarmos conhecendo novos lugares, cheiros, sabores e, sobretudo pessoas. Estar fazendo esta longa viagem de carro tem nos possibilitado explorar melhor os lugares. Nós gostamos das estradas, gostamos do que ela nos revela e nos ensina, e apesar dos riscos e chateações com alguns policiais corruptos não faríamos uma escolha diferente.
Imaginávamos que seria bom, mas não tínhamos ideia de que este bom nos deixaria com água na boca e com vontade de ir cada vez mais além, temos pensado muito sobre isto, enquanto desfrutamos das maravilhas do México e aproveitando as oportunidades que a vida nos dá, pois somos contra qualquer desperdício!
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