Pela primeira vez, depois de muitos meses de estrada, eu chegaria num novo país sem a Karina. Nós formamos uma boa parceria, não só como casal, mas bons companheiros de viagem. Boa sintonia, gostos, respeitamos os limites um do outro e estilos parecidos. Viajar a dois é bem mais fácil, além da companhia, é mais seguro, um sempre dando cobertura ao outro.
Foi estranho passar por todos aqueles trâmites – mudar de país e passar pela imigração – sozinho. E pior, eu chegaria à noite em Atenas. Geralmente evitamos chegar à noite numa cidade desconhecida, mas nem sempre isso é possível. Ao cair da noite tudo fica mais difícil, misterioso e perigoso. Poucos transeuntes nas ruas, pessoas embriagadas, comércio fechado, criminosos na espreita e dificuldade de localização são algumas das razões que nos fazem evitar a vida noturna em países desconhecidos.
Havia rumores negativos a respeito da Grécia. Muitas pessoas tentaram me persuadir a não visitar a Grécia naquele momento de instabilidade política. Recentemente, o país havia vivido dias tenebrosos de quebra-quebra, manifestações violentas e mortes. Nos últimos anos a crise financeira na Grécia virou notícia internacional e economistas do mundo todo discutiam os seus efeitos na Europa e no mundo.
Em razão de uma má administração pública, a Grécia entrou em insolvência (dívidas a pagar superiores às receitas – “quebrada”), chegando muito próximo da moratória (declarar a suspensão do pagamento da dívida – “calote”). Sendo assim, a Grécia se viu obrigada a adotar medidas extremas e questionáveis (aumentos de impostos, cortes orçamentários, redução de benefícios previdenciários e privatizações) para obter novos empréstimos e quitar sua dívida de curto prazo. A população indignada foi às ruas e houve um grande quebra-quebra. Um grego me relatou que certos dias a polícia simplesmente não apareceu para conter os excessos e se formou um caos, com muitos prédios e automóveis incendiados.
Ao sair do aeroporto, um pouco perdido e apreensivo, pedi informações para um simpático senhor, tentando decifrar o mapa que obtive no “informações turísticas” do aeroporto. A boa alma que se prontificou a me ajudar era americano e vivia há algumas décadas na Grécia, onde se casou com uma grega e teve dois filhos. Os filhos estavam residindo nos EUA para onde ele pretendia retornar, a contragosto, pois a crise econômica tornara sua vida na Grécia insustentável. Tivemos uma animada conversa e ele gentilmente forneceu valiosas dicas de possíveis destinos, os quais, posteriormente, foram determinantes na minha estadia na Grécia.
Segui em direção à praça central (Sintagma), onde estão o Parlamento grego e o Túmulo do Soldado Desconhecido (memorial de guerra). Nesta mesma praça os “evzones” (soldados da Guarda Presidencial trajados em fardas históricas) fazem a vigília. A curiosa troca de soldados se tornou ponto turístico em Atenas, a exemplo do que ocorre no palácio de Buckingham.
Como poucas grandes cidades no mundo, Atenas é uma cidade fascinante que merece ser visitada. O parque arqueológico sob o qual ela foi construída tem um valor inestimável para humanidade, especialmente para nossa cultura ocidental, cujas raízes mais profundas nos conduzem àquela região peninsular e árida. Eu particularmente sempre tive muito interesse pela Grécia. Quem teve a alegria de estudar (com bom professor) um pouco da filosofia (do grego philo ou philia = amor, amizade; sophia = sabedoria), inevitavelmente desenvolve um respeito e admiração pelos gregos, compreendendo melhor as origens da ciência, dos valores ocidentais, avanços tecnológicos, enfim, quem somos. O legado grego é imenso e está irrigado de tal forma em nossas vidas que parece que sempre existiu, tais como a arquitetura, teatro, democracia, política, lógica, matemática, linguística, astronomia, ética, física, história etc.
Eu não via a hora de pisar no mesmo solo por onde passaram Sócrates, Platão, Aristóteles, Zenão, Sófocles e tantos outros. Visitar cenários que foram palco de grandes batalhas, tragédias, lendas heróicas e impressionantes histórias mitológicas. Um universo imaginário fervilhava dentro de minha mente e coração. Eu particularmente aprendi a admirar figuras com Sócrates, autor da célebre frase “Conhece-te a ti mesmo” e Zenão, fundador do estoicismo. O estoicismo pregava a harmonia entre todos os seres humanos e a natureza. Defendia o desapego material e a fraternidade humana. Passados mais de dois mil e trezentos anos desta filosofia, ela ainda me parece atual e revolucionária, não?
O turismo na Grécia é muito forte, especialmente oriundo de países europeus. Com somente onze milhões de habitantes, a Grécia chega a receber mais de dezessete milhões de turistas numa temporada, boa parte deles ingleses e alemães. Alguns gregos que conheci acreditam que é um sonho antigo dos alemães tomarem a Grécia. De fato, há incidentes históricos neste sentido, inclusive a invasão nazista durante a segunda guerra mundial. Estes mesmos gregos me disseram que a tática moderna é outra, a União Europeia – liderada pela Alemanha – empenha-se em derrubar economicamente a Grécia, possibilitando assim que os alemães adquiram sistematicamente terras e imóveis na Grécia. Obviamente que há um exagero nessa história e em tantas outras que ouvi a respeito dos países vizinhos como Albânia e Bulgária, mas os gregos são assim passionais e engraçados. Eles mesmos reconhecem que o filme “Casamento Grego” retrata bem alguns de seus estereótipos.
Eu adorei os gregos logo de início. Eles são muito parecidos com o estilo latino, especialmente com os italianos. Falam alto, gesticulam, comem bem, divertidos, dramáticos, e, às vezes, chegam a ser grosseiros, mas acima de tudo, são calorosos e hospitaleiros. Senti-me muito à vontade na Grécia. No início foi um choque. Sai da tranquila e discreta Suíça para a espalhafatosa Grécia. Foi então que me dei conta que era disso que eu estava sentindo falta, do calor humano e de uma boa risada escancarada. Tive a felicidade de conhecer alguns gregos e observar seu estilo de vida, mas este tipo de experiência só ocorreu quando me propus investir mais tempo em alguns destinos menos turísticos.
A Suíça é um país surpreendente. Os serviços públicos, organização, boa fé das pessoas, os jardins, as casas, segurança e ainda por cima disso tudo com uma beleza natural surreal. Sim, deu vontade de morar ali. Ter uma vida tranquila onde a jornada de trabalho é curta. Gozar de tempo para mim, para família e poder acompanhar o crescimento dos futuros filhos. Sem medo da violência, da instabilidade política e outras intempéries típicas do Brasil. Tudo bem que eu havia passado pela Suíça durante o verão, sendo que no inverno as coisas podem ser mais difíceis. Porém, depois que fui para Grécia me dei conta do que estava faltando na Suíça. Eu sentia falta do bom humor, das risadas, da intimidade fácil, do bom papo, enfim, do calor humano.
Nossa experiência viajando pelo mundo nos mostrou que em alguns povos há um estado de felicidade que transcende à questão material. É curioso se debruçar sobre este aspecto e refletir a respeito das possíveis causas da felicidade humana. Chegamos a algumas conclusões inusitadas. Sem qualquer pretensão de encontrar respostas verdadeiras, constatamos que as pessoas mais felizes não eram necessariamente as mais bem sucedidas financeiramente. Muitas vezes, os povos mais miseráveis se demonstravam mais felizes e bem humorados. Não estou dizendo que a pobreza traz a felicidade ou o dinheiro leva a infelicidade, como algumas religiões patéticas pregam. Isto seria uma estupidez. Por outro lado, observamos que nossa fórmula para felicidade talvez esteja totalmente equivocada, como encontrar felicidade por meio de conquistas materiais, adiar a felicidade para situações futuras, trabalhar incessantemente etc.
Você pode me perguntar, então o que leva as pessoas a encontrarem felicidade? Eis uma pergunta com milhões de respostas, cuja filosofia, arte e religião tentam se encarregar de responder. Como viajantes observamos que os povos onde há maior senso de coletividade, de ajuda mútua, de interação diária, dividindo tarefas, compartilhando sofrimentos e vitórias, há um estado de felicidade mais presente. De pessoas brincando entre si, de atitude solidária, senso de humor, compaixão e boa fé. Já que estou falando do país onde nasceu a filosofia, permitam-me filosofar mais que o normal (risos). Voltemos à experiência na Grécia.
Decidi que não iria para as ilhas da moda, Mikonos e Santorini na região conhecida como Cyclades. Era alta temporada e estes destinos estavam lotados e caros. Ouvi dizer que Santorini é uma ilha vulcânica bonita, porém Mikonos é sem graça, mais para quem está em busca de festas psicodélicas. Não era o meu caso. Os gregos mesmos abominam estes dois destinos. Eles não entendem porque todos vão para o mesmo destino, pagando preços absurdos. Falta de criatividade turística, ironizam. Há na Grécia uma infinidade de opções de ilhas e praias paradisíacas para todos os gostos e bolsos, das quais os gregos muito se orgulham. Basta conversar cinco minutos com um local que ele descreverá alguma ilha maravilhosa e quase desconhecida.
A maioria das pessoas passa voando por Atenas e logo se dirige para as ilhas. Há quem sequer visite Atenas, o que pessoalmente acho inconcebível. Sem muitos planos e roteiro, resolvi ficar em Atenas o tempo que fosse necessário. A cidade é bem servida com sistema de metrô e ônibus. A parte turística gira em torno da Acrópoles, o inconfundível cartão postal da Grécia. Uma montanha rochosa cujo topo e entorno estão as edificações mais famosas do mundo antigo, construídas há centenas de anos antes de Cristo, como o Partenon, Propileu, Erecteion, Templo de Athena Niké, Teatro de Dionísio, Torre dos Ventos, Ágora e o Teatro Herodes Ático.
Fiquei particularmente intrigado ao visitar o Areópago, onde ocorriam importantes julgamentos e debates públicos, afinal, o sangue do advogado ainda corre em minhas veias. Onde grande Sócrates foi surpreendentemente condenado à morte, bem como onde o apóstolo Paulo proferiu o discurso Areopagede: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele o Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos dos homens”.
O teatro também é uma criação grega e nasceu em Atenas durante o período de festividades e adoração aos deuses. As criativas encenações não se restringiam apenas aos temas religiosos, mas também à vida política (comédias) e ao comportamento humano (tragédias), trazendo reflexão e discussão na polis (cidade). O escritor campineiro Rubem Alves (comentando Nietzsche) explica que, em oposição aos cristãos, a tragédia grega era tragédia! “Então porque os gregos dominados por este sentimento de tragédia não sucumbiram ao pessimismo?” A resposta que encontrou foi, a exemplo das ostras que, sofrendo com um grão de areia em seu interior aprenderam a transformar dor em pérola (cobrindo a areia com madrepérola), os gregos aprenderam a transformar a tragédia em beleza. “A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável”.
Quem já não viu as magníficas edificações do Paternon e não sonhou visitá-lo um dia? Aquela linda e imponente construção em pedra e mármore, com longos pilares que caracterizam o estilo arquitetônico grego, no alto de uma colina com vistas para o mar. As principais construções homenageiam a patrona da cidade-estado, a deusa mitológica Pallas Atenas. Também chamada de Athena Niké, deusa da Vitória, a qual serviu de inspiração para criação da marca que todos nós conhecemos (Nike) e seu logotipo (asas).
Vale a pena visitar o estádio Olímpico de Atenas, chamado Panathinaiko. Além da sua arquitetura, lá foram sediados os primeiros jogos olímpicos geridos pelo Comitê Olímpico Internacional em 1896. Afinal, os Jogos Olímpicos foram uma criação grega, por volta do ano 776 a.C. Neste época eram realizadas competições entre atletas de várias cidades-estado gregas.
Há uma história épica ou lenda que acho sensacional, a respeito da origem da prova de atletismo Maratona. No ano 490 a.C., sete mil soldados gregos deixaram seus lares e famílias em Atenas e marcharam em direção à planície de Marathónas para enfrentar vinte mil invasores persas. Nesta ocasião o inimigo persa, diante da resistência grega, jurou que depois da batalha marcharia sobre Atenas, violando mulheres e sacrificando seus filhos. Diante dessa ameaça, os soldados gregos ordenaram que a suas esposas matassem seus filhos e se suicidassem caso não recebessem notícias do resultado da batalha em vinte e quatro horas. Contrariando previsões, Atenas venceu a batalha com ajuda de aliados. Os gregos, temendo que suas esposas executassem o plano, ordenaram que seu melhor corredor, o soldado e atleta Feidípedes, corresse os quarenta quilômetros que os distanciavam de Atenas para levar a boa notícia. Quando chegou ao centro de Atenas, completamente exausto, Feidípedes apenas conseguiu gritar “Ne niki kamen” (vencemos), para, em seguida, sofrer um colapso e morrer.
É muito gostoso caminhar pelas ruas de Atenas, especialmente nas redondezas dos bairros Plaka, Monastiraki e Thission. Muitos cafés, restaurantes e lojinhas. Pessoas e famílias circulando de lá para cá, alguns saboreando Gyros, o famoso “churrasco grego”. A comida é realmente deliciosa, especialmente o inconfundível queijo fetta. O calor era grande e todos abusavam do sorvete e principalmente do café gelado. Os gregos são viciados em café gelado batido, conhecido como “frappé”. Embora o café seja um artigo de consumo diário, eu nunca fui adepto do estilo gelado, preferindo o clássico. Porém, realmente os gregos sabem fazer um café gelado, além de delicioso, ele é altamente estimulante. A Karina não pode beber o café gelado grego. Quando ela toma um expresso, sua atividade cerebral acelera e ela quer conversar. É muito engraçado! Eu me divirto com ela. Ela começa a falar sem parar e ter muitas ideias. Mas de repente ela para e me pergunta se está falando muito. Imagina se ela tomasse frappé, iria querer discutir tudo, inclusive a relação, melhor não (risos)!
Há diversos sítios arqueológicos distribuídos ao redor da Atenas, mas boa parte deles restou pouco para se ver. Pessoalmente, foi um pouco frustrante. Eu esperava encontrar muitas construções, peças de arte e informações histórias. Eu estava ávido por um mergulho histórico. Em alguns parques há apenas um ou outro pilar de pé e uma placa com poucas informações históricas. Mesmos os museus de Atenas, como o enorme Museu Arqueológico Nacional de Atenas, deixam um pouco a desejar, levando em conta a riqueza oriunda das grandes civilizações que ali se instalaram. Os gregos alegam que muito de seu patrimônio histórico foi furtado por historiadores e mercenários europeus, levados para grandes museus da França, Inglaterra, Itália, Alemanha e EUA. Há um conflito diplomático neste sentido, pois a Grécia exige que tais obras lhe sejam devolvidas. Em resposta, estes países alegam que só não retornam tais obras porque elas estão protegidas nos seus museus e que a Grécia não dispõe um museu à altura do imenso e incalculável acervo.
Entretanto, há poucos anos foi construído um lindo museu na base da Acrópoles, sobre um sítio ainda em escavação. Ele é todo de vidro, inclusive seu assoalho térreo, de forma que seus visitantes possam acompanhar os trabalhos da equipe de arqueólogos. Além disso, a fachada frontal reflete a própria Acrópoles nos seus vidros espelhados. Vale a visita!
Outro aspecto que me chama a atenção é que boa parte dos prédios e obras foram intencionalmente destruídos pelo homem. Com exceção de Alexandre, o Grande, todas as civilizações que exerceram poder naquela região deliberadamente destruíram maior parte das obras deixadas pelo seu antecessor. Não é de hoje que o homem é estúpido. Quanto se perdeu em razão do egocentrismo e insensatez humana. As religiões também foram grandes vilãs e responsáveis pelas perdas. A intolerância religiosa levou à destruição de inestimáveis peças de arte que retratava a mitologia grega. Assim como o pudor hipócrita do cristianismo (católico e ortodoxo) destruiu ou danificou sistematicamente obras que retratavam corpo nu. Por exemplo, o pênis de estátuas foi arrancado de peças em mármore. Pobre Apolo, deus da beleza, teve seu falo decepado.
Em Atenas encontrei muitos brasileiros. Foi bom encontrá-los e conversar no idioma materno, eles na sua maioria jovens estavam à procura das ilhas clássicas. Quando questionado, difícil era explicar o projeto de viagem e o que estava acontecendo naquele momento. Não sentia vontade de falar sobre o assunto e me esquivava quando podia. De fato, o próprio projeto de viajar 500 dias pelo mundo estava em cheque. Ainda havia a possibilidade de cancelarmos tudo. O pai da Karina evoluía bem a cada dia e a cada nova urinada, uma comemoração, afinal o rim dele havia passado por grande estresse, mas estava reagindo bem. Portanto, apesar da separação temporária, as coisas estavam evoluindo. Eu deveria estar presente e desfrutar da oportunidade de viajar pela Grécia.
Quando senti que meu tempo na cidade de Atenas havia se esgotado, comprei os tickets de trem para o interior da Grécia. Rumo à região onde estão as montanhas e mosteiros que compõe Meteora, seguindo os conselhos dos amigos Fábio e Deca. Uma região linda e mística, repleta de mosteiros da Igreja Ortodoxa. É o segundo maior complexo de monastérios ortodoxos do mundo, perdendo apenas para o Monte Athos, do qual falarei mais para frente. A região é caracterizada por formações rochosas fascinantes. Oriundos de terremotos, força do vento e chuva, surgiram imensos e compridos pilares de pedra, em direção ao céu (daí se origina o nome “suspenso no ar”), lembrando muito o nosso Pão de Açúcar. Todavia, ao invés de um, há dezenas deles juntos. No topo destes monólitos foram construídos vinte e quatro monastérios, interligados por estradas, trilhas e, algumas vezes, pontes. Há quase mil anos, religiosos eremitas se instalaram em cavernas e no topo das montanhas desta região, buscando isolamento e imersão espiritual. A força da fé e auxílio mútuo, para sobreviver naquela região remota, promoveu a união desses religiosos formando-se as primeiras comunidades.
O acesso para Meteora é a partir da cidade de Kalampaka. Porém, acabei me instalando na cidade próxima chamada Trikala, onde havia um hostel. Sem saber, esta foi uma ótima decisão, pois além da charmosa cidade de Trikala ser mais movimentada e interessante, lá conheci Dimitris. Ele é o dono do hostel e me esperava com um copinho de “uzzo”, uma espécie de “pinga” local. Dimistris é um engenheiro que decidiu levar uma vida mais tranquila administrando um pequeno hostel, despendendo horas na mesinha de fora do prédio, observando pessoas a passar, enquanto degusta um aperitivo. Eu o acompanhei neste passatempo algumas tardes, enquanto conversávamos sobre política, Grécia, viagens, etc. Eu brincava com ele dizendo que sua casa mais parecia um ponto turístico da cidade, onde todos faziam questão de passar e parar por alguns minutos de conversa. Crianças, jovens, homens e mulheres, todos trocavam algumas palavras com o simpático Dimitris. Aquela experiência me remeteu ao meu estilo de vida em São Paulo. Desejei para mim uma vida neste estilo mais lento, onde o tempo passa mais devagar, no qual as pessoas verdadeiramente desfrutam da companhia uns dos outros.
Conheci alguns estrangeiros no hostel e fomos juntos para Meteora. Não canso de enfatizar, mesmo quem viaja sozinho, no estilo mochilão, nunca está solitário. Neste ambiente é fácil fazer amigos e encontrar parceiros para explorar os locais turísticos. Decidimos fazer a visita por conta própria, ou seja, percorrer circuito entre um monastério e outro a pé. Embora cansativa, esta opção, além de econômica, foi recompensadora pelas paisagens e vistas únicas. Os monastérios são pequenos, mas muito bem cuidados, repletos de pinturas, flores e relíquias religiosas, sem falar das vistas exuberantes. No interior dos monastérios aproveitei para me sentar num cantinho isolado onde eu pude mergulhar em meditação e oração, direcionando, por meio de pensamentos e visualizações, toda aquela paz e espiritualidade para minha família, especialmente para o Palla (pai da Karina).
A igreja ortodoxa não é muito conhecida no Brasil. Há uma grandiosa catedral em São Paulo, próxima do metrô Paraíso, mas não cheguei a visitar seu interior. Porém, na Grécia esta religião é muito difundida, acolhendo mais de noventa por cento da população. Há mais de duzentos e cinquenta milhões de adeptos desta religião cristã espalhadas pelo mundo, cujo líder máximo se chama Patriarca.
É bem verdade que a igreja católica e ortodoxa eram uma coisa só no passado. Na medida em que os mundos ocidentais e orientais foram se distanciando, em razão do desmantelamento do império romano, surgiram diferenças que culminaram na total ruptura religiosa entre Roma e Constantinopla (atual Istambul), o que se chamou historicamente de “Cisma do Oriente”. Apesar destas diferenças, fato é que as duas religiões se originaram e se alimentam na mesma fonte, da figura de Jesus Cristo. As diferenças apenas comprovam, no meu humilde ponto de vista, que a maior parte dos dogmas criados pelas igrejas tem origem na limitada visão do homem, com base em seus interesses e valores temporais, e não necessariamente na visão e pregação do grande homem que foi Jesus Cristo.
O calor estava escaldante no interior da Grécia. Era hora de um banho de mar. Influenciado pelos conselhos de locais, escolhi a ilha de Corfu, uma ilha grande, com praias paradisíacas, repleta de história e refúgio turísticos dos gregos. A viagem foi um pouco longa, com algumas trocas de ônibus e ferry até chegar ao porto principal, onde Johny me aguardava para me levar para o outro lado da ilha, lado mais isolado e tranquilo. Johny era americano, mas morara alguns anos no hostel onde eu iria me hospedar, adotando seus donos como sua segunda família. O hostel fica de frente para o mar, situado numa encosta de morro, com uma visão de por do sol no mar estonteante. Ele é administrado por uma família e se vale de um sistema interessante. No valor das diárias estão inclusos o café da manhã e jantar, o que promove um sentimento de comunidade entre seus hóspedes, na medida em que todos compartilham estes dois momentos do dia. Outro aspecto que me chamou a atenção é que o hostel oferece hospedagem e comida de graça para aqueles que se propõe a trabalhar por quatro horas diárias, fazendo atividades em geral, como varrer, por a mesa e lavar louça, funções simples e fáceis.
Lugar perfeito para me instalar por tempo indefinido, acompanhar os acontecimentos no Brasil e aguardar uma definição quanto à data de retorno da Karina. Lá fiz amigos e consegui relaxar. Sem pressa, curti o mar, com banhos diários, caminhadas na areia, apreciar o por do sol, nadar, pular de pedra, comer frutos do mar, escrever, conversar ou simplesmente não fazer nada. Até sair para alto mar com um pescador local para puxar rede eu fiz.
Lá conheci Joyce, uma brasileira aloucada e divertida, com quem dei boas risadas. Também fiquei amigo de dois irmãos ingleses, cujos pais são gregos. Era bonito de ver a amizade e o incomum companheirismo entre estes dois irmãos, Dimistris e Marios. Eles sempre viajam juntos como melhores amigos, curtindo e apoiando um ao outro. Eles eram uma mistura perfeita, da cordialidade inglesa e da simpatia grega. Tivemos longas e animadas conversas sobre viagens, cultura grega, vida na Inglaterra e no Brasil, mulheres, profissão e espiritualidade.
A família de Dimistris e Marios é oriunda da ilha de Cipros ou Chipre, em português, a qual foi invadida e tomada parcialmente pela Turquia nos idos de 1974, ocasionando a fuga de muitas famílias, inclusive de seus pais para Inglaterra. Eles contam com amargura a perda de sua terra natal e a omissão do próprio governo grego. Até os dias de hoje a ONU considera ilegal esta ocupação, mas nada foi feito a favor dos cipriotas.
Não só meus novos amigos guardam ressalvas com os turcos, mas os gregos em geral. Os turcos controlaram toda Grécia por muitos anos durante o período do Império Otomano. Na luta pela independência em 1832, houve uma troca de populações entre a atual Turquia mulçumana e a Grécia ortodoxa, com muitas mortes e destruição. Porém, a Turquia manteve como seu território muitas regiões que eram historicamente gregas, o que gerou ressentimentos e embates militares desastrosos. Os gregos ainda hoje lamentam a perda de Constantinopla, antiga capital do antigo Império Bizantino e da Igreja Ortodoxa.
Este celeuma entre Grécia e Turquia é muito séria por aqui, a ponto de que, quando eu mencionava que meu próximo destino seria Istambul, as pessoas de mais idade me respondiam falando: “Ah, você vai para Constantinopla?”. Fiquei com vontade de conhecer a ilha de Cipros, assim como a imensa ilha de Creta. Creta é a maior ilha da Grécia e conhecida pela cultura diferenciada e pela personalidade forte de seus habitantes, quase outro país, bem como pelas suas belezas naturais inigualáveis. A tradicional resposta para esta “coceira” de viagem é “next time” (próxima vez - viagem). Faço questão de voltar para Grécia para explorar melhor estas ilhas e levar a Karina para conhecer este incrível país.
Depois de mais de uma semana estacionado na praia de Pelekas, era hora de explorar um pouco o resto da ilha de Corfu. Aluguei uma motocicleta automática e durante dois dias visitei outros pontos da ilha. Foram horas na motoca para alcançar o ponto mais alto chamado Old Perithia. Um caminho lindo e sinuoso, cortando oliveiras e vilarejos tradicionais. A visão era sensacional, de onde se observa muitas praias, as colorações do imenso mar azul turquesa e até mesmo a Albânia lá distante. Old Perithia é o vilarejo mais antigo de Corfu, onde há oito igrejas e um conjunto de casas. Trata-se de um vilarejo no estilo veneziano, cercado de vinhedos, oliveiras, cerejas, figos e carneiros.
Saboreei um belo almoço regado de uma conversa animada com o dono do restaurante, mais um apaixonado pelo Brasil e grande conhecedor de futebol. Volta e meia passo um “carão” quando meu interlocutor sabe muito mais de futebol do meu país do que eu mesmo. Desci a montanha e fui conhecer a famosa praia de Sidari, com seus grandes resorts cheios de turistas ingleses. Nada de mais, com exceção do “Canal de L'amour”, um estreito canal com lindos penhascos. Já a região portuária de Corfu é repleta de restaurantes e hotéis, ao lado de muralhas e palácios.
Porém, a praia que realmente me surpreendeu foi Palaiokastritsa. Segundo a Odisseia de Homero, foi nesta praia que Ulisses fez sua última parada durante sua longa viagem de dez anos para retornar à Ítaca e reencontrar sua amada Penélope. Uma pequena região peninsular com duas lindas praias, intercaladas por uma pequena colina, cujo topo havia um lindo monastério florido. Ambas as praias eram formadas com areia de cascalhos, água cristalina azulada e espremidas por paredões de pedra. Os paredões são altos e recortados, formando cavernas naturais. Na segunda praia se podia curtir um inesquecível por do sol no mar, apreciando a mudança de tonalidades no céu, uma pintura divina.
Os irmãos ingleses-gregos me acompanharam num desses passeios. Nadamos, entramos nas cavernas e pulamos no mar das encostas. Assim como eu, Dimitris é uma pessoa espiritualizada e curiosa por diferentes culturas. Falamos muito a respeito da Índia. Relatei a eles nossa experiência no Kumbh Mela, o que o deixou entusiasmado e decidido a conhecer aquele país exótico. Eu sempre digo que não sou religioso, mas me interesso por religiosidade. Percebendo isso, ele mencionou um lugar chamado Mount Athos. Era a segunda vez que eu havia ouvido falar daquele lugar. O dono do hostel em Trikala, também chamado Dimitris, havia me falado deste local e de uma enigmática profecia que lá se originou.
Mount Athos é uma península grega, onde religiosos vivem isolados do mundo que conhecemos, com a mesma rotina há mais de mil anos. Sim, isso mesmo, imagine um estilo monástico repetido há dezenas de séculos! Dimistris me disse que sonhava conhecer aquele lugar e que eu deveria pesquisar a respeito do assunto, inclusive ajudou nesta tarefa. Foi o que fiz, fiz algumas pesquisas e assisti um documentário a respeito daquele isolado local. Fiquei fascinado por tudo que li e assisti. Trata-se de uma parte da Grécia totalmente autônoma, nem mesmo o governo grego tem autoridade dentro de suas imediações. Mount Athos é acessível apenas via marítima mediante prévia autorização das autoridades religiosas.
Quanto mais eu pesquisava e conversava com locais a respeito de Mount Athos, mais interessado eu ficava, desejoso por ver por mim mesmo aquele solo sagrado. Na verdade, os locais ficavam surpresos com meu interesse por aquele destino, pouco conhecido por turistas. Muitos se orgulham daquela região e despretensiosamente tentaram me ajudar, porém me advertiram que seria muito difícil conseguir o “permit” a tempo, o qual é chamado de “diamonitirion”. Peregrinos do mundo inteiro visitam aquela região, solicitando a tal autorização especial com meses ou anos de antecedência.
A esta altura Karina havia decidido que retomaria a viagem, pois seu pai estava bem e em alguns dias teria alta do hospital. Viva! Vimos as opções de voo e seria viável nos encontrarmos na Turquia para onde eu seguiria por terra depois da Grécia. Como restaria tempo suficiente para conhecer outro destino na Grécia, não pensei duas vezes e segui para cidade de Thessaloniki, principal cidade no norte da Grécia e porta de acesso para Mount Athos. Embora todas as previsões fossem no sentido de que eu não conseguiria o permit, decidi arriscar, decidi me levar pelas “sincronicidades”. A dona do hostel de Corfu, Madalena, e Dora, a senhora de quem aluguei a motocicleta, me pediram para levar os nomes de suas famílias para aquela terra sagrada. Também me deram dinheiro para doar para igreja onde eu fosse me hospedar. Eu expliquei a elas que meu destino era incerto, mas mesmo assim elas insistiram e eu acabei aceitando.
Eu me hospedei em Thessaloniki no hostel do Kostas, irmão do dono do hostel de Trikala. A simpatia e solicitude de Kostas tornaram sua hospedaria num negócio de sucesso, repleto de estrangeiros que confraternizam todas as tardes, bebericando uzzo e umas cervejas locais. Contei ao Kostas e sua amável noiva, Dimitra, a respeito de meu projeto de visitar o Mt. Athos. Kostas me explicou que havia um escritório central da igreja ortodoxa na cidade onde eu conseguiria dar entrada no pedido do permit.
No dia seguinte cedinho fui ao tal escritório, onde fui informado pela administração que as vagas estavam lotadas há meses e que seria impossível conceder uma autorização para mim. Fiz aquela cara de “cachorro pidão”, explicando que havia vindo do Brasil para visitar aquele solo sagrado e tal. Talvez sensibilizados, eles me orientaram voltar na manhã seguinte, pois iriam checar eventuais desistências. Prontamente, retornei na manhã seguinte e fui orientado a retornar à tarde. Assim, eu fiz, perseverante, e naquela tarde tive a feliz informação de que nos próximos dias eu teria a autorização desejada.
Enquanto aguardava o dia da viagem a Mt. Athos, visitei a cidade e algumas praias na região de Thessaloniki, junto com meu novo amigo, Luca, um italiano gente boa e bon vivant. Há muitos anos, ele realizou uma viagem incrível pela Grécia. Sem dinheiro, ele e uns amigos que conheceu na estrada, vestiam-se como pensadores da Grécia antiga e recitavam poemas nas ruas, vivendo de trocados e bom coração das pessoas. Dormiam em qualquer lugar, praças, obras em construções ou terrenos baldios. Viajaram de carona por toda Grécia. Diz ele que viveu os anos mais inesquecíveis de sua vida e onde amou uma espanhola que nunca mais saiu de seus pensamentos. Agora quase vinte anos depois, ele retornava àquela região e sonhava reencontrar a espanhola com quem tinha recentemente voltado a se corresponder. Alguns estrangeiros nos perguntaram quantos anos nós nos conhecíamos. Quando explicávamos que havíamos acabado de nos conhecer, eles não acreditavam. É difícil para um europeu, oriundo de países frios, compreender o calor humano que emana do povo latino, na qual bastam algumas horas para se tornarmos melhores amigos.
Finalmente chegou o dia de embarcar para Mt. Athos a partir da cidade de Ouranoupoli. Confesso que o frio na barriga era grande. Não tinha ideia do que me aguardaria nos próximos três dias de retiro espiritual. Um militar conferiu cuidadosamente meu diamonitirion (autorização) e me autorizou entrar no ferry que me levaria para um dos pontos mais isolados do mundo. Isolado não pela distância ou dificuldade de acesso, mas uma região onde não havia televisão, jornal, rádio ou qualquer contato com o mundo globalizado. Uma região com vinte monastérios ortodoxos, distantes e independentes um do outro, abrigando mil e setecentos monges, repetindo diariamente as mesmas liturgias há mais de mil anos. Inclusive alguns imperadores bizantinos se instaram nesta região e viveram como monges parte de suas vidas. Um solo onde nunca uma mulher pisou, pois a visita delas é vedada.
A ansiedade aumentou quando me vi num barco repleto de religiosos, vestidos com túnicas pretas, dos pés à cabeça, com longas barbas, chapéu e lenço, cobrindo o cabelo até as costas. Também havia muitos peregrinos, geralmente em famílias com filhos, cujas esposas ficaram para trás no porto. Passado um tempo, distraído pelas gaivotas que sobrevoavam o barco e comiam direto das mãos dos monges, finalmente vi o primeiro monastério. Depois outro e outro, um diferente e maior que o anterior. Eles mais se pareciam com castelos medievais, alguns construídos no topo de paredões de pedra com mais de 200 metros de altura. Um verdadeiro primor de engenharia, construído há séculos, resistindo ao tempo e aos terremotos. Não por menos, eles estão listados pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade.
Supostamente eu deveria ter reservado com antecedência o monastério onde eu pretendia dormir. Mas como tudo foi feito na última hora, não consegui reservar nada a tempo. Cheguei ao principal porto de Mt. Athos (Dafne) sem saber para onde ir e onde dormir, em mãos apenas uma lista de monastérios. Tentei seguir para os mais famosos, mas fui impedido logo no início por falta de reserva. Fiquei tenso e perdido. Em parte, eu me sentia um intruso naquele solo sagrado. Não havia espaço ali para turismo, era um ambiente religioso e austero. Depois de rodar um bocado, encontrei o monastério Koutloumousiou, construído em 1169, o qual gentilmente me recebeu sem hesitar.
Apresentei minha autorização, registrei-me num imenso livro em grego e fui encaminhado para meu quarto. Um quarto pequeno, com uma janela menor ainda, o qual eu dividiria com um russo ortodoxo sisudo, de dois metros de altura, barrigudo e barbudo. O tal russo mais parecia um serial killer. Quando não estava na missa, ele estava rezando dentro do quarto, sussurrando palavras incompreensíveis. Eu acordava, ele estava rezando, eu dormia, ele estava rezando, fervorosamente. No início tive medo dele, sério (risos)! Porém, seu aspecto amedrontador desapareceu por absoluto nas raras vezes que ele se desviou do estado meditativo e direcionou um olhar meigo e amigo.
O monge que me recebeu sussurrou rapidamente o itinerário o qual eu deveria seguir. Oração das 17h30 às 20h. Ok. Apenas duas refeições diárias. Ok. Oração às 3h da manhã. O quê? Sim, oração às três horas da madrugada. Participei da primeira cerimônia tentando copiar as pessoas nos rituais. A igreja era linda e mística. Não há eletricidade, mas magníficos lustres e candelabros cujas poucas velas acesas criam uma penumbra misteriosa. As paredes e tetos são repletos de afrescos e imagens sagradas. Embora tudo fosse muito diferente, aproveitei para meditar, orar, captar e enviar a forte energia daquele local para família. Afinal, eu estava num local onde as pessoas rezam ininterruptamente há mil anos. Sim, sem parar, pois mesmo fora das missas, os religiosos continuam recitando mantras sagrados dia e noite.
A refeição também foi uma experiência e tanto. Entramos num recinto angelical, aberto somente no momento da refeição vespertina, assim como havia outro espaço, ainda mais ornado com lindas pinturas, para refeição matinal. Quando entramos em fila e total silêncio no refeitório, as mesas estavam postas, com comida e bebida, inclusive um pequeno cálice de vinho produzido lá. Aliás, pelo que me parece toda comida é localmente cultivada. Todos sentam e aguardam um religioso começar a ler um imenso livro. A comida estava deliciosa e saboreei lentamente. Porém, somente depois vim a descobrir que quando o tal religioso para de ler, todos devem parar de comer. Fiquei com vontade de comer mais! Nas refeições seguintes eu já estava esperto e comi tudo rapidinho.
Acordei às 2h30m para me preparar para a próxima cerimônia. Atordoado de sono, reparei que meu colega russo já estava acordado rezando no escuro, sentado na beira da cama. Baseado na minha experiência da cerimônia matutina, eu imaginei que a missa duraria uma hora e assim eu poderia voltar para cama. Ocorre que a cerimônia começou às 3 horas e só foi terminar às 9 horas! Sim, foram seis horas acompanhando os rituais litúrgicos! Confesso que foi muito difícil e que boa parte acabei dormindo sentado, por mais que eu tentasse me concentrar. Suscintamente, a liturgia se resume na leitura das escrituras sagradas pelos monges, sem uso de instrumentos musicais. Eles leem em coro, com diferentes entonações, criando um som musical forte e mágico. Os monges e peregrinos também costumam beijar as imagens sagradas e as relíquias. Embora não soubesse o que eram aquelas relíquias, cuidadosamente guardadas em caixas rebuscadas, também segui o ritual do beijo.
No dia seguinte, mudei de monastério. Peguei um barco que seguia até o final da península, de forma que eu pudesse ver os monastérios mais distantes e escolher qual deles eu tentaria me hospedar. Parei intuitivamente no Monastério Dionysiou, dedicado a João Batista, construído em 1374 surpreendentemente no alto de um imenso bloco de pedra à beira mar. Fui amavelmente recebido pelo monge chefe, meu xará, chamado Pablos, o qual falava bem inglês e me conduziu pelos corredores e escadarias do mosteiro. Como recebi um quarto privativo, desta vez não acompanhei tão rigidamente as cerimônias, tornando minha estadia mais tranquila. O visual lá de cima já era inspirador por si só. Caminhei por todo lado, seguindo algumas trilhas, parando para contemplação. Há um prédio onde são guardadas as ossadas dos monges falecidos. De início pareceu um pouco macabro ver todos aqueles crânios empilhados. Mas para aqueles monges há outro sentido para a morte, algo natural e não temível.
Desfrutei do meu último dia no Mt. Athos, apreciando um grandioso por do sol. Meus pensamentos me conduziam à Karina, com quem eu finalmente voltaria a me encontrar em alguns dias na cidade turca de Istambul. Meu coração estava em paz e o silêncio não me enfadava mais, pelo contrário. Senti-me honrado, grato e feliz por viver mais uma experiência forte e única.
Efkaristô (obrigado)!
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*** Reportagem a respeito do Mt. Athos: http://www.cbsnews.com/news/mt-athos-a-visit-to-the-holy-mountain/ |