Despedida na Suíça
da redação, Texto: Pablo e Karina
7 de abril de 2014 - 16:55
 
 
 
  • Foto: Karina e Pablo
    Mais um sonho realizado. Conhecer as plantações de girassol. Foto: Karina e Pablo
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    A bela Genebra" Foto: Karina e Pablo
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    Ao fundo o lago de Genebra e seu lindo chafariz. " Foto: Karina e Pablo
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    A praia dos suíços à beira do rio Rhône." Foto: Karina e Pablo
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    Com nossos queridos amigos Anna e Fabricio." Foto: Karina e Pablo
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    Impressionante a transparência do rio que passa pelo meio da cidade. Alguma semelhança com São Paulo?" Foto: Karina e Pablo
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    Em Genebra." Foto: Karina e Pablo
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    O transporte público da cidade é simplesmente perfeito." Foto: Karina e Pablo
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    Mais amigos queridos. Jantar especial." Foto: Karina e Pablo
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    Por do sol com vista para o lago Leman." Foto: Karina e Pablo
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    Fogos em comemoração ao Dia da Fundação da Suíça." Foto: Karina e Pablo
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    Em Lac Léman - Lac de Genève." Foto: Karina e Pablo
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    Com a querida amiga Anna no centrinho de Saint Gallen." Foto: Karina e Pablo
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    Pablito caprichou. Hummm Risoto de gorgonzola com alho poró. Na casa do amigo Buda em Saint Gallen. " Foto: Karina e Pablo
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    Região de Saint Gallen. Lindas montanhas e lagos." Foto: Karina e Pablo
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    Trekking pela região de Saint Gallen, na Suiça Alemã." Foto: Karina e Pablo
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    Banho refrescante no lago entre as montanhas. " Foto: Karina e Pablo
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    Jump! " Foto: Karina e Pablo
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    Trekking " Foto: Karina e Pablo
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    Saint Gallen (Switzerland). " Foto: Karina e Pablo
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    A beira do lago, ao som de cornetões. — em Saint Gallen" Foto: Karina e Pablo
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    Mais cornetões e que som que eles produzem! Pra acalentar a alma." Foto: Karina e Pablo
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    Em Saint Gallen (Switzerland). " Foto: Karina e Pablo
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    Tá explicada a origem dos deliciosos queijos e chocolates suíços. As vacas são lindas, enormes e muito bem cuidadas. " Foto: Karina e Pablo
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    Mais um sonho realizado. Conhecer as plantações de girassol." Foto: Karina e Pablo
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    Cidade alemã de Konstanz " Foto: Karina e Pablo
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    Vizinha da Suiça, a cidade alemã de Konstanz. " Foto: Karina e Pablo
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    Em Konstanz - Hafen." Foto: Karina e Pablo
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    Em Konstanz - Hafen." Foto: Karina e Pablo
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    Na marina da cidade medieval francesa de Yvoire " Foto: Karina e Pablo
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    Encontrei a Mimosa de novo no Trekking a caminho de Schilthorn. " Foto: Karina e Pablo
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    No trekking a caminho de Schilthorn paisagens exuberantes. " Foto: Karina e Pablo
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    Rio de água de degelo. " Foto: Karina e Pablo
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    Muitas flores e verde pelo caminho. Como foi bom estar por aqui no verão! — em Schilthorn. " Foto: Karina e Pablo
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    Rolezinho de patinete em Grindelwald " Foto: Karina e Pablo
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    Em Schilthorn. " Foto: Karina e Pablo
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    Encontro surpresa com um Ibex selvagem. Susto!! " Foto: Karina e Pablo
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    Em Mürren, Switzerland. " Foto: Karina e Pablo
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Mais um sonho realizado. Conhecer as plantações de girassol. Foto: Karina e Pablo

 

Pela primeira vez desde que iniciamos nossa viagem, pegamos um voo que nos “aproximou” da terrinha. Embora houvesse um oceano entre o Brasil e a Suíça, sentimo-nos como se estivéssemos mais próximos do Brasil. O fuso horário diminui drasticamente, de doze para apenas cinco horas de diferença. Parece bobagem, mas isso aqueceu nossos corações. Talvez porque estivéssemos com saudades de casa. Talvez porque estávamos viajando da Rússia para Suíça, onde ficaríamos hospedados na casa de amigos brasileiros. Sim, era tudo isso também, mas acima de tudo porque após alguns dias na Suíça, a Karina partiria para o Brasil, podendo assim matar um pouco a saudade da família e, especialmente, acompanhar a delicada cirurgia a qual seu pai seria submetido.

Novamente encaramos um voo longo, com escalas e muita espera, ou, em outras palavras, a opção mais em conta para quem decide comprar passagens na última hora. Nosso voo passaria primeiro pela Dinamarca (aeroporto parece um shopping de luxo), antes de seguir para Suíça. Quando saímos do aeroporto de Genebra havia algo errado. Cadê a imigração? Hesitamos sair pela porta de vidro. E o visto, onde pegamos? Quando algumas pessoas saíram e a porta automática se abriu, vimos nossa amiga Anna do outro lado acenando para sairmos. Que caipiras que somos, não sabíamos que não haveria imigração na Suíça, pelo menos para voos dentro da Europa. De fato, já havíamos entrado na União Europeia via Dinamarca sem sequer nos darmos conta disso.

Que delícia encontrar uma amiga de verdade e dar aquele abraço gostoso. Que delícia falarmos nosso próprio idioma, compartilhar histórias sem os tropeços da diferença de idioma. Que delícia comer uma comidinha com tempero brasileiro. Esse reencontro foi um presente para nós. Aí você se pergunta, mas isso tudo é tão básico, porque tanto “auê” por encontrar amigos? A viagem nos dá uma dimensão diferente da vida, um novo olhar, um novo ângulo. Inclusive pequenas coisas ganham um novo significado. Coisas que antes passavam despercebidas, agora são ressaltadas. Situações abafadas pela rotina são elevadas e revalorizadas. Sabe aquele ditado popular de que devemos olhar para metade do copo cheio, ao invés de focarmos na metade vazia? Pois então, essa é uma das vantagens de viajar. Perceber e valorizar aquilo que já temos! É possível ir além, o que supostamente “não temos” desaparece ou perde importância, o que proporciona um sentimento de desapego, liberdade e conexão com o presente momento.

Anna nos informou que iríamos de ônibus para sua casa, cuja primeira passagem é gratuita para aqueles que acabam de chegar ao país. Este foi o primeiro exemplo, de muitos, das políticas públicas para contemplar o interesse social e beneficiar os seus cidadãos. Não é preciso dizer que o transporte público e outros serviços na Suíça são impecáveis, tudo aquilo que qualquer um sonha para seu país.

Não demorou muito para que chegássemos ao seu aconchegante lar. Ela e seu marido Fabrício vivem num apartamento em um simpático prédio, rodeado de verde e silêncio. O cheirinho inconfundível de feijão era sentido do hall de entrada. Fabrício é um cozinheiro e anfitrião de primeira! Comemos e falamos muito, não necessariamente nesta ordem. Havia muito que compartilhar dos dois lados. A história deles é linda, repleta de coragem, desafios e cumplicidade. Falamos de relacionamentos, de viagens, do trabalho na Suíça, do casamento deles e da vida que agora eles levam. Sem dúvida, havia muita abundância de comida e calor humano. Esta acolhida foi perfeita para o momento, para desviar os pensamentos do Brasil e relaxar.

Genebra é considerada a segunda cidade com melhor qualidade de vida do mundo, perdendo apenas para a também suíça cidade de Zurique. Porém, é a primeira colocada no ranking de melhor sistema escolar. O idioma mais falado neste “cantão” (estado/província) é o francês. A Suíça tem oficialmente quatro línguas: o alemão (64%), o francês (20%), o italiano (6%) e o romanche (0,5%). Esta diferença linguística está ligada diretamente aos países vizinhos, bem como sua formação histórica. As diferenças não se restringem ao idioma apenas, mas também às culturas. Dizem que nos cantões cujo idioma é o francês, as pessoas são mais abertas e liberais, enquanto na região de influência alemã, estão os suíços de estilo mais conservadores e fechados.

Sem adentrar nas questões de controvérsias políticas e econômicas, a Suíça foi pioneira na adoção de leis laborais, na criação da confederação conferindo independências aos cantões, proteção aos direitos humanos e democracia direta. Ela se orgulha da sua neutralidade política e militar. Embora o país seja rodeado por várias potências em guerra no passado, a Suíça nunca foi invadida em nenhuma das duas Grandes Guerras. Esta neutralidade política e o longo histórico de estabilidade econômica tornaram o país um reduto de instituições bancárias, investidores e organizações internacionais.

A lista de instituições que adotaram a Suíça como sede é vasta. Destacam-se o Fórum Econômico Mundial, a Cruz Vermelha, Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Em termos desportivos, lá também estão sediados o COI, a FIFA e a UEFA.

Novamente o clima e a temperatura estavam do nosso lado. Chegamos durante o verão suíço e havia um sentimento de festividade no ar. Genebra é muito agradável e charmosa, a qual cresceu ao redor de um lindo lago de águas cristalinas. Pessoas de todas as etnias, nacionalidades, idades e status financeiro se reúnem à beira do rio Rhône para se refrescar, tomar banho de sol, confraternizar num piquenique ou simplesmente bater papo.

Há decks de madeira, pontes, gramados e espaços públicos para churrasqueira. A maioria das pessoas estava de férias, mas mesmo aqueles que continuam trabalhando, saem cedo em direção ao rio, munidos de roupas de banho e um saco estanque. Tivemos uma sensação de maior igualdade e comunhão, onde todos estão no mesmo patamar, não importando seu currículo, confraternizando e brindando o verão.

A correnteza é forte. As pessoas mergulham e se deixam levar rio abaixo, abraçadas no seu saco estanque flutuante (uma bolsa impermeável para roupa seca e outros pertences). Eles deslizavam em pequenos grupos, conversando enquanto as águas os arrastam, todos relaxados e felizes.

Outro ponto disputado na cidade é a região do lago Leman. Além de jardins, parques, barracas itinerantes, marinas e restaurantes, há espaços públicos para as pessoas curtirem um mergulho no lago, com sanitários, decks flutuantes, pequenas praias e até trampolim. Novamente havia uma infinidade de pessoas e gêneros, inclusive alguns seres engraçados para nossos olhos conservadores. Nós ficamos fascinados com a ideia de descer o rio, sem saber ao certo onde iríamos parar.

Embora Anna e Fabrício já estivessem morando lá há quase dois anos, ainda não haviam experimentado descer o rio. Outro dia, sem a menor ideia de onde iríamos parar, simplesmente pulamos no caudaloso rio e nos deixamos levar, cada um abraçado numa bóia. Enquanto descíamos o rio, num bate papo animado, observávamos em sua margem pessoas, construções e paisagens. Já se afastando da região urbana, passamos por debaixo de uma grande ponte onde dois rios se cruzaram. O encontro com o rio de degelo fez a temperatura da água despencar. Tomamos um susto. Não suportaríamos aquela temperatura por muito tempo e decidimos “encostar”. Deixamos a água e caminhamos de volta para nosso ponto de origem, cruzando com mais pessoas fazendo piquenique e até alguns “campings”.

Uma curiosidade de Genebra. Há ferraris e outros carrões de luxo por toda parte, muitos deles com placa de países árabes. Como pode? Simples, o multimilionário árabe transporta seu carrão dentro de seu avião particular e vem passar uma temporada na Suíça, provavelmente para curtir as férias com família, gastar alguns milhões e investir outros tantos.

No período que estivemos em Genebra participamos das festividades em comemoração à fundação da Suíça. Talvez seja o principal evento do país, com muitas comemorações e fogos de artifício. Fomos ver os fogos na fascinante região de Lavaux, de vinícolas (patrimônio mundial da UNESCO), na encosta de uma montanha. Lá do alto tínhamos uma vista privilegiada das plantações, dos vilarejos, circundado por montanhas verdes, algumas distantes com cume nevado, casas dispersas e, especialmente, do lindo e imenso lago. O cenário todo parecia uma pintura e fazer parte daquilo nos encheu de alegria.

Ao cair da noite começamos a ouvir os primeiros disparos e nos deleitar com o colorido no céu, refletido nas águas calmas do lago. Os fogos de artifício nos remeteram àquele sentimento de excitação e esperança, típico da virada de ano. O sentimento de felicidade e gratidão borbulhava em nossos corações. Chegamos à Suíça abalados pelos acontecimentos no Brasil e com único objetivo de visitar amigos, sem muitas expectativas a respeito do país. Não esperávamos cenários e momentos tão agradáveis como aqueles vividos nos dias que sucederam.

Nossos amigos nos mostraram a cidade de Genebra e arredores, falaram de sua rotina, desafios, trabalho, vantagens e desvantagens, curiosidades a respeito do país e do governo. Chamou-nos a atenção o sistema de democracia direta, na qual as pessoas participam ativamente das decisões políticas. Por meio de referendos para compartilhar decisões – enviados pelo correio – as pessoas tomam decisões em nível federal e estadual (cantões), como por exemplo, a respeito de construção de ponte, transporte público, criação de espaços higiênicos para prostíbulos, adesão à União Europeia, legalização da maconha e por ai vai. Cada nova decisão política implica numa arrecadação especial para o fim específico, tudo muito claro e transparente. Pagar tributos de forma democrática, com finalidade transparente, dói menos aos nossos bolsos, não?

São momentos assim que nos damos conta do quanto nosso país ainda é imaturo. Nossos governantes e nosso povo devem urgentemente se dar conta de nosso terrível atraso. Parar de fingir que está tudo bem, que nosso país é maravilhoso e de que fazemos parte de um seleto grupo em desenvolvimento. De fato, estamos entre os países mais miseráveis, desiguais e violentos do mundo. Que isto não é fruto do último ou penúltimo governo, mas de uma cultura generalizada da facilidade e “jeitinho”. Porém, esse fato não nos faz desanimar, pelo contrário, só aumento nosso comprometimento de dar nossa contribuição, de trabalhar em conjunto na direção de dias melhores.

Empenhados em nos proporcionar bons momentos, Anna e Fabrício nos levaram para conhecer outras partes do país. Cruzamos a Suíça em direção à pequena cidade de Saint Gallen, onde vive um amigo deles, o Buda. Um brazuca que deixou a cidade de São José dos Campos para trabalhar e viver na Suíça alemã. Se não bastasse a diferença climática, com invernos frios e muita neve, viver na região alemã representa uma diferença cultural ainda maior. O suíço alemão é ainda mais reservado, cujos laços de amizade só ocorrem depois de anos de convivência. Para um brasileiro acostumado a receber pessoas e fazer melhores amigos numa churrascada animada, isso pode representar um belo desafio.

Buda nos levou para fazer um trekking numa região espetacular. A Suíça é o paraíso do trekking e esqui. Cortada pelos Alpes, há uma infinidade de opções para curtas e longas caminhadas, mountain bike, downhill, paragliding, basejump, escalada na rocha e neve, ski, snowboard e muito mais. Há excelente infraestrutura, com trilhas bem marcadas, mapas detalhados, refúgios, hotéis, restaurantes e teleféricos. Tudo isso sem tirar o aspecto selvagem e natural das montanhas. Diferentemente da China, onde as trilhas de terra foram substituídas por calçadas pavimentadas e escadas de cimento, onde há comércio por todo lado, a Suíça tem um compromisso ambiental nunca visto antes. As trilhas são rústicas, sem comércio, somente rodeada de verde, cortando lindas montanhas e lagos, com paisagens de tirar o fôlego.

Encontramos na Suíça a explicação do porque encontramos tantos idosos vigorosos nas trilhas que fizemos pelo mundo. Durante o trekking de dezenove dias no Nepal, cruzamos e fomos ultrapassados por muitos e muitos idosos. Com passadas firmes e ritmo intenso, eles nos deixaram no chinelo. Na Suíça vimos muitas famílias subindo e descendo as trilhas. Crianças bem pequenas já praticando o hábito que os tornará saudáveis e amantes das montanhas.

Durante o trekking nos Alpes suíços, outro aspecto que nos chamou atenção, apesar de bobo, foi o tamanho e pujança das vacas leiteiras. Elas são absolutamente enormes, gordas e de pelagem brilhante. Parecem se originar de uma criação genética perfeita (quem sabe é isso mesmo?). Dizem que este é o segredo do incomparável chocolate e queijos suíços. Não há quem vá para Suíça e não se esbalde com os divinos chocolates e deliciosos queijos. As opções são intermináveis e disponíveis em todo lugar, de pequenos ou grandes supermercados às chiquérrimas boutiques. Obviamente que os preços, embora na maior parte acessíveis, variam muito, havendo opções para todos os bolsos. Nossos amigos nos proporcionaram degustações gastronômicas inesquecíveis.

Não há nada mais gostoso num trekking do que encontrar um rio, cachoeira ou lago para se refrescar e varrer o suor do corpo. Nossa trilha nas proximidades de Saint Gallen margeava um lindo lago cristalino. Hesitamos um pouco em mergulhar naquelas águas geladas. Bastou o primeiro se aventurar para que todos nós nos jogássemos como crianças felizes. Um banho de lago com amigos é sempre nostálgico, nos remete a um estado de felicidade infantil. Nós não éramos os únicos, boa parte das pessoas fazia o mesmo. Ficamos observando uma família com quatro filhos pequenos se despindo, mergulhando e se divertindo no lago.

Diante daquele cenário, fomos invadidos por um insight. Nós desejamos uma vida assim para nós, com situações de maior contato com a natureza e interação familiar. Dedicar mais tempo fora do frenesi das grandes cidades, do mundo moderno e das tecnologias que sugam toda nossa atenção.

Os suíços sabem disso e conservam hábitos saudáveis. Não só as longas caminhadas, mas se orgulham de sua cultura e a preservam. Nas montanhas, num local pouco improvável, assistimos um festival de corneta. Corneta? Sim, sabe aquelas longas cornetas, típicas de desenhos animados? Lá estava um grupo feliz e entusiasmado, vestidos com roupas típicas, entoando sons e fazendo música nos seus curiosos instrumentos. Talvez fossem nossos olhos curiosos e apaixonados, mas tudo neste país soava mais tranquilo, saudável e feliz. Felicidade não no sentido vibrante, do qual nós brasileiros estamos acostumados – de um samba ou de um jogo de futebol – mas no sentido de ausência de sofrimento, de violência e outras mazelas que assolam nosso povo.

Como as distâncias na Europa são curtas, especialmente em países como a Suíça (do tamanho do estado do Sergipe), Buda nos levou para um passeio na cidade alemã de Konstanz. Fomos e voltamos sem perceber que estávamos num novo país, nem mesmo o idioma era diferente, haja vista que em Saint Gallen todos falam alemão. Passeamos a beira do lago Constance e do rio Reno. Almoçamos, despedimo-nos da Alemanha e do nosso novo amigo Buda, pois naquela tarde mesmo retornaríamos para Genebra. O fim do feriado suíço se aproximava e Anna precisa retornar ao trabalho, bem como Karina deveria se preparar para a “via sacra” que enfrentaria para chegar ao Brasil.

A melhor passagem aérea que encontramos foi a partir de Frankfurt. Por isso, Karina pegaria um trem até aquela cidade alemã, trocando várias vezes de linhas. De Frankfurt ela voaria para Doha, portanto, na direção contrária, onde trocaria de aeronave com destino final São Paulo. Até aquele ponto já havíamos enfrentando ônibus caindo aos pedaços na Índia, estradas em altitude, caronas de caminhão, cabines de trem com fumantes, muitas e muitas horas de viagem, mas esta seria a viagem mais difícil e longa para Karina. Longa não em horas viajadas, mas no sentido que o tempo não passava. O sono implacável – que recai sobre a Karina sempre que iniciamos uma viagem – não deu qualquer sinal. Foram muitas e muitas horas de tensão e ansiedade. A única coisa que apaziguaria seu coração seria ver seu pai e abraçá-lo.

O planejado era chegar um dia antes da cirurgia, de forma que a Karina pudesse dar força para seu pai. Mas diante do quadro clínico, os médicos decidiram adiantar a cirurgia. Portanto, enquanto voava, seu pai já se encontrava na UTI, enfrentando uma dura recuperação. Do aeroporto internacional de Guarulhos, Karina seguiu com sua irmã Ana Cláudia direto para o hospital. Embora não fosse horário de visitas, as irmãs explicaram que Karina acabara de chegar de uma longa viagem com objetivo de ver o pai. Enfim, convenceram as enfermeiras e ela finalmente pode abraçar seu pai, o qual retomou a consciência e se emocionou ao ver as filhas juntas, dizendo: “eu não acredito, eu não acredito”. Aqueles poucos minutos com seu pai fizeram com que todo o empenho para chegar até ali valesse a pena. Agora feliz e aliviada, Karina me enviou seu primeiro recado, o que também acalmou meu coração sedento por notícias do outro lado do atlântico.

Agora sozinho e sem rumo, aproveitei os dias para descansar na casa dos amigos brasileiros em Genebra. Eu havia somatizado emoções e só descobri isso quando realmente parei para dormir e descansar. Tive uma forte crise de labirintite, como não sentia há décadas, ou melhor, desde os tempos de criança. Karina disse que a causa seria saudade dela! Quem sabe? Não havia remédio que me curasse. A sensação é horrível. Parece que o chão desaparece e que vou cair num buraco em espiral. Foi então que Anna, fisioterapeuta assim como Karina, sugeriu que tentássemos acupuntura. Ela disse que não iria doer ou sangrar. Perguntei, afinal, nunca havia experimentado. Doeu e sangrou! Não muito. Tudo bem, talvez seja um pouco de manha. Mas para minha alegria ela me curou. Quem diria que uma dezena de agulhas na mão direita resolveria o problema que a alopatia não estava dando conta.

Uma vez recuperado, Anna e Fabrício me levaram para cruzar de barco o lindo lago Leman e conhecer a outra margem, ou melhor, pisar em outro país. Do lado de lá estava a França. Foi interessante se ver no meio de um lago na fronteira entre dois países. O clima estava agradável. O sol quente, mas suavizado pelo frescor das águas frias do lago. Não havia imigração nos esperando para carimbar nossos passaportes, mas um encantador porto, com casinhas lindas e bem decoradas, com muitas flores e jardins bem cuidados, restaurantes chiques, cafés e lojinhas.

Havíamos chegado em Yvoire, uma aldeia francesa medieval fortificada, considerada uma das mais belas aldeias da França. Ela também se destaca por estar entre as primeiras colocadas no concurso de cidades floridas da França. Obviamente que nós não éramos os únicos turistas, assim como os demais, perambulamos pelas ruazinhas estreitas até nos cansar e escolher um restaurante para degustar a culinária francesa. Tivemos conversas animadas e inspiradoras. Fechamos o dia com um delicioso mergulho nas águas cristalinas do lago. Um dia para lá de especial!

Aproveitei a passagem pela Suíça para visitar uma querida amiga, Deca, que vive numa cidade próxima à Genebra. Ela estava viajando e acabara de retornar. Deca preparou um delicioso jantar, oportunidade em que pude conhecer seu marido Fábio e sua encantadora filhinha Ruth, de pouco mais de um ano. Eles vivem numa região linda em Lausanne. Não nos víamos há muitos anos e reencontrá-la foi mágico. Conversamos por horas, a respeito dos mais variados assuntos e assim poderíamos continuar por dias a fio.

Provavelmente, não nos víamos há mais de dez anos, mas não era essa a sensação. Nossa amizade continuava forte e eu me sentia muito próximo dela e de sua linda família. Quem me conhece sabe que me encanto naturalmente por crianças. Porém, fiquei apaixonado pela pequena Ruth. Amizade é uma coisa curiosa! Há pessoas com que convivemos quase que diariamente, porém não é formado um vínculo de amizade. Já há outras que, mesmo com pouco contato, o carinho é grande e a amizade se perpetua sem qualquer esforço. Talvez essa seja uma prova de que pode haver outro tipo de ligação entre pessoas, além dos comandados da razão. De que existe algum tipo de vínculo energético e afinidade espiritual que transcende os limites de nossa compreensão.

Fiquei feliz por aproximar estes dois casais de brasileiros muito especiais, vivendo distantes de sua terra natal, mas próximos um do outro. Compartilhamos mais alguns momentos juntos antes de me despedir de Genebra e retomar a viagem, agora sem a companhia da Karina. Tudo parecia muito estranho sem ela. Decidi então que viajaria para Grécia e viajaria mais lentamente, talvez até ficasse num lugar fixo, aguardando notícias do Brasil. As passagens a partir da Suíça estavam caras e acabei encontrando uma passagem em conta a partir de Milão, cujo aeroporto eu poderia chegar de trem. Destino escolhido e passagens em mãos, parti sozinho para desvendar um pouco mais da Suíça. Rumei em direção às montanhas, aos famosos Alpes Suíços.

Nosso plano inicial, meu e da Karina, – quando incluímos a Suíça no nosso roteiro – era visitar nossos amigos e aproveitar para encarar um trekking chamado “Tour Du Mont Blanc - TMB”. Nosso amigo Elias aqui do Extremos relatou sua experiência e ficamos empolgados com a ideia. Trata-se de um trekking de 10 dias ao redor da montanha Mont Blanc, percorrendo 170 km, passando pela Suíça, França e Itália. Porém, com a partida da Karina cancelamos entre projeto, adiando-o para outra oportunidade. Pois, além de querer compartilhar este trekking, eu queria me manter próximo do Brasil. Mergulhar num trekking significaria desconectar do mundo exterior e se conectar com a natureza, limpar a mente, purificar a alma e estar presente para cada passada.

Sendo assim, parti de trem para Interlaken. Como o próprio nome diz, uma pequena e agradável cidade localizada entre dois lindos lagos. A viagem em si é linda, pois no início o trilho beira o lago Leman, quando deixa Genebra, depois segue para o interior da Suíça, onde percorre a margem dos Lagos Thun e Birenz até chegar a Interlaken. Como era verão, havia muitas lanchas e veleiros navegando nas águas calmas que refletiam as montanhas ao seu redor. É evidente a riqueza do país e o poder aquisitivo das pessoas, não só dos suíços, mas de estrangeiros do mundo todo. Tudo funcionava perfeitamente bem. Havia informações e mapas para tudo. Todos falavam inglês e se prontificavam a ajudar. Certa vez, um comerciante, percebendo que eu estava perdido, aproximou-se e passou a falar português. Há uma forte imigração portuguesa na região, tornando o português o segundo idioma mais falado em Interlaken (3,9%).

A despeito de toda aquela beleza, organização e segurança, eu curiosamente não me sentia à vontade. Não sei dizer o que me fazia sentir um peixe fora d’água. Provavelmente a ausência da Karina, mas talvez também o distanciamento entre as pessoas. Mesmo no hostel onde me hospedei, no qual havia um clima de festa e juventude, as pessoas se fechavam em pequenos grupos, pouco dispostas a se abrir para estranhos. Não posso negar que a educação é algo fora do comum. Nunca me senti tão respeitado como cliente, mas eu sentia falta de calor humano.

Interlaken é linda e uma base perfeita para conhecer os vilarejos e montanhas ao seu redor. Sem dúvida, uma região repleta de paisagens de tirar o fôlego. Por todo lado se via cachoeiras, montanhas íngremes, picos nevados, vales verdejantes, simpáticos vilarejos, lagos e um impecável sistema de transporte. Trata-se de um dos lugares mais lindos do mundo. Não há quem não fique deslumbrado com o cenário e a infraestrutura. Imagino o quanto diferente e não menos belo deveria ser aquela região durante o inverno, atraindo esquiadores de todo mundo. Obviamente que estamos falando da Suíça, um país rico e caro, cuja moeda (franco) é mais forte que o euro. Disparado foi o país mais caro que visitamos até agora.

Não era possível visitar tudo, seja pela falta de tempo, seja pelo alto custo. Visitei algumas montanhas e fiz alguns trekkings interessantes. O primeiro se chama Schilthorn, 2,970 metros de altitude, fica próximo ao encantador vilarejo de Mürren. Do seu cume há uma visão espetacular do pico Jungfrau (4,158 metros), dos glaciais (gelo eterno) e as demais montanhas vizinhas. No cume da montanha há um restaurante giratório. Sim, um prédio em forma de círculo que gira em torno de um eixo. Lá foram filmadas algumas cenas de filmes da série James Bond - 007. Infelizmente o tempo estava instável, com nuvens intrometidas, cobrindo a paisagem parcialmente. Embora na base estivesse calor, lá em cima estava frio e caindo a temperatura drasticamente na medida que o por do sol se aproximava. Desci rapidamente a trilha, com cuidado extra nas encostas íngremes, cujo erro levaria a morte certa.

Em certo ponto, desviei da trilha para ver de perto um lago que despejava uma cachoeira num paredão de pedra. Caminhei numa região pedregulhosa, pulando de pedra em pedra. Numa delas, aconteceu algo totalmente inusitado. Ao descer uma pedra grande, dei de cara com um íbex, uma espécie de cabra selvagem montanhesa. Sabe aquele animal de chifres enormes, símbolo do signo de capricórnio? Pois bem, esbarrei com um casal deles, os quais literalmente gritaram de susto, ou melhor, emitiram um som estridente que me deixou atordoado. Fiquei totalmente sem reação, estático e espantado.

Eu me diverti também subindo outra montanha chamada First, no movimentado vilarejo de Grindelwald. Porém agora de teleférico, pois desejava fazer uma caminhada na parte alta até uma região de lagos. Foi o que fiz, caminhei muito por lindas trilhas, de onde se via lá em baixo alguns vilarejos, florestas de eucaliptos e pequenas fazendas. O céu estava colorido, não só com o azul turquesa, mas repleto de objetos coloridos que se moviam majestosamente. Eram parapentes de todas as cores e tamanhos. Eles subiam e desciam como queriam, aproveitando as ótimas térmicas daquele vale encravado nas montanhas. Alguns se arriscavam com rasantes muito próximos de onde eu caminhava, assustando as enormes vacas leiteiras que por lá pastavam. Chegando ao lago escuro e frio, lá me sentei a sua margem – assim como muitas famílias – para comer meu sanduíche improvisado. Enquanto comia e observava algumas pessoas pescando, meu pensamento fluía em todas as direções. Dei-me conta do quanto estava sentindo falta da Karina e como gostaria de compartilhar com ela aquele visual cinematográfico.

Viajar sozinho é bom. Fiz muito isso. É diferente, não melhor ou pior do que viajar acompanhado. Na verdade, viajar bem acompanhado, porque não há nada pior do que gastar momentos preciosos de suas férias com uma má companhia. Quando se viaja sozinho há naturalmente maior introspecção, mais insights e reflexão. Também, durante uma viagem independente, está-se mais aberto as pessoas. Temos mais facilidade de fazer novas amizades e compartilhar experiências, seja com locais ou outros viajantes. Porém, aquela viagem era nossa, nosso projeto, nosso sonho, era algo para ser dividido, vivido junto.

Deixei o lago para trás e continuei caminhando até que minhas pernas começaram fatigar. Como sabia que havia teleférico para todo lado, fui caminhando até onde eu aguentasse. Cansado, dirigi-me à cabine mais próxima. Lá descobri que havia patinetes para alugar. Sendo assim, desci uma estreita trilha asfaltada montanha abaixo, cruzando pequenos sítios até chegar à base do teleférico. Foi muito divertido! Os suíços são demais!

A cirurgia do Nelso – pai da Karina – havia sido um sucesso. Ao invés de retirar o único rim, os médicos o retiram, extraíram o tumor e o reimplantaram. Os dedicados e competentes médicos realizaram um grande feito! Como sempre, Nelso estava se recuperando bem e seu rim voltou a funcionar normalmente. Ele ainda estava na UTI e havia muita coisa pela frente, mas o clima de felicidade e otimismo tomou conta de todos nós. Com coração aliviado, viajei tranquilo de trem para Itália, uma viagem linda pela ferrovia chamada Centovalli (“Cem Vales”). O trem percorre longos túneis que passa por debaixo dos Alpes até chegar à espetacular região do lago Maggiore. O aspecto das construções e das pessoas, assim como o idioma, era outro, dando uma vontade de explorar aquele país. Mas não agora. Meu destino já estava traçado e a direção era a Grécia.



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