A Gigante China
da redação, Texto: Pablo e Karina
13 de dezembro 2013 - 11:00
 
 
 
  • Foto: Karina e Pablo
    Trem Lhasa para Xian Foto: Karina e Pablo
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    Trem Lhasa para Xian " Foto: Karina e Pablo
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    Trem Lhasa para Xian " Foto: Karina e Pablo
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    Trem Lhasa para Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Trem Lhasa para Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Trem Lhasa para Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Quarteirão Mulçumano em Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Quarteirão Mulçumano em Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Quarteirão Mulçumano em Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Xian" Foto: Karina e Pablo
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    Abertura estratégica para crianças sem frauda." Foto: Karina e Pablo
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    Casa de Banho do Imperador" Foto: Karina e Pablo
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    Casa de Banho do Imperador" Foto: Karina e Pablo
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    Casa de Banho do Imperador" Foto: Karina e Pablo
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    Casa de Banho do Imperador" Foto: Karina e Pablo
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    Casa de Banho do Imperador" Foto: Karina e Pablo
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    Casa de Banho do Imperador" Foto: Karina e Pablo
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    Guerreiros de Terracota" Foto: Karina e Pablo
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    Guerreiros de Terracota" Foto: Karina e Pablo
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    Guerreiros de Terracota " Foto: Karina e Pablo
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    Guerreiros de Terracota" Foto: Karina e Pablo
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    Carrefour Chinês" Foto: Karina e Pablo
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    Flor de Lotus" Foto: Karina e Pablo
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    MT. Huashan" Foto: Karina e Pablo
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    MT. Huashan" Foto: Karina e Pablo
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    MT. Huashan" Foto: Karina e Pablo
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    MT. Huashan " Foto: Karina e Pablo
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    Pandas em Chengdu" Foto: Karina e Pablo
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    Pandas em Chengdu" Foto: Karina e Pablo
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    Pandas em Chengdu " Foto: Karina e Pablo
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    Pandas em Chengdu" Foto: Karina e Pablo
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    Pandas em Chengdu" Foto: Karina e Pablo
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    Pandas em Chengdu " Foto: Karina e Pablo
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    Pandas em Chengdu" Foto: Karina e Pablo
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    Pandas em Chengdu " Foto: Karina e Pablo
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    Buda Gigante de Leshan" Foto: Karina e Pablo
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    Buda Gigante de Leshan" Foto: Karina e Pablo
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    Buda Gigante de Leshan" Foto: Karina e Pablo
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    Buda Gigante de Leshan" Foto: Karina e Pablo
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    Buda Gigante de Leshan" Foto: Karina e Pablo
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    Mt. Emei " Foto: Karina e Pablo
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    Mt. Emei." Foto: Karina e Pablo
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    Mt. Emei" Foto: Karina e Pablo
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    Mt. Emei" Foto: Karina e Pablo
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    Mt. Emei" Foto: Karina e Pablo
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    Mt. Emei" Foto: Karina e Pablo
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    Hong Kong" Foto: Karina e Pablo
  • Foto: Karina e Pablo
    Hong Kong" Foto: Karina e Pablo
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    Museu de Ciências em HK " Foto: Karina e Pablo
  • Foto: Karina e Pablo
    Museu de Ciências em HK " Foto: Karina e Pablo
 

Como se aventurar numa volta ao mundo e não conhecer a gigante China, o país mais populoso do mundo, com mais de 1,3 bilhão de habitantes, cerca de um sétimo da população do planeta? Um país misterioso, repleto de lendas e histórias que remontam seus mais de 5.000 anos de civilização. Berço de uma medicina milenar, de uma arte esplendorosa, da acupuntura, das construções belas, palco de grandes impérios, das gueixas e concubinas, da filosofia, do taoísmo, terra do filósofo Confúcio, das lutas marciais, dos inventores da pólvora, macarrão e chá, grande potência econômica e bélica, suposta futura liderança mundial, enfim, um mundo enigmático e repleto de curiosidades para nossos olhos ocidentais.

Entretanto, sinceramente, depois de passar pelo Tibet e presenciar o sofrimento daquele povo, estávamos com certa “birra” dos chineses. Nosso plano inicial seria passar pelo menos 30 dias na China. Mas depois do Tibet começamos a nos questionar se não deveríamos encurtar nossa passagem por aquele país. Se não bastasse aquela má impressão dos chineses, tivemos uma péssima experiência em nosso primeiro trem chinês.

Provavelmente 99% da população masculina chinesa sejam fumantes. Os chineses fumam o tempo todo e em todo lugar, ambientes abertos e fechados, inclusive dentro dos restaurantes e trens lotados (exceto no trem bala). Há um espaço determinado para fumar, entre um vagão e outro, mas de qualquer forma o cheiro se espalha por todo trem, o que tornou nossa interminável viagem de 33 horas, entre Lhasa e Xian, ainda mais difícil. Se não bastasse, eu e a Karina fomos instalados em cabines diferentes.

Embora apertadas, as cabines são boas. Em cada uma delas há dois triliches, cabendo seis pessoas deitadas, três de cada lado. As camas são limpas e confortáveis. Entretanto, no meio da noite acordei por conta de um forte cheiro de cigarro. Quando olho do alto do último andar do triliche vejo três chineses fumando no escuro. Acordei injuriado, gritando “no smoke, no smoke” e fui atrás de uma funcionária da companhia de trem. Ninguém falava inglês. Encontrei no guia de viagem o símbolo chinês para palavra asma e fiquei apontando insistentemente, tentando arrancar alguma atitude positiva daquela mal humorada comissária de bordo. Causei um tumulto e muitas pessoas tentaram participar ou ajudar, sem muito resultado, nem a velha e infalível mímica estava surtindo efeito.

Eu estava prestes a socar meus colegas de cabine quando uma jovem chinesa se aproximou e se prontificou a traduzir a conversa. No final das contas, vendo que nossa situação não seria resolvida, ela e seu namorado sugeriram trocar de cabine conosco. Nossa viagem tem sido assim, repleta de histórias nas quais surgem pessoas boas para nos ajudar em momentos difíceis. Talvez sejam anjos atendendo aos apelos de proteção da família e dos amigos. A querida Angela nos mandou quatro anjinhos, um na frente, outro atrás e os outros dois de cada lado. Vejam que só ela nos enviou 8 anjos!

Agora revendo os fatos passados e o contexto, reconheço que tive uma reação desproporcional. Posso ver as expressões das pessoas não entendendo minha indignação. Com as medidas de restrição de áreas para fumo no Brasil, tornamo-nos cada vez mais intolerantes com o cigarro e com o seu cheiro. Esquecemos que há poucas décadas o Brasil não era muito diferente do que é a China hoje. Portanto, tratava-se de uma diferença cultural, cujo “o estranho no ninho” naquele momento éramos nós.

Depois deste episódio fatídico, o resto da viagem na ferrovia mais alta do mundo passou tranquilamente. Éramos sempre motivo de conversas e olhares dos colegas de vagão. Em meio aquele oceano de “olhos puxados”, nós invariavelmente nos tornávamos atração turística local. As crianças lançavam olhares curiosos. Nós brincávamos com elas, arrancando-lhes sorrisos tímidos e a simpatia da sua família. Passamos a observar os hábitos, expressões, atitudes, gestos, enfim, a cultura chinesa ao vivo e cores diante de nossos olhos e sentidos.

De tempos em tempos algumas pessoas tentavam se comunicar conosco, mas sequer nosso país de origem eles conseguiam entender. Tempos depois descobrimos que a palavra “Brasil” se pronuncia “Bachi” em chinês. A comunicação na China é realmente muito difícil. Se não bastasse o alfabeto impossível de se aprender, há uma série de entonações de uma mesma sílaba, dando significados totalmente diferentes para uma mesma palavra. Portanto, mesmo quando conseguíamos decorar uma palavra ou frase em chinês, no momento de pronunciá-las poucos locais nos entendiam. Sendo assim, passamos a nos socorrer de dois recursos de comunicação muito úteis: primeiro utilizar um tradutor no telefone, segundo pedir ajuda para jovens chineses, os quais, em sua maioria, falam um pouco de inglês, especialmente em cidades maiores.

As crianças chinesas são lindas! Simpáticas e curiosas. Em todo lugar nossa aparência ocidental lhes hipnotizavam. Nós não perdíamos tais oportunidades para brincar e interagir com elas. As mães consentiam com seus sorrisos e expressão de orgulho. Há uma curiosidade a respeito das crianças chinesas. Elas não usam fralda! Em contrapartida, há uma abertura estratégica que permite que a criança faça suas abluções a qualquer momento e lugar. Não há costura entre as costas (altura da cintura) até o cós. Muitas mães carregam um saco plástico consigo para recolher os resíduos sólidos, como nós fazemos com nossos cachorros.

Voltando a nossa experiência no trem mais alto do mundo, foram horas e horas de trocas de olhares e sorrisos, enquanto gastávamos o tempo jogando baralho. Alguns senhores pareceriam querer jogar conosco. Os chineses adoram viajar de trem. Há uma sólida cultura do trem na China, com hábitos peculiares. Cada passageiro traz consigo uma sacola enorme de comida embutida, mesmo para um trecho curto. Entre os apetrechos culinários nunca falta o “noodle”. Aquele copo grande de macarrão instantâneo no qual se adiciona água quente (toda cabine há água quente) e em poucos minutos a refeição está pronta. Da mesma forma sempre levam consigo pimenta, aquela que arde só de olhar e o indispensável pé de galinha. Os chineses são aficionados por esta parte da galinha. Em todo supermercado se pode encontrar pé de galinha em embalagem a vácuo, às vezes há corredores imensos vendendo esta iguaria. Enfim, a alimentação no trem não era das mais simpáticas, noodle, pé de galinha, pimenta, salsicha, bastão de carne seca e outras coisas estranhas, as quais juntas exalavam um cheiro sinistro. Vamos que vamos, tudo faz parte da experiência!

Chegamos à Xian no começo da noite. Estação ferroviária imensa, muita gente andando de lá para cá e somente nós de estrangeiros. Naquele momento, provavelmente nosso semblante era de dois cachorrinhos assustados. Tínhamos reserva num hostel e mostramos o endereço para um taxista, o qual logo se prontificou a nos levar no seu “bumbum”. Não faça mal juízo do veículo deste simpático condutor. O “bumbum” é versão chinesa do tuktuk (espécie de moto, com cabine traseira para duas pessoas). Assim, saímos naquela noite escura cruzando aquela cidade incrivelmente iluminada e vibrante. Nossos olhos assustados brilhavam, refletindo as cores caleidoscópicas dos outdoors, como crianças diante das luzes de natal.

Nosso motorista (irmão gêmeo do Jack Shan) era todo sorrisos, enquanto cruzava avenidas, disputava espaço com motos e bicicletas na ciclovia, apontava para algumas atrações turísticas, subia em calçadas e parava pessoas para perguntar informação a respeito do endereço que lhe demos. Nosso divertido condutor tentava no dizer que havia algo errado com o endereço. Vendo nossa dificuldade de comunicação e ar de perdidos, um grupo de adolescentes veio em nossa direção, propondo-se a ajudar. Muito simpáticas e sorridentes, elas fizeram muitas ligações, discutiam entre si, acessaram googlemaps em seus modernos celulares e finalmente descobriram que o endereço que dispúnhamos estava errado. Elas fizeram questão de caminhar alguns quarteirões e nos deixar dentro do hostel, inclusive confirmando a disponibilidade de nossa reserva. Tentamos pagar a mais ao nosso “Jack Shan” pela imensa paciência, mas ele recusou veemente. Sendo assim, logo nas primeiras horas de China nosso preconceito foi atropelado por seguidos exemplos de gentileza gratuita e boa índole. A primeira grande conclusão é de que não podemos confundir “governos” e “pessoas” (fazendo alusão ao massacre cultural chinês no Tibet). Daí em diante, vestindo as lentes da tolerância cultural, passamos a olhar tudo diferente e desfrutar de bons momentos na China, a ponto de estender nossa estadia para além da previsão inicial.

É claro que alguns hábitos ainda nos causaram irritação e, às vezes, repugnância. Os chineses falam aos berros. Simples conversas parecem brigas fervorosas. Escarradas são frequentes e expelidas em qualquer lugar. Algumas delas são precedidas de longas e sonoras sugadas. Às vezes brincávamos, “esse ai fez tanta força que vai cuspir o cérebro”. Dedos no nariz e orelhas se tornaram rotina, assim como peidos e arrotos. Todos os banheiros exalam um odor terrível. Falando a respeito disso com locais, ouvimos deles a seguinte resposta: “é natural que um local onde se urine, cheire urina”. Higiene não é um forte chinês, nem mesmo em restaurantes de padrão superior. A regra entre nós era: não olhe muito para os lados, especialmente na direção da cozinha. Outra característica chinesa é o “empurra-empurra” e os ladinos “fura fila”, especialmente nos trens, metrôs e guichês. Da mesma forma é a obsessão deles por fotos. Fotografam tudo e todos, a qualquer momento, com suas potentes câmeras, sem sequer observar o que estão mirando. Em muitas ocasiões quando estávamos fotografando algo qualquer, eles se atravessavam na nossa frente para tirar a mesma foto. E por ai vai. Ainda assim se nos perguntarem o que achamos dos chineses, diremos sem titubear: adoramos!

Ficamos muito bem hospedados num “hostel” em Xian. Aliás, este tipo de hospedagem é uma excelente opção na China, o qual, além de confortável, dispõe de excelentes serviços turísticos. Iniciamos uma nova etapa da viagem, com mais comodidade, alimentando-se melhor (recuperando os quilos perdidos no Nepal) e se deslocando com facilidade, apesar das grandes distâncias (rodamos mais de 10.000 quilômetros). As cidades chinesas são sabidamente muito populosas, porém organizadas e com excelente infraestrutura. A eficiência do transporte público salta aos olhos. O país inteiro é interligado por trens e as cidades por metrô. Além disso, há corredores para bicicletas (comuns e elétricas) e motos (também elétricas). A ausência de ruídos e poluentes dos veículos elétricos é algo que nos chamou a atenção. Imaginávamos encontrar muita poluição e longas filas de trânsito, pelo contrário, deparamo-nos com uma incrível mobilidade urbana a baixo custo. Motocicletas elétricas são vendidas no Carrefour por U$ 500,00! Por que nosso país, rico em energia elétrica, não fomenta esta opção ecologicamente correta?

Sim, há imensos edifícios para todos os lados, mas ao mesmo tempo há muitos espaços públicos, como praças, monumentos, fontes, canteiros de flores (paixão da Kaká), tudo muito arborizado, onde há equipamentos para ginástica. Espaços estes bem cuidados e apoderados pela população. Nós nos divertíamos com a “dança das mulheres” no final do dia. Grupos grandes de mulheres, de todas as idades, reúnem-se diariamente nas praças para praticarem uma espécie de dança sincronizada. Geralmente, há uma pessoa que guia os passos ao som de uma suave música vinda de uma caixa de som portátil. Qualquer pessoa pode participar e acompanhar o grupo. A Karina se aventurou algumas vezes e gostou. Vimos isso se repetir em todo país, em praças, em frente aos shoppings, calçadões etc. Elas evidentemente se divertiam muito, sem falar nos benefícios para saúde física e mental.

Presenciamos também grupos de cegos em praças (as cidades são projetadas para integrar os portadores de deficiência). Outro aspecto bacana é que em nenhum outro país encontramos tantos idosos verdadeiramente integrados às rotinas da sociedade. Eles estão por todo lado, especialmente com seus netinhos se divertindo em espaços públicos. Por aqui há uma paixão nacional pela peteca, porém utilizando os pés. Cheguei a me arriscar um pouco, pois me parecia fácil ver os idosos com tamanha desenvoltura. Fui um fracasso total, uma decepção para o estrangeiro vindo do país do futebol.

A cidade amuralhada de Xian está localizada na bacia do Rio Amarelo (A China é cortada por dois grandes e importantes rios: Amarelo e o Yangtze), no coração do país, e conta com mais de sete milhões de habitantes. Ela é um dos principais berços da civilização chinesa. Nela se encerrava a famosa “Rota da Seda”. Xian tem mais de 3.000 anos de história, dos quais durante 1.100 anos foi a capital de algumas dinastias chinesas, proporcionando-lhe um patrimônio histórico incrível. Visitamos lindas Pagodas (construção que, a exemplo da estupa, tinha a função religiosa de abrigar relíquias budistas) e sítios arqueológicos, com destaque muito especial aos Guerreiros de Terracota. Durante a dinastia Quin foram construídas réplicas do exército, animais e serviçais para que fossem enterradas juntamente com o imperador, de forma a lhe auxiliarem no outro plano. A quem acredite que as imagens de terracota foram criadas para substituir o enterro dos reais guerreiros, que por si causariam um profundo desfalque ao próximo imperador. A precisão de detalhes e expressão em cada guerreiro é espetacular. Não há sequer uma estatua igual à outra. Ficamos atordoados com o tamanho e a beleza artística daquele imenso mausoléu.

Próximo a Xian há uma das quatro montanhas sagradas do taoísmo: Mt. Huashan. Embora houvesse um teleférico para subir as lindas montanhas em pedra maciça, decidimos encarar as quatro horas e meia de subida, sendo parte delas em escadaria íngreme (quase negativo, com suporte de correntes) cavada na pedra. A paisagem é deslumbrante e a vista recompensadora. Fechar os olhos, inspirar a paz que de lá emanava, sentir o vento acariciar nossos rostos foi um emoção memorável.

O Taoísmo, Confucionismo e o Budismo são as três filosofias-religiões que moldaram a cultura chinesa. O Taoísmo nasceu como o pensador Lao Tsé, envolvendo lendas fascinantes. Ele escreveu um legado no qual leciona que uma pessoa comum pode atingir a imortalidade, com base na retidão de sua conduta moral. Ele prega a humildade, ternura e a “não ação”, o que em essência significa seguir as Leis da Natureza. Dentro de seu pensamento dialético, explica que as coisas se desenvolvem na direção oposta quando se tornam extremas. Defende que a flexibilidade pode derrotar a força. A água é utilizada como metáfora para explicar a virtude da flexibilidade. “Nada pode ser mais flexível e macio do que a água, mas ela pode derrotar todos os obstáculos”. Curioso, não? Inspirados com esta filosofia, nós nos questionamos: quão distante estamos da natureza? Ainda temos ouvidos e sensibilidade para seguir seus ensinamentos? Quantos ensinamentos dos nossos antepassados, construídos a partir da observação da natureza, vem se perdendo?

Deixamos Xian com destino a Chengdu, mais de 16 horas de trem. Desta vez fizemos um upgrade de classe, para quatro pessoas na cabine, com porta fechada. Ficamos isolados do barulho e do cheiro de cigarro, proporcionando-nos uma noite bem dormida no embalo gostoso do trem. Já que água quente é abundante na China, compramos uma garrafa térmica para fazer nosso próprio café e chá. Como bons brasileiros, não conseguimos abrir mão de um cafezinho gostoso matutino. Passamos a preparar nosso próprio café da manhã, pois acompanhar o hábito chinês de comer arroz pela manhã não dava. Nossa primeira visita a um supermercado foi um susto, pelo tamanho e variedade de produtos. Havia os itens dos quais estamos acostumados a encontrar, mas também uma infinidade de outros desconhecidos. Além de um mundo de apetitosos legumes e vegetais frescos, encontramos estranhos animais vivos. Sim, na China é comum venderem os animais vivos, inclusive nos restaurantes. Peixes, tartarugas, sapos, frangos, mariscos e outros seres indecifráveis. Imagine-se entrar no Pão de Açúcar e colocar uma rã viva no seu carrinho de compras!

Como é bom viajar de trem, o que nos fez refletir porque não há trens no Brasil. Pontualidade, limpeza, rapidez, segurança, não poluente, possibilidade de descansar enquanto se locomove, etc, essas são algumas das vantagens deste meio de transporte de coisas e pessoas. A infraestrutura chinesa é algo invejável, estradas, pontes, túneis, trens, metrô, cidades, ruas, pavimentação, calçadas, praças, tudo com planejamento de longo prazo. No Brasil se demora anos para construir uma estrada cujo projeto, além de superfaturado, já nasce defasado. Foi embaraçoso responder aos chineses curiosos que praticamente não há trens no imenso e populoso Brasil.

Estávamos ansiosos para chegar em Chengdu, pois lá havia o maior centro de proteção e reprodução de “Giant Pandas” da China e consequentemente do mundo. Afinal, não há pandas selvagens em outro lugar senão na China. Os pandas são muito sonecas e por esta razão fomos orientados a visitá-los cedo, enquanto são alimentados. Esperávamos um zoológico tradicional, grades e animais à distância. Seguimos inquietos pelos caminhos que cruzavam grandes espaços arborizados a busca destes animais. Será que o pandas eram tão doces e fofos como os ursos de pelúcia e desenhos nos mostravam? Havia placas dando direções, mas só o que encontrávamos eram áreas verdes. Foi então que repentinamente dos deparamos com um panda gigante comendo um calhamaço de bambu. Foi um choque tremendo! Estávamos a pouquíssimos metros daquele animal. Não havia grades ou correntes, apenas um fosso que nos separava. Era possível observar seus gestos, suas expressões, a forma como manuseavam o bambu, penetrar nos seus olhos, enfim, participar do desjejum deste lindo animal.

Os Pandas eram realmente tudo aquilo que nosso imaginário esperava. Talvez mais. Não, não, definitivamente, ele era muito mais gracioso do que esperávamos.
Decidimos seguir adiante e ver o que estava acontecendo no espaço seguinte e fomos presenteados com um grupo de oito pandas comendo juntos. Karina não se conteve e desatou de chorar de emoção. Abracei-a, com coração feliz! Lançávamos olhares apaixonados para eles e eles nos devolviam com palhaçadas entre si. Caiam enquanto comiam, brincavam, espreguiçavam-se, enquanto os visitantes disparavam suas câmeras. Visitamos todos os espaços, assim como os pandas vermelhos e um hospital veterinário. Os pandas estão em extinção e havia ali um trabalho muito sério e bonito para preservá-los. Um grande esforço para reproduzi-los em cativeiro. Ao lado dos elefantes, os pandas gigantes se tornaram nosso animal predileto!

Em Chengdu pretendíamos renovar nosso visto, mas não tínhamos ideia de qual seria o procedimento. Neste e tantos outros momentos, encontramos pessoas na China dispostas a nos ajudar. Pessoas que pararam o que estavam fazendo ou desviam seu percurso para nos acompanhar e auxiliar. Infelizmente, a China não permite renovação de visto dentro do seu território, portanto, deveríamos sair do país e pedir um novo visto. Descobrimos que a melhor opção seria viajar até Hong Kong. Este é um cuidado para quem deseja viajar para o Tibet e depois seguir para China. Exercitando o desapego e abrindo mão das expectativas, refizemos nosso roteiro e compramos nossas passagens para a famosa Hong Kong.

Antes disso, dedicamos os dias que nos faltavam para conhecer o Buda Gigante de Leshan e a Montanha Emei. Em Leshan há o maior Buda de pedra do mundo, alcançando a impressionante altura de 71 metros, posicionado na confluência dos rios Minjiang, Dadu e Qingyi. A construção foi iniciada no ano 713 dC, liderado por um monge chinês chamado Haitong. O propósito da construção era acalmar as águas turbulentas que causavam naufrágios de navios de pesca e consequentemente muitas mortes. Diz a lenda que quando o financiamento para o projeto foi ameaçado, o monge Haitong arrancou os próprios olhos para mostrar sua devoção e sinceridade. Aparentemente, a construção maciça removeu tanta pedra da face do penhasco, a qual foi depositada no rio abaixo, que as correntes foram de fato alteradas, tornando as águas seguras aos pescadores.

Aqui ouvimos novamente a história que me libertou de um “trauma” infantil. Meus irmãos me chamavam de “orelha”, quando criança (às vezes ainda hoje), em razão de meu avantajado lóbulo auricular. Se observar bem, todos os Budas são dotados da mesma característica física, a qual, segundo a filosofia e religião budista, significa sabedoria e espiritualidade. Meus queridos irmãos Xande e Malcon podem me chamar o quanto quiser de “orelha” que agora isto só fará me sentir mais orgulhoso e sábio (risos).

A exuberante Montanha Emei, por sua vez, integra também o grupo das quatro montanhas sagradas do budismo chinês. Nela foi construído o primeiro templo budista da China há quase 2.000 anos. De acordo com o material arqueológico, há 5.000 anos o Imperador Xuanyuan visitou a montanha para adquirir conhecimentos do Tao. Além de um conjunto de lindas montanhas, cobertas por uma densa floresta, na Montanha Emei há templos, construções milenares e um importante sítio arqueológico (esculturas, túmulos, inscrições em pedra, caligrafia, pintura e artefatos), tornando-a patrimônio natural e cultural da humanidade pela Unesco. Infelizmente o tempo não estava muito bom, comprometendo a famosa visão panorâmica do seu pico mais alto (3.079 metros). Concentramos nossa visita à chamada “Cúpula de Ouro” e aos lindos templos.

Há muitas opções de trilhas e montanhas na China, com templos e monumentos em seu topo. Quando se pensa num local desse, vem à mente a imagem de uma trilha rústica e contato com a natureza. Entretanto, percebemos que na China as coisas não funcionam bem assim. Qualquer que seja a atração natural sempre haverá estradas asfaltadas, trilhas pavimentadas, corrimão, transporte público, teleféricos, comércio por todo lado e um mar de chineses visitando e comprando. De fato, os lugares são lindos, mas essa infraestrutura e consumismo roubam um pouco o brilho do local. Além disso, os templos budistas, apesar de lindos, pareceram-nos vazios de “corpo e alma”.

Os poucos monges que encontramos mais pareciam funcionários públicos do que devotos religiosos. Eu e a Karina tivemos a mesma impressão, de que faltava espiritualidade naquele local sagrado. Sentimos falta da paz e da energia pulsante que emanava dos templos budistas do Nepal, Tibet e Butão, onde bastava fechar os olhos para mergulhar em oração e conexão com o divino. Enquanto nos templos chineses, tudo parecia tão artificial e superficial. Tínhamos que nos esforçar para meditar, sempre perturbados pelos espalhafatosos turistas chineses, esbarrando-se uns nos outros, fixados por fotografias, sem sequer parar por um segundo para simplesmente contemplar o local. Não é difícil constatar que a milenar religiosidade chinesa se perdeu, quase que completamente, durante o período comunista.

Talvez você esteja se perguntando por que ir para Hong Kong para renovar o visto? Hong Kong não faz parte da China? Reposta: sim e não! Assim como Macau, Hong Kong é considerada região administrativa especial da República Popular da China. Por ter sido por muitos anos colônia britânica, sendo devolvida à China apenas em 1997, esta cidade-país goza de grande autonomia e garantias constitucionais, exceto para aspectos militares.

Hong Kong não nos cativou, uma pequena península repleta de prédios gigantes e uma multidão de pessoas se espremendo nas calçadas. É uma das áreas mais densamente povoadas do mundo. Tudo bem que o tempo estava chuvoso e acabamos não visitando as ilhas e outros pontos turísticos aparentemente interessantes. Hong Kong é o paraíso do consumo de luxo. Provavelmente, não há outro local no mundo como aquele. Há quarteirões e quarteirões de lojas de altíssimo padrão funcionando até tarde, visitadas pelos milionários chineses. À noite, há um show de luzes e cores deste mar de consumo. Hong Kong oferece aos seus turistas o oposto daquilo que estávamos buscando. Valeu a experiência de qualquer forma, mas especialmente o visto de reingresso na gigante China, cuja segunda parte será relatada no próximo texto.

XieXie (Obrigado)!

 



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• Recomendamos a leitura do livro da Sonia Bridi: Laowai
• Mapa do roteiro: http://www.tripline.net/trip/China-34730043776110068AF7E1D06C61888E
• Próximo post: A Gigante China – Parte 2.
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