Butão: O país da Felicidade
da redação, Texto: Pablo e Karina
14 de setembro 2013 - 15:36
 
 
 
  • Foto: Karina e Pablo
    Tiger Nest. Cartão postal do Butão. Muita gratidão Foto: Karina e Pablo
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    Do avião, a cordilheira dos Himalaias, em especial aquela pontinha: o Everest! " Foto: Karina e Pablo
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    Do avião, a cordilheira dos Himalaias, em especial aquela pontinha: o Everest! " Foto: Karina e Pablo
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    Templo na cidade de Thimpu." Foto: Karina e Pablo
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    Linda butanezinha..." Foto: Karina e Pablo
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    Nosso primeiro almoço no país." Foto: Karina e Pablo
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    O lindo Buda no alto da montanha." Foto: Karina e Pablo
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    O Takin. Animal típico do Butão." Foto: Karina e Pablo
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    Lindos templos" Foto: Karina e Pablo
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    Thimpu." Foto: Karina e Pablo
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    Todas carregam os bebês dessa forma." Foto: Karina e Pablo
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    Guarda de trânsito" Foto: Karina e Pablo
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    O Rei e a Rainha do Butão. Muito queridos por aqui." Foto: Karina e Pablo
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    Nós." Foto: Karina e Pablo
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    As lindas estupas que estão a mais de 3000 metros de altitude." Foto: Karina e Pablo
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    Camponesa" Foto: Karina e Pablo
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    Lugares lindos" Foto: Karina e Pablo
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    Monges descansando no teplo da fertilidade em Punakha." Foto: Karina e Pablo
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    A figueira" Foto: Karina e Pablo
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    O teplo da fertilidade em Punakha." Foto: Karina e Pablo
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    Dezenas de monges estavam tendo aula de música para entoar a longa corneta tibetana." Foto: Karina e Pablo
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    Dezenas de monges estavam tendo aula de música para entoar a longa corneta tibetana. " Foto: Karina e Pablo
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    Dezenas de monges estavam tendo aula de música para entoar a longa corneta tibetana." Foto: Karina e Pablo
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    Dezenas de monges estavam tendo aula de música para entoar a longa corneta tibetana." Foto: Karina e Pablo
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    O templo" Foto: Karina e Pablo
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    Plantação" Foto: Karina e Pablo
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    Lindo vilarejo" Foto: Karina e Pablo
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    Dezenas de monges estavam tendo aula de música para entoar a longa corneta tibetana." Foto: Karina e Pablo
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    Penis. Sinal de fertilidade e prosperidade. Está na maioria das paredes das casas e comércios." Foto: Karina e Pablo
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    Lindo templo "Dzong” Pungtang Dechen Photrang em Punakha." Foto: Karina e Pablo
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    Linda ponte no tempo Dzong" Foto: Karina e Pablo
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    Entrada do templo" Foto: Karina e Pablo
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    O templo" Foto: Karina e Pablo
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    Nós e o lindo templo" Foto: Karina e Pablo
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    Pate interna do templo" Foto: Karina e Pablo
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    Linda ponte suspensa em Punakha." Foto: Karina e Pablo
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    Felicidade. " Foto: Karina e Pablo
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    A ponte" Foto: Karina e Pablo
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    rssss..." Foto: Karina e Pablo
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    Karina." Foto: Karina e Pablo
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    Uma fotinho de lembrança a dois." Foto: Karina e Pablo
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    Sempre bagunçando com a criançada." Foto: Karina e Pablo
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    Sempre bagunçando com a criançada." Foto: Karina e Pablo
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    Banho de rio pra lavar a alma!" Foto: Karina e Pablo
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    Karina só olhando." Foto: Karina e Pablo
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    Outra vista do templo." Foto: Karina e Pablo
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    Um estupa." Foto: Karina e Pablo
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    Lindas paisagens." Foto: Karina e Pablo
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    Flores." Foto: Karina e Pablo
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    A bandeira do Butão." Foto: Karina e Pablo
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    Templo em Paro" Foto: Karina e Pablo
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    A vista do templo em Paro" Foto: Karina e Pablo
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    Dentro do templo em Paro" Foto: Karina e Pablo
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    Rodas de oração." Foto: Karina e Pablo
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    Roupas típicas." Foto: Karina e Pablo
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    Nossos guias butaneses." Foto: Karina e Pablo
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    Lá em cima o famoso Tiger Nest." Foto: Karina e Pablo
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    Lá em cima o famoso Tiger Nest. " Foto: Karina e Pablo
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    Subindo." Foto: Karina e Pablo
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    Tiger Nest. Cartão postal do Butão." Foto: Karina e Pablo
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    Felicidade." Foto: Karina e Pablo
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    Olha a construção." Foto: Karina e Pablo
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    Na última noite, fomos jantar na casa de uma família butanesa. " Foto: Karina e Pablo
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    Karina." Foto: Karina e Pablo
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    Dança típica butanesa." Foto: Karina e Pablo
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    Dança típica butanesa." Foto: Karina e Pablo
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    Dança típica butanesa." Foto: Karina e Pablo
 

Como fomos obrigados a aguardar mais alguns dias até que nosso “permit” para ingresso no Tibet ficasse pronto, retomamos nosso sonho de conhecer o Butão. Este destino havia sido descartado por conta dos elevados custos e outros obstáculos. Fizemos muitas contas e ponderamos muitas questões, especialmente o fato de que estávamos tão próximos desta pequenina e isolada nação, considerada o “país da felicidade” (explicaremos mais a frente).

Visitar o Butão definitivamente estouraria nosso orçamento, mas como havíamos gasto pouco na Índia e apertaríamos o cinto na China, decidimos incluir este destino pouco turístico e não menos fantástico. Uma vez que a decisão foi tomada, passamos a desfrutar da deliciosa sensação de conhecer este país exótico.

Este episódio ilustra bem um poderoso ensinamento adquirido ao longo destes meses de viagem: deixar se levar e abrir mão do controle. Naturalmente quando se imagina uma viagem dos sonhos, a primeira coisa que se vem à mente é o “planejamento”. Como tirar o melhor proveito da viagem, controlar os gastos, visitar muitos lugares, fazer reservas, deslocamento, desfrutar intensamente, passagens aéreas e muitos outros detalhes. Porém, este natural desejo pode se tornar um excesso de controle que fatalmente irá minar o brilho da viagem. Explicaremos melhor. Uma viagem milimetricamente planejada levará a duas possibilidades.

Primeira hipótese. Invariavelmente haverá muito esforço para que tudo ocorra conforme o planejado e, se tudo der certo, será uma viagem tensa. A pessoa ficará sempre preocupada com o próximo passo, sem perceber as infinitas possibilidades que a rodeiam. Muitas coisas maravilhosas se tornam invisíveis aos olhos apressados e reflexivos deste viajante organizado. Até porque elas não estavam previstas, e, portanto, não caberão no rígido itinerário. Perde-se uma paisagem inusitada, um por do sol sem fim, um sorisso maroto, um perfume de uma flor, uma performance artística numa praça, uma dica de alguém experiente, um novo amigo em potencial, um cachorro pidão, um novo destino de última hora, um olhar de uma criança, aderir ao programa de um grupo desconhecido e, quem sabe, um amor em potencial (aos solteiros), e por ai vai.

Segunda hipótese. Porém, se alguma coisa der errado, e a experiência nos mostra que geralmente dá, a frustração é inevitável. O que deveria se tornar um momento de alegria, há tanto esperado, torna-se estressante. Se não bastasse, a frustração e a irritação desencadeiam outro sentimento negativo, a culpa. A culpa por não estar aproveitando como se “deveria”, um remorso por ter permitido que o sonho se tornasse num pesadelo. Na verdade, cria-se para si um campo minado, ou seja, uma série de oportunidades para se desiludir e irritar.

Os momentos mágicos e inesquecíveis são aqueles que justamente não imaginávamos, ou seja, justamente o oposto do controle. Pode até parecer parodoxal, caso se espere grandes experiências de uma viagem, abra mão totalmente delas, desista de tentar direcioná-las ou prevê-las.
Na verdade o controle é uma grande ilusão criada pela nossa mente, pelo nosso ego que nos faz viver no futuro, raptando-nos do único lugar onde se pode ser feliz, o momento presente. Não temos controle do futuro, sequer temos certeza se estaremos vivos nas horas seguintes. O futuro é uma página em branco, um mar de possibilidades, para o qual às vezes podemos olhar de relance para direcionar uma longa caminhada, mas jamais entregar a ele nossa felicidade.

Foi neste espírito que incluímos a Butão no nosso roteiro. Sem muitas expectativas, colhemos algumas dicas de pessoas experientes e solícitas, Susanna e Cris (gratidão a elas), e partimos com um friozinho na barriga. Depois de 40 dias de Nepal, já havíamos nos acostumado com a cultura local. Agora seria tudo novo mais uma vez, novo idioma, moeda, cotação, alimentação, vestimentas, paisagem, religião, enfim, um universo desconhecido e intrigante.

Muita gente sequer ouviu falar deste país. O Butão é um pequeno país asiático (menor que o estado do rio de janeiro), com 700 mil habitantes, encravado na cordilheira do Himalaia, entre dois imensos países, ao norte a China, e ao sul a Índia. O Butão tem a maior floresta original do planeta, tendo a incrível marca de 72,5% de sua área coberta por florestas e entre 34 rios. Ficou evidente que os butaneses não são muito fãs dos chineses, especialmente pelo risco de invasão que viveram no passado.

Trata-se de um país budista, cuja origem histórica está intimamente ligada ao Tibet. Não por menos, abriga cerca de 2.000 templos e monastérios budistas, com construções milenares espetaculares. Há poucas décadas o Butão começou a ter contato com o resto do mundo. Atualmente, o Butão é uma monarquia democrática, cujo rei é adorado pela população. Quadros com as fotos do jovem rei e de sua rainha estão pendurados por toda parte, em comércios, escritórios, hotéis e residências.

Porém, visitar o Butão não é muito simples. Oficialmente, o Butão só passou a permitir o ingresso de estrangeiros a partir de 1974, depois de séculos de isolamento e de muito debate interno a respeito do impacto sociocultural que seria desencadeado a partir da visita dos forasteiros. Não é possível viajar por aqui da forma como gostamos, ou seja, ingressar no país e percorrê-lo livremente sem muitos planos. Pelo contrário, todas as nacionalidades (com exceção dos indianos) são obrigadas a requerer visto prévio, o qual somente é concedido por meio de uma agência de turismo, assumindo-se um salgado custo fixo diário. Trata-se de um pacote inegociável imposto pelo próprio governo, no qual estão incluídas estadias, refeições, guia, ingressos, motorista e transporte.

Para se ter uma ideia de seu isolamento, somente no final de 1998 o Butão concedeu aos seus cidadãos o acesso à televisão, tornando-se o último país do planeta a fazê-lo. Ainda hoje suas paisagens e seu estilo de vida evocam um mundo preservado e imaginário, retratado apenas nos livros de contos de fada. Outra curiosidade a respeito da cultura butanesa é sua estrutura matriarcal. É comum o homem se mudar para a casa da esposa após se casarem. Assim como a herança é integralmente transferida às filhas em muitas regiões do Butão. Lembrando que há no Butão muitas comunidades remotas, de difícil acesso, com hábitos milenares intocáveis. Aos amantes de trekking, com disponibilidade financeira, há incríveis opções de longas caminhadas, percorrendo vilarejos e montanhas praticamente virgens.

Pare um minuto e visualize um país onde há um povo verdadeiramente feliz, administrado por um monarca comprometido com o interesse público, benevolente e amado pela população. Uma sociedade onde valores humanos e a solidariedade se sobrepõem aos interesses materialistas e individualistas. Um povo que se orgulha e valoriza sua cultura, desde o estilo da construção de suas casas à forma de se vestir. Neste país a fauna e a flora estão incrivelmente preservadas, onde a sociedade procura se harmonizar com a Natureza. Pareceu-lhe um mundo fictício? Pois este é o Butão.

Partimos do Nepal para o Butão num voo da Drukair, excelente (e única) empresa aérea do Butão, administrada pelo governo. No idioma tibetano, o país Butão se chama “Druk”, que significa "A Terra do Dragão" (Druk Yul). O voo foi uma mistura de êxtase e terror. A primeira parte da viagem foi fascinante. Sentamo-nos propositadamente do lado esquerdo da aeronave, de onde tivemos uma vista perfeita do Everest e das demais gigantes montanhas em seu torno. Foi emocionante visualizar aquele mar de montanhas e vales por onde percorremos à pé por 19 dias ininterruptos.

Já a segunda parte do voo não foi muito agradável. Vivenciamos a pior turbulência de nossas vidas. O avião chacoalhava de tal forma que parecia que ele iria se desfazer no ar. Foram minutos de tensão geral. Todos estavam nervosos. Só relaxamos realmente quando pisamos no chão. Até o pouso foi sinistro. O único aeroporto do Butão fica na cidade de Paro e não na sua capital Thimpu. Isso porque Paro é o local onde há um vale propício ao pouso de aeronaves. Mas nem tão propício assim, pois o vale faz uma curva. Durante a aterrissagem, a aeronave faz uma curva poucos metros do solo, dando um susto em todo mundo. Dizem que os pilotos se submetem a um treinamento especial para pousar naquele aeroporto.

Todo estresse do voo e pouso se dissolveram como mágica assim que avistamos a linda arquitetura do aeroporto e a forma de se vestir dos funcionários locais. Demo-nos conta de que nos depararíamos com uma cultura completamente nova e singular.

As edificações do país, tais como monastérios, casas, prédios comerciais, até mesmo postos de gasolina, devem se adequar à arquitetura tradicional. Nas paredes há pinturas típicas, dragões, flores e imagens budistas. Algumas delas há enormes falos, sim imagens do órgão sexual masculino pintadas (sem trocadilhos ... rs) nas paredes das casas, mas isso explicaremos mais para frente. Os detalhes esculpidos em madeira nas laterais, janelas e telhados são um charme especial. As colunas e estruturas em madeira são encaixadas umas nas outras sem o uso de pregos.

As roupas dos butanêses são outra atração do Butão. Os homens vestem o "gho", uma espécie de quimono longo até os joelhos, com os punhos brancos dobrados, amarrado por uma faixa na cintura, formando na parte inferior uma espécie de saia. Também faz parte desta curiosa vestimenta, o uso de sapatos sociais pretos e meia três quartos. Já as mulheres vestem a "kira", também lembrando quimonos, sob os quais vestem uma espécie de jaquetas e lenços coloridas sob os ombros.

Aguardavam-nos no aeroporto, o guia e o motorista que nos acompanhariam pelos próximos dias. Como a diária é salgada, tínhamos pouco dias no Butão e pretendíamos desfrutar ao máximo. Seguimos imediatamente para capital butanesa, Thimpu. Visitamos um templo e uma enorme estupa budista. O local estava repleto de pessoas andando em sentido horário ao redor da estupa. Em uma mão os andarilhos seguram seu japamala (uma espécie de terço budista) e do outro o mani korlo (uma roda de oração, dentro da qual há orações). As pessoas caminham sussurrando mantras a cada “conta” (total de 108) do japamala e, ao mesmo tempo, viram o mani korlo em sentido horário. Tudo muito diferente e curioso para nós. Já tínhamos entrado em contato com o budismo no Sri Lanka (Theradava), mas aqui é o tibetano (Vajrayana), com costumes e rituais diferentes.

Nossa primeira impressão foi parecida com aquela que tivemos ao chegar em Varanasi no início da viagem. Como se estivéssemos entrado num portal que nos levou para outra dimensão, outro planeta, um ambiente que sentíamos atordoados e deslumbrados. Acrescido a tudo isso, sentíamos uma energia pulsante no ar, uma vibração positiva, um mantra que nos envolvia e nos emocionava. Como nos sentimos privilegiados de estar ali! Como foi bom ter seguido nossos instintos e sincronicidades!

A culinária butanesa não tem nada de especial. Muito básica, porém extremamente apimentada, a ponto da estrutura turística preparar uma comida especial para os estrangeiros. Não se pode dizer o mesmo da fauna deste país. Há muitos animais endêmicos e outros ameaçados de extinção. Boa parte deles já desapareceu nos países vizinhos e só sobrevivem nas florestas virgens butanesas. O animal que mais nos chamou atenção foi o Takin, considerado o animal nacional do Butão. Você já ouviu falar dele? É natural desconhecer microespécies de pássaros, cobras e outros animais pequenos. Porém, este animal é de grande porte e impressiona. Ele tem corpo de touro/gnu e cabeça de cabra. Se o guia não insistisse para irmos embora, ficaríamos ali mirando aquele ser vivo enorme.

Em Thimpu, visitamos no alto de uma montanha o gigante Buda Dordenma (em construção), onde se tem uma exuberante vista da cidade, e posteriormente um monastério para mulheres. O monastério é lindo, com um templo típico butanês. Os templos são geralmente parecidos entre si. Geralmente há três estátuas grandes (de budas ou do rimpoche), um altar onde estão dispostas velas, imagens do Dalai Lama e outros líderes budistas, potes de água, mandalas, escrituras sagradas, faixas coloridas e bordados, incríveis esculturas de manteiga de iaque e velas. Uma pena não podermos tirar fotos de alguns mosteiros.

Há uma intrigante história a respeito deste monastério. Há muitos anos, um homem se fingiu de monja e viveu por um período secretamente entre elas. Ele foi descoberto quando três monjas ficaram simultaneamente grávidas. Tivemos que deixar o monastério quando a monja mestre começou a bater um gongo chamando as demais monjas para oração.

Embora o país seja pequeno, tivemos que enfrentar longas horas de estrada, entre uma cidade e outra. As estradas são sinuosas, estreitas e esburacadas. Volta e meia ficamos empacados em algum ponto devido a obras, queda de árvore ou veículo quebrado. A caminho da cidade Punakha, passamos por um dos cartões postais do Butão, o passo Dochula. Ele fica a 3150 metros acima do nível do mar, de onde se tem uma vista espetacular das montanhas Himalaia. Havia muita neblina nas duas vezes que passamos por lá, por isso nos contentamos em visitar as 108 estupas, construídas em homenagem à vitória contra alguns terroristas indianos que se infiltraram em território butanês.

Nossa primeira parada em Punakha foi num monastério dedicado à fertilidade, chamado Chimi Lhakhang. Pessoas do mundo inteiro visitam este local para fazerem pedidos e retornam para agradecer pela graça recebida. Foi muito mágico nossa chegada a este local. Caminhamos entre campos de arroz e subimos uma ladeira de flores amarelas, até chegarmos a uma enorme figueira. Esta árvore foi plantada ali a partir de um ramo da figueira indiana sob a qual Buda atingiu a iluminação. Ficamos sentados debaixo daquela sombra gostosa quando ouvimos o som de um instrumento musical. O som vinha do jardim do monastério, onde dezenas de monges estavam tendo aula de música para entoar a longa corneta tibetana. Uma imagem bucólica e memorável, grupos de jovens monges, vestidos com suas típicas batas bordô, sentados num preguiçoso gramado verde, estudando partituras e soprando longas cornetas. Tentamos nos aproximar e interagir com os tímidos monges, mas fomos desistimulados pelo nosso guia.

Aquela região em especial é repleta de imagens ligadas à fertilidade e a crença tântrica de que as relações carnais também podem ser a porta de entrada para a iluminação. Há imagens do falo masculino em forma de pinturas coloridas nas paredes das casas, amuletos, esculturas pequenas e, algumas, surpreendentemente grandes.

Naquelas bandas o pênis é tratado com total naturalidade, inclusive fomos “abençoados” pela monja que nos recepcionou com um membro dessecado de touro repleto de enfeites.
Nesta mesma oportunidade também nos foi oferecida a água sagrada que fica no altar. Ela foi derramada sob nossa palma da mão, a qual, seguindo os costumes, deveria um pouco ser bebida e o restante despejada na cabeça. Obviamente que não perdemos a oportunidade para fazer as orações de praxe e também invocar fertilidade para nós mesmos. Quem sabe num futuro não muito distante nós voltaremos lá para agradecer?

Nossa última etapa em Punakha foi no “Dzong” Pungtang Dechen Photrang. É uma construção típica tibetana, utilizada inicialmente como fortaleza militar, mas acumula as funções de centro religioso e administrativo de determinada região. As edificações são espetaculares e se tornaram o cartão postal do Butão. Elas são gigantes e bem posicionadas, geralmente no alto de uma colina ou entre rios, como este de Punakha. As paredes são altas, formadas com pedras e tijolo, com lindas portas, assoalhos e telhados em madeira. Na parte interna dos Dzongs há lindos templos e pátios pintados com cores vivas com motivos típicos da arte budista. Alguns Dzongs foram objeto de terríveis incêndios, especialmente por conta de acidentes no manuseio das velas de oração.

Nos templos do budismo theradava há uma profusão de deuses e demônios que às vezes nos deixavam atordoados. Também há muitos símbolos, entre eles a suástica. Intrigante ver que esta imagem, a qual atualmente nos remete ao terrível nazismo, tinha e ainda tem em outras culturas um significado positivo e virtuoso. Durante esta viagem já encontramos a suástica como insígnia budista, grega, taoísta e hindu. Ainda neste aspecto religioso do Butão, estas terras são consideradas como “o último Shangri-La" (paraíso terrestre), razão pela qual, reza a crença, que muitos líderes espirituais chineses, tibetanos e nepaleses tem reencarnado no Butão e não mais no seu país de origem.

Caminhamos por horas neste Dzong, não somente dentro de seus templos e pátios, mas também por seus jardins e redondezas. Próximo dali vimos o crematório público, algo sempre forte de se presenciar e, especialmente, imaginar ele em atividade. Culturas como o hindu e a budista diferem muito da nossa nesse sentido. A cultura ocidental, de uma forma direta ou indireta, nega a morte. Nós evitamos falar dela, tentamos ao máximo prorrogar a vida e nos abalamos profudamente quando a morte bate nossa porta. Enquanto a cultura oriental trata a morte com total naturalidade e traz este assunto para seu cotidiano de muitas formas.

Próximos do crematório havia uma linda ponte suspensa. Vimos várias destas pontes do Nepal quando viajávamos de ônibus, mas não conseguimos parar e tirar fotos. A querida Marta Penha que nos acompanha, havia pedido uma foto e finalmente conseguimos. Enquanto estávamos por lá, um grupo de crianças uniformizadas, que acabara de sair da escola, cruzou a ponte, vindo ao nosso encontro. Nunca perdemos a oportunidade de interagir com a criançada. A língua nunca é uma barreira para as crianças. A língua deles é pureza, espontaneidade, atenção e a brincadeira. Fizemos umas palhaçadas e nos divertimos muito com elas. Até nosso guia ficou surpreso. Elas ainda nos seguiram um pouco antes de retomar seu caminho para seus felizes lares.

Fechamos este dia com um banho de rio nas águas límpidas e geladas de Punakha. Havia uns dias que eu pedia um banho de rio para nosso guia. Ele no início achou que estávamos brincando diante de tal pedido inusitado, mas depois concordou em nos levar para uma parte do rio, nos fundos da casa da sua avó. O próprio guia não resistiu e entrou comigo, revivendo seus tempos de criança, quando passava as férias na casa da avó. Um banho gelado que lavou nossas almas e corações.

O Butão é conhecido internacionalmente como o país da felicidade. Este título está intimamente ligado ao “Gross National Happiness” (Felicidade Interna Bruta). Instituída pelo rei anterior, Jigme Singye Wangchuk, em 1972, este conceito foi criado para se contrapor ao conhecido índice “PIB” (Produto Interno Bruto), o qual se baseia exclusivamente em valores materiais para medir a qualidade de vida da sua população.

Para o governo butanês, prover a felicidade à população é política pública.


Aos otimistas esta ideia parece magnífica, já aos céticos pode parecer um conceito vago e demagógico. Porém, lá descobrimos que o Butão não está preso às ideias convencionais de desenvolvimento do mundo ocidental. Não se trata apenas de um conceito abstrato, pelo contrário, o Estado procura prover as condições necessárias para que a população possa se concentrar na busca da felicidade. O conceito de Gross National Happiness se funda em quatro pilares: desenvolvimento sustentável, proteção ambiental, preservação cultural (inclusive religiosa) e boa governança.

O Butão está dando uma grande lição para o mundo e, ao nosso ver, especialmente, para as lideranças políticas. Guiados por estes conceitos, o Butão saiu da pobreza, sem exploração dos seus recursos naturais, exceto hidrelétricas, vendido com parcimônia para a Índia. Este pequenino país talvez possa ajudar a responder a algumas das perguntas mais difíceis da humanidade: como pode uma sociedade manter sua identidade e preservar sua cultura diante de um mundo massificado e globalizado? Como desfrutar dos benefícios do mundo moderno, sem cair na armadilha do consumismo e do capitalismo selvagem?

Segundo estudos da ONU, o Butão é uma das menores economias do mundo e, sob ponto de vista estritamente econômico, considerada uma das nações mais pobres do globo. Por outro lado, em 2006 foi divulgado o primeiro mapa da felicidade do mundo, oriundo do estudo da University of Leicester do Reino Unido, no qual o Butão ficou em oitavo colocado.

O país se orgulha de ter alcançado a fome zero, sem registros de corrupção, analfabetismo zero, índices de violência insignificantes, entre outras vitórias, como ter banido consumo público e a venda de cigarros.

Há pouco tempo esta postura do Butão passou a ser levada a sério e muitos países passaram a estudá-lo. O debate a respeito do conceito de Felicidade Interna Bruta foi tema da conferência da ONU Rio+20 em junho deste ano, quando se discutiu o desenvolvimento sustentável. Houve discussões a respeito das flagrantes limitações do PIB (Produto Interno Bruto) para medir o bem estar e a felicidade da população.

Nossa última experiência marcante no Butão foi em Paro. Retornamos para essa cidade não só para pegar o voo no dia seguinte, mas para visitar suas principais atrações turísticas e principalmente o esperado “Tiger Nest” (ninho do tigre). Foram muitas horas de viagem e solavancos, apreciando a paisagem, entre uma soneca e outra. Esta rotina foi quebrada quando paramos o carro para deixar passar a caravana real, oportunidade em que vimos a jovem e linda rainha passar. Não havia nada de especial e luxuoso naquele comboio de carros, o que expressa bem a postura humilde e próxima da realeza. Ouvimos dizer que o rei do Butão, Jigme Khesar Namgyal Wangchuck, é visto com frequência entre seus súditos, inclusive nos dias em que pedala pela cidade.

Assim como as principais cidades butanesas, em Paro há um esplendoroso Dzong, chamado de Rinpung, assim como um lindo museu, jardins e paisagens cinematográficas. No dia seguinte cedo partimos para o trekking até Tiger Nest. Enfrentamos sem dificuldade os 900 metros de subida até chegarmos a 3.120 metros de altitude onde estão os templos. Trata-se de um complexo construído num penhasco rochoso em 1692. Ele foi edificado em torno da caverna onde o Guru Padmasambhava (pessoa que introduziu o budismo no Butão) disse ter meditado durante três anos, três meses, três semanas, três dias e três horas no século VIII. Diz a lenda que este mestre, também conhecido como Guru Rinpoche, subiu até a caverna montado num tigre voador, daí se originou o atual nome.

A caminhada teve início numa trilha entre árvores. Em determinado ponto se abriu uma clareira de onde pudemos ver pela primeira vez o nosso destino. Fomos arrebatados por aquela impressionante visão. Tem-se a sensação de que aquelas construções estão suspensas no ar e apenas apoiadas na pedra. Nossos corações dispararam, fotografia nenhuma conseguiria captar aquele cenário deslumbrante. Há vários templos interligados e acabamos visitando apenas os principais, até porque eles acabam se repetindo. Visivelmente é um ambiente muito importante para o budismo butanês, repleto de lendas, imagens e relíquias sagradas. Sentamos no canto de um dos templos, onde um monge lia em voz baixa uma escritura sagrada. Cada um de nós, do seu jeito, fez uma linda viagem mental revigorante.

À última noite foi perfeita. O guia conseguiu atender nosso pedido de visitar a casa de uma família butanesa para conhecer a forma como eles vivem. Fomos jantar na casa da família de um dos guias da mesma agência. Antes de sairmos para jantar, assistimos uma apresentação de danças folclóricas, com bebidas, tudo oferecido pela agência. Acabamos não consumindo as bebidas alcóolicas, até por conta do compromisso que nos aguardava. Já que ninguém bebia, nosso guia decidiu tomar em nosso lugar. Moral da história, nosso guia ficou bêbado. Foi sinistro, mas ao mesmo tempo engraçado.

A estrutura das casas campestres é dividida em três partes. Na parte inferior, uma espécie de porão, onde ficam os animais; no primeiro andar estão dispostos os quartos e demais aposentos e, por fim, há no segundo andar uma área aberta onde ficam armazenadas carnes, pimentas e outros produtos para secar. A família que nos recebeu pareceu muito doce, mas o idioma nos impediu de interagir mais com eles. Tivemos a melhor refeição desde que chegamos no Butão.

Foram dias especiais. Tudo que vimos e vivemos nos fez muito bem. Não temos dúvida de que visitar o Butão, apesar dos obstáculos e custos, foi uma decisão acertada. A felicidade é contagiante. Observem as fotos e assim verão. Esperamos, com carinho e humildade, contagiar vocês!

Kuzuzangbola (obrigado) Butão!

* Próximo post: Tibet: do Nepal à China por terra.



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