Deixamos as praias quentes do Sri Lanka rumo as montanhas geladas do Nepal. Grandes desafios nos aguardavam, quem sabe não só o maior desafio físico de toda nossa aventura pelo mundo, mas de nossas vidas. Nosso principal projeto no Nepal era realizar a longa e árdua caminhada (trekking) entre as montanhas mais altas do mundo, no Himalaia. Este trekking era, sem sombra de dúvidas, um dos momentos mais esperados por nós, o qual fazia nosso coração bater mais forte, que nos causava calafrios e excitação.
No período preparatório da viagem lemos muitos romances e relatos de trekkers (aqueles que só caminham, como nós) e alpinistas (escaladores de pedra e gelo). Também assistimos palestras e conversamos com pessoas que fizeram o trekking mais famoso do planeta: o trekking ao Everest Base Camp - EBC (acampamento base). Trata-se de uma longa caminhada até um campo de gelo há 5.364 metros de altitude, onde os alpinistas que tentarão escalar a montanha mais alta do mundo (Everest) pela face sul (face norte fica no Tibet), permanecem acampados durante muitas semanas, aclimatando-se à altitude. Lá estavam acampados alguns brasileiros alpinistas, dos quais falaremos mais para frente.
Estávamos cientes de que seria uma caminhada fatigante, de muitos dias, com certo grau de dificuldade, pouca infraestrutura, muito frio, altitude extrema, pouco oxigênio (inclusive com riscos de edema pulmonar ou cerebral), enfim, uma experiência que nunca vivemos antes. Trata-se de uma região de beleza exuberante, chamada de Khumbu, porém remota e boa parte inóspita. Brincamos falando que a roda não chegou naquela parte do planeta, definitivamente não há carros, motos, bicicletas, carinho de mão, ou qualquer veículo ou meio de transporte do gênero. Tudo é carregado literalmente nas costas das pessoas, no lombo de burro (até 3.500 m) ou de iaque (acima de 3.500 m). Se alguém tiver um sério problema de saúde, a única forma de resgate é via helicoptero, isso se as nuvens colaborarem. Diga-se de passagem, durante toda nossa estadia por lá, os helicopteros não pararam de circular, o dia todo trazendo e levando pessoas. Contratar um seguro específico de resgate por helicoptero não é um luxo, mas uma prioridade para quem deseja se aventurar por aquelas bandas.
Os dias se passavam lentamente no Sri Lanka e já era chegada a hora de pesquisar a respeito de uma agência de turismo especializada em trekking no Nepal. É possível fazer caminhada ao acampamento base do Everest por conta própria ou por meio de agências de turismo, as quais fornecem guias, equipamentos e carregadores. Por conta dos riscos inerentes à altitude, optamos por contratar uma agência especializada, a qual nos forneceria todas as informações, jaquetas com pena de ganso, sleep bag, logística e segurança de que necessitávamos. Nosso desejo era minimizar os riscos e aumentar as chances de completar nossa meta. Hoje, passado por toda a experiência, temos certeza absoluta de que tomamos a decisão certa! Teremos prazer em compartilhar informações e dicas com quem deseja vivenciar essa experiênca.
Encontramos inúmeras opções de agência nepalesas na internet e algumas poucas indicações de amigos. O Elias do Extremos nos ajudou com informações valiosas sobre o trekking, cuidados e opções de percurso. Mas como escolher uma agência local confiável? Aquele que nos ajudaria a realizar nosso sonho. Aquela que nos daria a segurança que esperávamos. Aquela que respeitaria nosso ritmo. Mas, também aquele que coubesse no nosso bolso. Quando se viaja por longo período, cada centavo deve ser valorizado, pois a longo prazo a somatória destas supostas pequenas diferenças poderá ser determinante para continuidade ou não da viagem.
Novamente tudo deu certo! Seja graças à sorte, merecimento ou preces de nossa família e amigos, novamente cruzamos com pessoas especiais, cujo suporte e auxílio foram determinantes para vivenciarmos experiências maravilhosas e transpormos os obstáculos. Os nepaleses tem boa reputação entre os viajantes experientes. São conhecidos pela sua alegria, atitude solícita e honestidade. Pela nossa experiência pudemos conferir e ratificar este conceito. Somos muito gratos ao nosso guia de montanha Kumar Adhikari, ao carregador Prem Kumar Basnet e especialmente à Asahi Treks, na pessoa de seu propritário Anjan Kumar Thapa. Coincidentemente, estes três “Kumares” fizeram toda a diferença na concretização desse nosso sonho.
Não pensem que foi fácil! Pelo contrário, foi mais difícil do que imaginávamos. Nós perdemos muito peso, tivemos problemas intestinais, fortes dores de cabeça, sentimos muito frio, desconforto, entre outras mazelas, pensamos em desistir, e muitas vezes passou pela minha mente de que necessitaria do helicoptero para descer caso as coisas piorassem mais um pouco. Por outro lado, os percalços são suplantados pela beleza da trilha e intensidade das experiências. Mas tudo isso detalharemos adiante.
No Nepal, tudo começa e termina na cidade barulhenta e empoeirada de Katmandu. Fizemos um longo vôo de Colombo a Katmandu, com escala em Nova Delhi, sem dificuldades. Esperávamos mais desta famosa capital nepalesa. Sim, ela inegavelmente tem seu charme, repleta de turistas, restaurantes, agências de turismo, lojas especializadas em equipamentos de trekking e escalada, preços irrisórios, alguns templos hindus e budistas interessantes. Entretanto, o verdadeiro Nepal está nas montanhas e não nesta grande cidade caótica. Não por menos, mal chegamos na cidade, partimos para nossa primeira grande aventura, o vôo de Katmandu a Lukla. A cidade de Lukla se encontra encravada num pequeno vale, cercada de altas montanhas. Ela é o ponto inicial de quase todas as expedições de alpinismo, grupos de caminhada e aventureiros solitários.
Chegar a Lukla de avião não é uma tarefa tranquila. A outra opção é uma caminhada pouco recomendável de 6 dias a partir de Jeri até Lukla, cidade mais próxima montanha abaixo com acesso terrestre a partir de Katmandu. Boa parte dos voos diários para Lukla é cancelada por mal tempo. Todo ano há um desastre aérea no Nepal. Há alguns meses (set/12), um vôo com destino a Lukla, levando alpinistas britânicos e chineses, caiu, não deixando sobreviventes. O aeroporto Tenzing-Hillary de Luckla é conhecido como o mais perigoso do mundo. Não por menos, estávamos muito apreensivos, porém ansiosos para finalmente sobrevoar o Himalaia. Dos 14 picos mais elevados no mundo (acima de oito mil metros), 8 deles estão no Nepal, incluíndo o maior de todos, o Everest com seus 8.848 metros.
No final das contas, tudo correu bem e o tempo estava ótimo, revelando-nos a primeira visão exuberante dos Himalaias. Partimos no primeiro vôo da manhã, o que aumentou nossas chances de êxito. Os minúsculos aviões responsáveis por este roteiro levam no máximo 20 passageiros. Eles passam muito rente às montanhas até entrar num lindo e profundo vale, onde está o minúsculo aeroporto de Lukla. Ao entrar neste vale, o turboélice imediatamente aponta para baixo para aterrisar na curiosa pista em aclive. Sim, a pista do aeroporto é tão curta que precisa ser inclinada para ajudar no pouso e decolagem. Com batimento cardíaco elevado durante todo o trajeto, sentimos uma mistura incomum de sentimentos, medo e alegria.
Ufa, chegamos! Agora estávamos mergulhados numa paisagem incrivelmente cinematográfica. Cercados de montanhas verdes, com picos nevados, ar puro, rios com águas cristalinas, clima ameno, inseridos em uma nova cultura, num simpático vilarejo. Como se tivéssemos sido introduzidos no filme de nossos sonhos. Sabe aquele que você nunca se cansa de assistir e toda vez se emociona? Mal podíamos acreditar naquele cenário, uma pintura, antes tão distante e intangível, agora estava posto diante de nossos olhos e sentidos. Nós nos sentimos vivos e presentes àquele momento como nunca. As cores, as formas, os aromas, tudo adquiriu uma intensidade e significado maior. Sem exageros, tamanha foi nossa alegria que, houve momentos em que fomos invadidos por uma forte emoção e não conseguimos conter as lágrimas.
Ao chegarmos em Lukla, antes de iniciarmos a caminhada, paramos para um café matinal reforçado e para contratar um local que iria carregar nossa pesada mochila. Foi aí que começou nossa história com o adorável Prem, um pequenino e magrinho nepalês, mas não menos forte e resistente, de olhos brilhantes e sorriso puro. Sua alegria, cuidado e gentileza se fez presente em todo o percurso e, em muitos momentos, ajudou-nos a encontrar forças para seguir adiante. O idioma nunca foi um problema para nos comunicarmos. Ele captava e atendia imediatamente a todos nossos pedidos. Foi solidário e solícito em todos nossos momentos de dificuldade.
Agora era pernas para que te quero! Os primeiros sete dias de trilha, abaixo dos 4.000 metros de altitude, são simplesmente espectaculares, principalmente naquela época do ano, a primavera. Neste período do ano a bela flor símbolo do Nepal (Rhododendron) se espalha pelas montanhas, trazendo novos tons de vermelho e cor de rosa em meio ao verde da floresta.
Nossa rotina era acordar cedo, saborear um café reforçado e caminhar umas 3 a 4 horas pela manhã. Parávamos para almoço e reiniciávamos o percurso de mais 3 a 4 horas de caminhada até nosso pouso do dia. Embora as caminhadas sejam longas e cansativas, após alguns dias o físico se acostuma e encontra seu ritmo. Fomos cautelosos e respeitamos nosso corpo. Caminhamos lentamente, num compasso até abaixo da maioria. Nosso guia pacientemente nos acompanhou sem reclamar, demonstrando tolerância e flexibilidade, era exatamente o que buscávamos. Nossa primeira noite foi no vilarejo de Phakding (2.610 m), onde há hospedagens simples, mas confortáveis (“logdes”).
Seguíamos avançando a cada subida, cada descida, cada ponte cruzada, cada descanso, cada rio vencido, concetrando-se num passo de cada vez, procurando apreciar a paisagem e a companhia das pessoas com quem cruzávamos. Em alguns momentos nos deixávamos levar pela ansiedade e questionávamos nosso guia o que se passaria nos próximos dias, como seria quando chegássemos em altitude elevada e assim por diante. Nosso impassível guia, Kumar, não se cansava de repetir que tínhamos um longo caminho pela frente e que deveríamos nos concentrar somente naquela etapa, que muita coisa aconteceria neste interím, que seria inútil fazer previsões antecipadas. Agora entendemos o que ele queria dizer. Em alta montanha há muitas variáveis físicas e climáticas que fogem ao nosso ilusório controle. Naquele ambiente nossa fragilidade física e o poder da natureza ficam mais explícitos. Damo-nos conta da nossa insignificância e ao mesmo tempo de nossa profunda conexão com todos os seres vivos. Talvez essa consciência deva ser aplicada não somente à montanha, mas à nossas vidas urbanas, cuja rotina, conforto e tecnologias alimentam nosso ego com uma fantasiosa miragem de poder e comando.
Passamos por pequenos vilarejos sherpas e construções budistas. Os sherpas são budistas e oriundos do planalto tibetano, ou seja, do outro lado da cordilheira do Himalaia, os quais migraram para aquela região nepalesa há séculos. Vimos uma mãe massageando com óleo seu bebê recém nascido, nu e exposto ao frio (parecia shantala). Flertamos com crianças encardidas e cachorros dóceis. Ficamos boquiabertos com carregadores de todas as idades, levando nas costas cargas inimagináveis entre 50 a 120 kg, inclusive portas enormes e folhas de compensado. Atravessamos lindas pontes suspensas, repletas de bandeirolas de oração¹.
• BANDEIROLAS DE ORAÇÃO¹: Acredita-se que o vento em contato com as bandeiras e seus símbolos sagrados nelas impressos auxilia a difundir os votos de boa aventurança para todos os seres, criando-se assim uma ampla área de positividade.
Incontáveis vezes fomos ultrapassados por animais, os quais, ao lado dos carregadores individuais, são os responsáveis pelo abastecimento e construção dos vilarejos naquelas montanhas, indiretamente viabilizavam nossa aventura por aquelas bandas. Passamos por penhascos e cada nova curva, uma nova montanha gigante surgia. Tentamos registrá-las, mas a paisagem literalmente não cabia na fotografia. Seguíamos caminhando, com coração acelerado pelo esforço físico, mas sempre batendo forte de emoção e alegria. Ora sentíamos calor, ora sentíamos frio, gradativamente íamos descobrindo nossa cadência, concentrava-nos na respiração, adquiríamos maior consciência de nosso físico.
Pouco antes de efetivamente ingressarmos no parque nacional do Everest, chamado de Sagamartha Nacional Park, cruzamos com um dos mais experientes guias de montanha, o brasileiro Manoel Morgado. Ele estava no caminho de volta com um grupo alegre de brasileiros, mas parou para gentilmente conversar conosco. Manoel Morgado é pediatra de formação que, após uma longa viajem pela Ásia, decidiu arriscar tudo e realizar seus sonhos. Hoje ele vive pelas montanhas do globo, sem residência fixa, guiando pessoas de todas as nacionalidades pelos quatro cantos do mundo. Ele já escalou as montanhas mais altas do planeta, inclusive o Everest, cuja experiência foi recentemente relatada em seu livro Sonhos Verticais.
Nossa segunda parada foi no vilarejo Nanche Bazaar, onde atingimos a altitude de 3.440 metros, no dia do ano novo nepalês. Nosso organismo começava a sentir a altitude, iniciando-se o processo de aclimatação, despontando a primeira dor de cabeça. Por essa razão, deveríamos dormir duas noites naquela região e iniciar o trabalho de aclimatação, o que significa realizar caminhadas para regiões altas e voltar para dormir numa região mais baixa. Não há dias de descanso, todo dia é dia de intensas caminhadas.
Nanche Bazaar é um encanto, também chamada de capital sherpa, cercada de um visual deslumbrante, lá se pode encontrar hospedagem confortável, lojinhas, restaurantes e cafés. Também é a última cidade com boa infraestrutura, dali em diante um chuveiro seria uma comodidade quase impossível de se encontrar. Foi durante a subida de aclimatação que realmente vimos o Everest pela primeira vez. Ao sabor de um chá quente, contemplamos maravilhados a vista que nos circundava. Dentre os diversos monumentos naturais que despontavam em todas direções, a montanha Ama Dablan era certamente a mais graciosa.
Foi nesta oportunidade que conhecemos o vilarejo Khumjung. Visitamos a escola fundada pelo lendário Sir Edmund Hillary, responsável pela primeira escalada bem sucedida ao Monte Everest, ao lado do guia sherpa Tenzing Norgay, em 1953. Durante nossa caminha de aclimatação, ao cruzarmos Khumjung, paramos num mosteiro onde dedicamos alguns minutos para meditação e oração. Antes de sairmos do mosteiro, nosso guia nos informou que lá havia uma relíquia, o suposto couro cabeludo de um Yeti. Sim, um Yeti ou também conhecido por nós como: Pé Grande, o "Abominável Homem das Neves". Foi no mínimo bizarro ver aquele coro cabeludo protegido por monges budistas nas montanhas do Himalaia.
Finalizados os dias de aclimatação em Namche, rumamos para Tengboche (3.867 m). O percurso entre Nanche Bazaar e Tengboche é simplesmente magnífico! Talvez neste percurso são tiradas as fotos mais reproduzidas na internet. Aquelas onde são mostradas lindas trilhas, circundando laterais de altas montanhas, à beira de abismos, rios profundos, estupas exuberantes, tudo isso com as mais altas montanhas nevadas ao fundo. Tengboche é um lindo vilarejo, onde há o maior mosteiro budista da região do Khumbu. Lá há uma vista panorâmica de várias montanhas importantes, incluindo os conhecidos picos de Tawache, Everest, Nuptse, Lhotse, Ama Dablam e Thamserku.
Impunhamo-nos um dever de casa após chegarmos às hospedagens, alongar-se. Chegávamos cedo, portanto, antes de dormir matávamos tempo no refeitório jogando cartas com o guia. Era muito divertido, até chegamos a ensinar nosso carregador a jogar para alegria dele. A jogatina gerou um divertido elo entre nós. Se você for a esta região, não deixe de levar um baralho. Não há sistema de calefação nas hospedagens. Para se aquecer um pouco antes ir para o quarto gelado, as pessoas ficam ao redor de um espécie de fogão, situado ao centro do refeitório, cuja chama é alimentada por estrume seco de iaque. Material este muito popular em todo Khumbu e Tibet.
Em Tengboche foi onde comecei a sentir os primeiros sintomas de um forte desarranjo intestinal, o qual me perseguiu pelos próximos oito dias. Passei a noite entre idas e vindas ao banheiro. Não foi fácil enfrentar o banheiro asiático, especialmente naquela altitude. Caso você não saiba o que é um “banheiro asiático”, dê uma olhada no vídeo postado em nossa fan page. Dali em diante minha fome desapareceu, tive intensas dores abdominais, enjôos, vômitos e, é claro, visitas constantes ao toalete. Em alguns pontos a água do vaso sanitário e do barril de água que alimenta manualmente a descarga estavam congelados. Em outras estalagens, o banheiro ficava fora do prédio, o que significou caminhar debaixo de nevasca no meio da madrugada. Para se ter uma idéia, perdi 6,5 kilos por conta desta desagradável experiência intestinal.
Infelizmente, a doença surgiu justamente num dos dias mais duros de caminhada, quando se ultrapassa a barreira dos 4.000 metros de altitude. A partir desta altitude, para se ter uma idéia, o ar se torna tão rarefeito (diminui a quantidade de oxigênio) que até as árvores desaparecem. O clima fica muito frio, com ventos cortantes e noites congelantes. A cama era tão gelada que parecia molhada, levava um certo tempo até que conseguíssemos aquecer a cama gelada e em seguida adormecermos. Dormíamos com sleep bag, cobertores grossos, roupas quentes e toca. Sendo assim, a partir daqui as noites se tornaram cada vez mais desconfortantes, porém a beleza do dia seguinte nos fazia esquecer o martírio da noite passada.
Tive novamente vômitos entre o trajeto Tengboche e Periche (4.240 m). Após o almoço a temperatura despencou surpreendentemente. A caminhada na parte da tarde foi estafante. O físico e o psicológico estavam muito abalados neste ponto. Chegar ao distante vilarejo de Periche foi uma grande vitória para nós. Aqui também estava previsto uma estadia maior para aclimatação. Fizemos parcialmente os trabalhos de aclimatação previstos. No dia seguinte, subimos uma montanha de onde se via o vilarejo de Periche de um lado e o vilarejo de Denboche do outro, uma vista sublime. Eram esses momentos em que sentíamos que todos esforço valia a pena. Porém, novamente na parte da noite meu estado físico piorou e pela primeira vez pensamos em desistir. O guia estava visivelmente apreensivo e percebíamos que os outros guias e trekkers também lançavam olhares de solidariedade.
Dali em diante foi sofrido por conta dos efeitos da altitude e do frio. Particularmente, meu físico foi gradativamente se deteriorando pelo problema intestinal. Sentíamos dores de cabeça, mal estar e ficava cada vez mais difícil respirar. Caminhávamos alguns passos e parávamos para recuperar o fôlego. O batimento cardíaco se elevava com pouco esforço. Passamos a levar o dobro do tempo médio para atingir os destinos seguintes. Embora contrariados, pois não gostamos de ingerir remédios, nós passamos a utilizá-los para conter os vários tipos de dores que constantemente nos atormentavam à noite. O que mais se via nos refeitórios eram pessoas ingerindo comprimidos. Por outro lado, a paisagem que nos cercava era estimulante. A cada novo dia, um novo desafio e um novo cenário. Mesmo com algumas mazelas físicas, conseguíamos desfrutar da caminhada, principalmente na parte da manhã.
A caminhada de Periche a Thukla (4.620 m) foi tranquila e agradável. O tempo estava mais aberto e podemos visualizar melhor aquele cenário inóspito e magnífico. Em Thukla deveríamos parar apenar para almoçar, mas decidimos deixar o cronograma de lado e dormir uma noite ali, o que talvez não fosse possível fazer se estivéssemos num grupo grande. Nosso guia Kumar nos apoiou em nossas decisões. No dia seguinte partimos para o remoto vilarejo de Leboche (4.910 m). Aquela manhã estava linda e o visual era de tirar o fôlego. Como toda manhã, caminhamos empolgados com as novas paisagens.
Neste percurso há um espaço de homenagens àqueles que morreram tentando escalar estas altíssimas montanhas. Um local de energia muito forte e comovente. Por um lado é muito triste se deparar com tantas mortes prematuras, mas por outro lado há um respeito por aqueles que perderam suas vidas fazendo aquilo que gostavam. Lembramos com pesar do brasileiro Vitor Negrete que morreu durante sua descida ao cume do Everest em 2006. Ele foi o primeiro e único brasileiro a escalar o Everest sem oxigênio, porém enfrentou problemas na descida. A maioria dos acidentes ocorrem durante a descida devido à exaustão física.
Em Leboche meu estado físico continuava muito ruim no final da tarde e voltei a vomitar. Apesar das dores de cabeça, Karina estava bem fisicamente e, como sempre, comia muito bem (risos), inclusive os pratos que eu rejeitava por falta de apetite. No refeitório vimos um carregador desmaiar. Passei a dormir muito mal, pois acordava com fortes dores na barriga e visitava o banheiro a noite toda. Há dias não conseguia comer direito, apenas sopas ralas graças a insistência da Karina. Neste momento todos nós ficamos realmente preocupados. Ao mesmo tempo que estávamos próximos da fase final, enfrentaríamos altitude elevada e muito muito frio! Decidimos ligar para um amigo médico que nos acalmou. Ele nos esclareceu que enquanto estivéssemos ingerindo muita água e não surgissem os sintômas do “mal agudo de altitude” poderíamos seguir em frente, mesmo com dificuldade de alimentação.
Entretanto, durante esta madrugada Karina acordou com fortíssimas dores de cabeça, como se fossem marteladas na cabeça. Quem já esteve em altitude sabe do que estamos falando, é a pior dor de cabeça de todas. Ela teve uma crise de choro após dias sendo forte para me dar suporte e se superar fisicamente. Foi um momento crítico, se tivéssemos que decidir se seguiríamos ou desistiríamos naquele momento, certamente optaríamos por encerrar nossa aventura ali. Nós nos abraçamos e nos acalmamos um ao outro. Foi um momento de estresse, mas ao mesmo tempo de grande cumplicidade e amor. Conseguimos dormir e acordamos muito cedo. Havia nevado a noite toda e paisagem estava deslumbrante. Sentímo-nos como crianças no primeiro dia de neve invernal. Nosso estado de espírito se revigorou e decidimos seguir mais um pouco, concentrando-se apenas na etapa seguinte e não no que restava para o Acampamento Base.
Seguimos entusiasmados debaixo de nevasca para Gorak Sherp (5.180 m), última estalagem antes de chegar ao Acampamento Base. Neste trajeto nos deparamos com duas cenas chocantes. Primeiro, um senhor montado num cavalo em estado catatônico. Muito branco, com os lábios azuis, nariz escorrendo. Um sherpa estava puxando o cavalo dele e o levando para baixas altitudes. Depois vimos uma mulher sendo carregada nas costas de um sherpa. Ela estava ainda pior, praticamente desmaiada, visivelmente com hipóxia (falta de oxigênio). Ambos sofrendo do mal agudo de altitude e correndo risco de vida, especialmente se continuassem naquela altitude. O problema era que o tempo estava muito fechado e o helicóptero não conseguia realizar resgate naquele dia, pelo menos naquela região. Por isso, as pessoas com problemas são levadas para baixo, onde geralmente melhoram e/ou são resgatadas. Embora fortes, aquelas imagens nos trouxeram a consciência de que, embora com alguns contratempos, estávamos conseguindo nos adaptar à altitude.
A paisagem é, ao mesmo tempo, dramática e exuberante. Aparentemente não há mais vida, apenas alguns musgos entre um pedregulho e outro. Novos picos e montanhas são reveladas, mas faltava energia para perguntar ao guia seus respectivos nomes. É difícil descrever a quantidade de pensamentos e emoções que borbulhavam em nossas mentes e corações. É curioso o quão claras se tornam nossas prioridades em momentos de crise. Eu estava muito grato por ter uma companheira como a Karina ao meu lado. Uma mulher admirável, forte, corajosa, parceira, divertida e carinhosa.
Nestas caminhadas difíceis, a música é uma companheira inseparável. Ouvindo uma linda música da Elba Ramalho, a Karina se emocionou com a letra: “Se você vier. Pro que der e vier comigo. Te prometo o Sol. Se hoje o Sol sair. Ou a chuva. Se a chuva cair. Se você vier. Até onde a gente chegar. Numa praça na beira do mar. Num pedaço de qualquer lugar. Nesse dia branco. Se branco ele for. Esse tanto, esse canto de amor. Se você quiser e vier. Pro que der e vier comigo (...)”. Não por menos eu também me emocionei, abraçando-nos. Seguimos caminhando com passos firmes sob a neve e com lágrimas nos olhos, mas com nossos corações quentes.
Parecia que a montanha sussurrava em meu ouvido: “Aqui não é o seu lugar, respeite-me e se você perseverar eu revelarei minhas belezas”. Chegamos exaustos em Gorak Sherp e descartamos tentar chegar ao Acampamento Base naquele mesmo dia, como quase todos os grupos fazem. Até mesmo nosso experiente carregador estava mal e teve vômitos. Todos nós ficamos descansando próximos ao calor do fogão à base de fezes de iaque. Jogamos cartas por longas horas. Conversamos, rimos, enfim, procuramos nos distrair a despeito do tempo ameaçador que estava lá fora. A cada pessoa que entrava no alojamento, queimada do frio e com ar de sofrimento, dávamo-nos conta que o flagelo ainda não acabara.
Para surpresa de todos, no dia seguinte fomos presenteados com uma linda manhã ensolarada e muita neve fofa. Naquelas últimas noites nós nos sentíamos exauridos e desanimados, porém quando acordávamos novamente conseguíamos recuperar nosso ânimo. Acordávamos renovados, cheios de energia e felizes por podermos continuar. Este foi um dos segredos para não desistirmos. Toda noite nosso guia fazia uma avaliação e nos questionava se desejávamos seguir. Nossa resposta era, deixemos para decidir pela manhã. Do contrário, se tivéssemos que decidir antes da hora certa, já teríamos desistido muito antes. Iniciamos nossa caminhada ao destino final eufóricos, mas rapidamente fomos pegos por um frio intenso.
A caminhada entre pedras, neve e gelo foi realmente muito penoso. Nosso objetivo era chegar ao Acampamento Base e visitar os brasileiros que estavam lá acampados se preparando para escalar o Everest (Karina Oliani, Rodrigo Rainei, Carlos Santalena, Carlos Canellas, Joel Krieger e Jefferson Reis). Nosso desejo era ver as instalações dos alpinistas e dar um sincero abraço de boa sorte. Mais do que nunca respeitamos aquelas pessoas, pois adquirimos uma vaga noção do que elas estavam enfrentando e o imenso desafio que lhes aguardava. Porém, ao chegarmos no Acampamento Base o tempo fechou totalmente e começou a nevar. O Acampamento Base é enorme e naquele tempo todos estavam entocados em suas barracas. Seria definitivamente muito difícil encontrá-los. A temperatura baixou dramaticamente e, segundo nosso guia, estava próxima de dez graus celsius negativos. Não acreditávamos que havíamos conseguido, a ficha demorou para cair, mas quando veio trouxe consigo as lágrimas de alegria. O frio e o desconforto era tanto que desistimos de procurar os brasileiros e decidimos retornar a Gorak Sherp após algumas fotos. Prestamos aqui nossa homenagem e admiração por estes bravos brazucas.
De volta a Gorak Sherp nosso guia nos confessou que ele e outros guias não acreditavam que conseguiríamos. Ele disse que geralmente as pessoas que adoecem acabando desistindo e retornando. Ouvimos várias histórias de pessoas que conseguiram, apesar de suas limitações físicas, bem como de atletas que acionaram resgate aéreo. Impressiona a quantidade de pessoas acima do 50 anos fazendo este trekking. Embora essas pessoas sejam praticantes de esportes e acostumadas ao frio europeu, fica evidente que não é só o físico que conta. Há uma importante parcela psicológica para o sucesso da caminhada. Começando pela consciência e respeito às limitações individuais, respeito ao ritmo do corpo e perseverança diante das adversidades.
Dormimos mais uma noite em Gorak Sherp com a esperança de que o tempo melhorasse para que pudéssemos subir o Kalapatar (5.643 m), onde se tem uma visão frontal do Everest. Infelizmente amanheceu fechado e mal conseguíamos ver o início da trilha. Assim, desistimos de plano do Kalapatar e começamos logo nossa descida até Periche. Foi um trajeto um pouco cansativo, pois agora sobrecarregávamos outros grupos musculares. Ao mesmo tempo estávamos alegres com o resultado de nossa aventura e com a melhora das condições climáticas dali em diante. Os sorrisos e um espírito festivo fizeram parte de toda a descida. O clima também nos obrigou a redefinir nosso plano inicial, o qual previa a travessia do Cho La passo (5.420 m), Vale do Gokyo e Renjo La passo (5.345 m). Por outro lado, não estamos certos se àquela altura enfrentaríamos mais subidas, altitude e frio, mesmo que o clima assim permitisse, especialmente porque Cho La Pass é conhecida como uma passagem perigosa e com deslizamentos. Mesmo no caminho tradicional, supostamente seguro, houve um momento em que duas pedras grandes se desprenderam de uma paredão e cruzaram a trilha logo a nossa frente. Se alguma delas nos atingisse, seria grande a chance delas derrubarem algum de nós penhasco abaixo.
Na medida que seguíamos descendo a vida passou a fluir com mais força em nossas veias. Energias e ânimo renovados, voltamos a desfrutar da paisagem e a caminhar num bom ritmo. O apetite voltou com força total e todas as dores e problemas intestinais desapareceram. Dormimos mais um noite em Namche Bazaar onde nos fartamos em comer e tomamos um verdadeiro banho depois de muitos dias de abstinência. Neste ponto da trilha desviamos o caminho clássico que nos levaria de volta a Lukla e seguimos para um vilarejo chamado Thame (3.800 m). Sem sombra de dúvidas, este trecho, entre Namche e Thame, foi um dos mais lindos de toda nossa caminhada. Um percurso pouco tradicional e turístico. Passamos por lindas trilhas em meio a muita flores e lindas árvores, cruzamos rios límpidos e pequenas pontes. Testemunhamos os sherpas locais levando sua pacata vida, indiferentes aos poucos turistas que passavam por lá. Este é um trecho que realmente vale a pena ser visitado e uma boa opção para aqueles que não querem enfrentar o sofrimento inerente à altitude.
Em Thame coincidentemente nos hospedamos no lodge do recordista mundial em escaladas ao Everest, Mr. Apa Sherpa. Ele chegou ao cume do Everest vinte e uma vezes, algumas delas sem uso de oxigênio auxiliar. Inacreditável! O lodge é muito bacana e aconchegante. Na sala de estar há inúmeros títulos e homenagens ao recordista, inclusive seguidos títulos emitidos pelo Guiness Book. Infelizmente não cruzamos com o Mr. Apa, pois ele vive com a família nos EUA e passa poucos meses em Thame. Foi em Thame que tiramos nosso primeiro dia livre (de longas caminhadas), ou quase livre, pois decidimos subir uma pequena montanha para conhecer o Upper Thame, onde está um famoso monastério budista. Um lindo templo onde, a exemplo de outros templos, infelizmente não se pode tirar fotos. Lá assistimos um grupo de crianças, noviços monges budistas, tendo aulas. Retornamos felizes ao lodge para almoço.
Durante a refeição, tivemos uma conversa calorosa com a administradora do Logde a respeito do monastério local. Foi então que ela nos revelou que o Rimpoche, ou seja, a respeito do líder espiritual budista daquela vasta região, tinha acabado de chegar de helicóptero. Ele vive no sul da Índia, mas passaria alguns dias ali. Aqui faço um parentese. Quando li o livro do Manoel Morgado, ele relata uma cerimônia surpresa em Tengboche para abençoar sua união com sua companheira da época. Eu achei sensacional a ideia e a guardei em segredo. Pensei, se cruzarmos com o Rimpoche, vou pedir para ele abençoar nossa união. Procurei por ele em Tengboche e a resposta que obtive era de que ele aparecia por lá em raras ocasiões. Fiquei um pouco frustrado, em silêncio. Mas agora eu estava a poucos metros do Rimpoche e imediatamente pedi para aquela senhora nos ajudar a encontrar aquele homem sagrado. Ela ligou para o monastério e disse que deveríamos subir imediatamente. Ela também nos forneceu um “Katá” (uma écharpe branca budista pelo qual se recebe uma benção).
Subimos e logo nosso guia tentou uma audiência com o Rimpoche. Fomos encaminhados a uma sala onde havia um jovem monge. Ele foi muito simpático e nos ofereceu chá, enquanto supostamente aguardávamos o velhinho e bondoso Rimpoche de nosso imaginário. Naquela sala havia muitas fotos de homens idosos, os quais supúnhamos que fossem os Rimpoches de várias gerações. Após algum tempo de conversa com este monge, outras pessoas entraram na sala e fizeram uma longa reverência a ele. Pasmos, olhamos para nosso guia, o qual, percebendo nossa surpresa, orientou-nos a entregar nosso Katá àquele jovem monge, ou seja, ao Rimpoche. Foi o que fizemos, um pouco envergonhados, mas não a ponto de nos impedir de pedir uma foto com ele.
Foi nesta oportunidade em que tomei coragem e pedi àquele homem, com profunda ternura no olhar, para que abençoasse nossa viagem e nossa união. Ele sem titubear tirou um cordão dourado de sua bolsa e o amarrou em meu pescoço, sussurando palavras sagradas, fazendo o mesmo com a Karina. Descemos a montanha em direção ao nosso lodge, mergulhados em êxtase e felicidade. Depois de tamanha provação nos dias anteriores e certeza de sentimentos, nada mais oportuno que uma benção para esta união, agora tão fortalecida.
Deixamos Thame em direção ao nosso penúltimo dia de caminhada, agora em direção ao vilarejo de Monjo (2.835 m). Logo após o almoço nos deparamos com um garoto tomando fôlego no pé de uma ponte. Ele estava com um cesto de carregador nas costas. Surpreendeu-me aquela criança assumindo trabalho de tamanho esforço. Em seguida chegou nosso guia que passou a conversar com o menino. Ele se chamava Kaji e não sabia ao certo sua idade. Ele tinha estatura de uma criança de 6 anos, mas devia ter uns 9 anos. Ele falou para o guia que havia levado uma carga para Namche naquela madrugada em troca de comida. O guia, que já foi carregador, num ato de compaixão, quis dar dinheiro para ele, o qual foi insistentemente rejeitado. Quando Kaji finalmente aceitou o presente, lágrimas correram dos seus olhos. O guia deu um suspiro e seguiu adiante, mas eu não consegui partir. Fiquei ali junto com aquele menino por alguns minutos.
Os demais ficaram me chamando do outro lado da ponte, mas eu me recusava a deixar aquele menino. Eu o acompanhei na travessia e fiz algumas brincadeiras. Tentei seguir seu ritmo, mas era muito lento, pois ele parava muito para descansar. Acabei me distanciando do meu grupo e ficando um pouco a frente do menino. Quando percebi que não conseguiria mais esperar pelo pequeno Kaji e deveria alcançar os demais, uma tristeza invadiu meu coração e chorei escondido. Caminhei as horas que restavam em silêncio com o coração apertado. Uma estranha conexão me manteve ligado àquela criança. Os demais percebendo minha tristeza, tentaram me consolar dizendo que aquela era a vida dele, assim como tantas outras. Não foi a primeira e nem será a última criança pobre com quem cruzo, mas aquele menino em especial, por alguma razão que foge à minha compreensão, tocou-me para sempre.
A hospedagem em Monjo ficava ao lado da trilha. Secretamente, em meu coração, fiquei desejando que o pequeno Kaji passasse por ali. Felizmente, após algum tempo, ele surgiu, lançando um olhar envergonhado e maroto para nós. Fizemos ele entrar e tomar um chocolate quente conosco. Ele me olhava de rabo de olho enquanto conversava em nepalês com nosso guia. Descobrimos que ele não tinha pai e sua mãe morava a seis dias de caminhada trilha abaixo. As distâncias nesta região são medidas em dias de caminhada. Ele estava naquela região para trabalhar de forma a arcar com seu próprio sustento. Milhões de pensamentos passavam pela minha cabeça e um deles era de que se ele decidisse ficar, assim seria por tempo indeterminado. As donas da hospedagem também vieram conversar com ele e todos foram carinhosos com aquele tímido menino. Repentinamente, ele se levantou e disse que precisava ir embora. Sem hesitar, eu o puxei instintivamente, dei-lhe um longo abraço e um beijo fraterno. Karina fez a mesma coisa, arrancando sorrisos do menino.
Mal Kaji havia partido, debulhei-me em lágrimas e fui para o quarto. Imagino que todos ficaram surpresos com aquela imagem do estrangeiro sensibilizado com aquele sherpa que acabara de conhecer, afinal eu mesmo estava surpreso. Fui dormir e acordei com Kaji na mente e uma tristeza no coração. Iniciamos nosso último dia de caminhada e poucos falamos a respeito do ocorrido. O carregador Prem me disse que começou a trabalhar por volta daquela idade. Esta conversa me fez bem, pois Prem era um homem bom e feliz. Tinha uma família e toda vez que falava de seus filhos seus olhos cintilavam, especialmente quando falava do quanto eram estudiosos. Após uma hora de caminhada, quis o destino que novamente cruzássemos com Kaji. Agora ele estava num fundo de um quintal com outra criança, juntando feno. Ele flagrantemente ficou feliz em nos ver. Ficamos olhando e acenando para ele à distância, até que Prem me puxou dizendo que deveríamos seguir e que Kaji estava bem. Após este encontro meu coração ficou mais leve e segui tranquilo até Lukla.
Tivemos que permanecer um dia a mais em Lukla, pois o mal tempo fez cancelar a maioria dos voos previstos. Aproveitamos para conversar com nossas famílias e matar um pouco a saudade. Estávamos realizados de corpo e alma. Felizes e gratos a tudo e a todos por mais um sonho realizado. No total, foram 19 dias de caminhada, percorrendo mais de 160 quilômetros pelas montanhas do Himalaia. Uma experiência incrível, cheias de desafios e surpresas, da qual guardaremos não somente lindas fotografias, mas aprendizados e recordações para o resto de nossas vidas.
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