Sul da Índia: Chennai a Cochin
da redação, Texto: Pablo e Karina
13 de maio de 2013 - 15:41
 
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  • Foto: Karina e Pablo
    Seguraaaaa... Em Mahabalipuram, Tamil Nadu. Foto: Karina e Pablo
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    Em Mahabalipuram, Tamil Nadu. " Foto: Karina e Pablo
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    Bom lugar pra meditar.. " Foto: Karina e Pablo
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    A vista do templo Annamalaiyar do alto da montanha. " Foto: Karina e Pablo
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    Em Arunachala, Thiruvannamalai, Tamil Nadu India." Foto: Karina e Pablo
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    Matrimandir. Centro de meditação em Auroville sem conotação religiosa. — em The Matrimandir, Auroville, Puducherry." Foto: Karina e Pablo
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    Nós!" Foto: Karina e Pablo
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    Passeando em Auroville: comunidade internacional idealizada pelo filósofo e guru Sri Aurobindo. — em Auroville, Pondicherry." Foto: Karina e Pablo
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    Em The Matrimandir, Auroville, Puducherry." Foto: Karina e Pablo
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    Aninha aproveitou pra receber a benção de um Sadhu. — em Tiruvannamalai, Tamil Nadu." Foto: Karina e Pablo
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    Tomando um Masala Chai no caminho de Tiruvanamalai para Pondicherry." Foto: Karina e Pablo
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    Incrível Índia!!! " Foto: Karina e Pablo
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    No fim de tarde na praia. Delicia! — em Mahabalipuram, Tamil Nadu." Foto: Karina e Pablo
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    Em frente a praia de Pondicherry." Foto: Karina e Pablo
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    Felizes depois do delicioso banho de mar! — em Auroville Beach." Foto: Karina e Pablo
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    Se refrescando na piscina do hotel! Delicia!!! — em Pondicherry, India. " Foto: Karina e Pablo
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    Ops! Na India o beijo só é permitido embaixo d'água! rss" Foto: Karina e Pablo
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    Cinema ao ar livre com direito a pipoca apimentada!" Foto: Karina e Pablo
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    Diversão garantida para os indianos. " Foto: Karina e Pablo
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    Aninha sempre interagindo! " Foto: Karina e Pablo
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    Gandhi — em Pondicherry, India." Foto: Karina e Pablo
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    Casal bonito esse hein! " Foto: Karina e Pablo
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    Nos divertimos com as crianças" Foto: Karina e Pablo
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    De Pondicherry a Madurai em nosso ônibus leito! Isso é que é um leito de verdade!!! " Foto: Karina e Pablo
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    Templo Hindu Meenakshi Amman — Madurai. " Foto: Karina e Pablo
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    Parque Nacional Peryar — em Kumily, Kerala." Foto: Karina e Pablo
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    Muito fofa essa elefoa! " Foto: Karina e Pablo
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    Pézinhos..." Foto: Karina e Pablo
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    Em cima da Elefoa..." Foto: Karina e Pablo
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    El Bigodón!! " Foto: Karina e Pablo
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    Chegando em Kumily" Foto: Karina e Pablo
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    Lindo por do sol por trás das verdes montanhas" Foto: Karina e Pablo
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    Passeio de barco pelo P. N. Peryar — em Kumily, Kerala." Foto: Karina e Pablo
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    Canoa" Foto: Karina e Pablo
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    Os elefantes ao fundo." Foto: Karina e Pablo
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    Ops! Camisa do flamengo??" Foto: Karina e Pablo
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    As redes chinesas usadas para pesca na cidade de Cochin. " Foto: Karina e Pablo
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    Até as mulheres na pescaria!" Foto: Karina e Pablo
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    Até eu me arrisquei nessa ajudar nessa lavanderia comunitária. O ferro pesa 5 kg!!!! " Foto: Karina e Pablo
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    Pablito se arriscou num barbeiro indiano. Foi hilário! Teve tratamento "VIP". Antes.." Foto: Karina e Pablo
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    Durante..." Foto: Karina e Pablo
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    Salão de primeira! " Foto: Karina e Pablo
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    Depois... Muito engraçado.. Ficou o perfeito indiano!" Foto: Karina e Pablo
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    A noite fomos ver a dança típica Kathakali." Foto: Karina e Pablo
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    Mais plantações de chá. " Foto: Karina e Pablo
 

Estávamos prestes iniciar uma grande mudança em nossa viagem, deixar o norte da Índia, com seu agradável clima primaveril de montanha, e seguir para o sul, exatamente no período pré-monções, com a temperatura subindo drasticamente a cada dia. Aqui fica uma grande dica para quem deseja conhecer a Índia, mais do que o destino certo, fique atento(a) à época do ano que deseja viajar.

Conscientemente, seguiríamos na contramão do fluxo turístico. A cada dia encontrávamos mais pessoas migrando do sul para o norte, não só turistas mas indianos também, alguns oriundos das famosas praias do sul e outros de cidades, ashrams e templos sagrados. Todos nos advertiam que o sul já estava ficando excessivamente quente. Embora receosos, estávamos determinados a seguir adiante, pois além do nosso desejo de conhecer o incrível sul da Índia, lá encontraríamos a irmã da Karina, a querida Aninha, a qual passaria quase duas semanas conosco. Desde o início convidamos nossos amigos e parentes a participarem de nossa viagem, de forma que eles viessem nos encontrar no período ou destino que melhor lhes conviessem. Como não poderia ser diferente, a Aninha, pessoa que sempre nos apoio incondicionalmente, foi a primeira!

A esta altura da viagem eu e a Karina já havíamos vivenciado muitas situações e percorrido longas distâncias num dos países mais complexos do globo. Sabíamos que o início da viagem, especialmente por se tratar da Índia, seria fundamental para avaliarmos nossa capacidade e disposição de levar a cabo nosso audacioso projeto. Havia muitas variáveis e desafios nesta viagem, os quais só poderiam ser verificados com a vivência prática. Por exemplo, se nosso relacionamento resistiria 24 horas de intensa convivência, se teríamos o mesmo interesse turístico, se teríamos a mesma disposição e ritmo de viagem, qual capacidade de cada um de abrir mão do conforto, distanciamento familiar, dificuldades com hábitos alimentares e por ai vai.

Muitos nos alertaram que começar pela Índia seria uma insanidade, que deveríamos gradativamente percorrer países mais pobres na medida que fossemos nos habituando com este estilo de viagem. Como já relatamos anteriormente, iniciar pela Índia não foi uma escolha só nossa, a Índia também nos escolheu e nós nos entregamos a ela de corpo e alma. Eu particularmente imaginava que levaria um certo tempo para conseguir me desapegar do Brasil, especialmente do trabalho que tanto amo. Porém, a Índia é muito intensa e nos faz sentir fortemente presentes e conectados com seu “tsunami” de cores, cheiros, imagens e vibrações.

Fato é que, após este período de provação, eu e a Karina estávamos envoltos de um profundo clima de amor, cumplicidade e conexão. Talvez sensibilizados pelos mestres e pelos locais sagrados por onde passamos, nossas almas estavam intimamente unidas. Sentiamo-nos fortes e felizes! Estávamos convictos de que havíamos tomado a decisão certa de conhecer o mundo. Já estávamos sintonizados e habituados a viajar juntos. Era chegada a hora de viver uma nova experiência, receber e dividir a viagem com uma terceira pessoa, a irmã da Karina.

A Aninha reside nas proximidades de Washington/EUA há muitos anos, professora universitária de sucesso, muito bem casada com um americano sensacional de feições angelicais. Embora a Aninha seja uma pessoa forte e destemida - virtudes inerentes àqueles que se lançam ainda jovens a um país estrangeiro e alcançam o sucesso - nunca havia vivido um mochilão no estilo que estávamos imprimindo. Entretanto, eu e Karina não estávamos muito preocupados com isso, pelo contrário, estávamos convictos de que ela tinha a abertura de mente e espírito necessários. A Karina estava particularmente eufórica com a visita de sua irmã mais velha. Conversamos diversas vezes com a Aninha via skype nas semanas que antecederam sua chegada, de forma a alertá-la para os desafios, mas especialmente para que ela gradativamente “entrasse no espírito” da Índia. Quanto mais cedo ela compreendesse (não no plano “racional”, mas “vibracional”) o que lhe aguardava, melhor ela aproveitaria sua passagem por este mundo exótico e místico.

Nosso ponto de encontro foi a cidade de Chennai (antiga Madras), uma próspera metrópole industrial e portuária, com quase 9 milhões de habitantes. Eu e Karina chegamos com um dia e meio de antecedência para nos organizar melhor. Nosso objetivo era deixar a cidade na mesma madrugada que a Aninha chegasse, de forma a partirmos direto para Mahabalipuram. Talvez por excesso de confiança, cometemos um erro grave. Nunca chegue despreparado numa cidade grande. Fizemos uma pesquisa muito superficial a respeito de hospedagem em Chennai, o que nos obrigou a tolerar um péssimo hotel. Invariavelmente os hotéis na Índia e os hábitos de higiene estão muito aquém daquilo que estamos acostumados. É sabido que eu e a Karina temos um alto grau de tolerância, porém aquela espelunca ficará para sempre nas nossas piores recordações.

Tentamos sempre fugir de cidades grandes por estas e outras razões, mas dependíamos do aeroporto internacional naquele momento, obrigando-nos a tolerar aquele caos por mais tempo que gostaríamos. Mesmo nas situações mais adversas, basta um pouco de criatividade e boa vontade para descobrir seu lado positivo. Motivados por este espírito fomos conhecer Chennai. Rodamos a cidade de tuk-tuk a procura de seus atrativos turísticos, porém tanto o templo Kalikambal, quando a casa do falecido mestre Swami Vivekananda estavam fechados naquele dia. Optamos por desembarcar na praia e curtir um pouco da Costa Coromandel, segunda maior beira-mar do mundo. Como toda a Índia, havia sujeira na praia, mas também vimos cenas interessantes como pessoas lavando vacas no mar, casais namorando (não muito comum por aqui) e famílias passeando. Como sempre interagimos com os simpáticos e curiosos indianos, fotografando-os e sendo fotografados. Retornamos ao nosso desagradável hotel com um sentimento gostoso, restava-nos agora poucas horas de descanso antes de encontrar a Aninha.

Enquanto o táxi nos aguardava no estacionamento fomos à porta de desembarque receber a Aninha. Logo partimos para uma viagem de quase 3 horas para a próxima cidade de Mahabalipuram, desviando de muitas vacas na estrada para surpresa da nova integrante de nossa aventura indiana. Mal nos hospedamos na cidade, partimos, juntos com os primeiros raios de sol, a perambular pela pequena cidade. Aninha chegou com pique total, apesar das longas horas de viagem de avião. Curiosa e cheia de energia, logo nos arrastou para todos os lados e acabamos na praia. Superado o choque inicial de se deparar com sujeira, vacas, javalis, mulheres de saris e tantas outras peculiaridades ao nosso redor, Aninha e eu entramos nas águas quentinhas, quando repentinamente surgiu no meio do Mar de Bengala uma linda bola de fogo, de vermelho intenso, cujas tonalidades se alteraram na medida que ela subia no céu, extraindo a luminosidade da lua que logo se despedia. Sentimos como se estivéssemos sendo abençoados pela mãe natureza, seja qual for o nome dela, Mãe Terra, Gaia, Iemanjá, etc. Adianto-me a dizer que este espírito de magia, comunhão e contemplação prevaleceu nas semanas seguintes, marcando para sempre nossas memórias.

Nosso roteiro para o sul da Índia foi integralmente sugerido pela solícita e amorosa Cristiane-Eshana Ferraz Cury (representante da Indo Asia Tours no Brasil), e não poderia ter sido melhor! Em Mahabaliburam conhecemos o incrível conjunto de santuários esculpidos em rocha no séc. VII, considerados Patrimônio Mundial pela UNESCO. Também nesta ocasião apresentamos a diversificada e deliciosa culinária indiana para Aninha, a quem logo aprovou, passando a degustar do Tali, Naan, Roti, Chapati, Tandori, Masala Chai, Paneer, Aloo, Biryan, Korma, Pakoras, Lassi, Kofta, Curry e muito mais, com seus incontáveis condimentos, que delícia!

Desinibida e entusiasmada, Aninha acordava sempre muito antes do que nós para caminhar pelas ruas das cidades com vistas a interagir com os(as) indianos(as). É marcante a abertura dos indianos, os quais nunca desviam um olhar e sempre retribuem a um sorriso furtivo. O idioma não é uma barreira por aqui, a comunicação se inicia com uma troca de olhares e se aprofunda com gestos. Não foram poucas às vezes em que essas pessoas simples tentaram de alguma forma nos presentear, seja com objetos, gestos, conselhos, sorrisos ou mesmo atitudes desprentenciosas no sentido de nos auxiliar. Especialmente nas situações de aparente crise, estranhos subitamente surgiam para nos ajudar numa negociação qualquer, tradução, esclarecimento ou orientação geográfica.

Tínhamos um longo roteiro pela frente e logo partimos para Tiruvanamalai, cidade essa que permeava meu imaginário há algum tempo. Coincidências ou sincronicidades, muitos fatos nos atraíam para este local, onde além de haver uma conhecida montanha sagrada, um enorme templo, também é a cidade onde o guru Ramana Maharshi viveu por muitos anos. Quando li o livro “A Índia Secreta”, do escritor Paul Brunton, senti-me tocado por aquela história e pelo mestre nela mencionado. Convenci-me de que deveríamos visitar o Asharam daquele mestre quando sucessivamente diversas pessoas especiais, de forma direta ou indireta, passaram mencionar este guru e a referida cidade. Posteriormente, descobri que outros textos¹ e livros² de meu interesse estavam relacionados com a este mestre. Ramana Maharshi (1879/1950) é considerado por respeitados gurus (como Gandhi, Papa Ramdas, Paramahansa Yogananda, Krishnamurti e Poonja-Papaji) como um dos maiores sábios de nossos tempos. Para ele não havia distinção entre homens e mulheres, entre castas, credos, raças e religiões. Seu sentido de igualdade ia além dos seres humanos e abrangia animais e plantas.

TEXTO¹ - Outro ilustre visitante, o qual posteriormente escreveu a respeito do Sri Ramana, foi o prestigiado psiquiatra Carl Jung. O próprio guru Mooji que conhecemos em Rishkesh, cujas palavras nos emocionaram, é um discípulo do discípulo de Ramana.

LIVROS² - Em especial, o livro “O Fio da Navalha”, de William Somerset Maugham, escrito após visitar Sri Ramana Maharshi. Em seu romance Somerset conta a história do aviador Larry Darrell, cuja vida se transforma quando um colega de combate morre ao tentar salvá-lo. Este episódio insita Larry a questionar o significado da vida e a embarcar numa obstinada e redentora odisséia espiritual, levando-o inclusive ao Oriente.

Na idade de 16 anos, Ramana passou por uma experiência de morte espontânea e foi dominado pelo medo, a qual transformou sua vida. Sentindo-se incapaz de evitar esse medo da morte, Ramana se rendeu a ele, descobrindo a imortalidade da Alma, superando seu Ego. Sua descrição deste evento: “Foi em 1896, cerca de 6 semanas antes de deixar Madurai para sempre (para ir para Tiruvannamalai - Arunachala), que esta grande mudança na minha vida aconteceu enquanto eu estava sentado sozinho em um quarto. Eu raramente tinha qualquer doença e nesse dia não havia nada de errado com a minha saúde, mas um medo violento e repentino da morte me alcançou. Não havia nada no meu estado de saúde ou qualquer desejo em mim de descoberta para justificar tal medo. Eu apenas senti que eu ia morrer e comecei a pensar o que fazer sobre isso. Não me ocorreu consultar um médico, qualquer ancião ou amigo. Senti que tinha de resolver o problema sozinho. O choque do medo da morte levou minha mente para dentro de mim mesmo e eu disse mentalmente: ‘Agora a morte chegou, o que quer dizer? O que é que está morrendo?’ (...). Eu disse a mim mesmo: ‘Este corpo está morto. Ficará duro e será levado ao crematório, onde será queimado e reduzido a cinzas. Mas, com a morte do corpo, eu realmente estou morto? É o corpo que sou? Ele é silencioso e inerte, mas eu sinto a força da minha personalidade e até mesmo a voz do eu dentro de mim, além do corpo. Então, eu sou o espírito que transcende o corpo. O corpo morre, mas o espírito que transcende não pode ser tocado pela morte. Isso significa que eu sou o Espírito Imortal’. (...). Daquele momento em diante, o Eu ou Ser focou atenção sobre si mesmo com um fascínio poderoso. O medo da morte desapareceu de uma vez por todas. O ego foi perdido na enchente da auto-consciência. Absorção no Eu continuou ininterrupta desde esse tempo. Outro pensamento pode ir e vir como as várias notas de música, mas o "Eu" continua como a nota fundamental que subjaz e combina com todas as outras notas”. Embora passados tantos anos do seu falecimento, o poder da mensagem de Sri Ramana está presente no seu asharam, criando uma atmosfera de paz, amor e reflexão.

Ao invés de irmos para o hotel, fomos direto para o Asharam do Ramana Maharishi. Aninha ficou visivelmente tocada e impressionada com o ambiente, repleto de devotos de todas as nacionalidades. Hospedamo-nos nas proximidades para que nos próximos dias pudéssemos circular livremente por aquele espaço precioso. Eu e Karina desejávamos que a Aninha tivesse a oportunidade de sentir a força dos lugares sagrados, dos peregrinos, da religiosidade, dos gurus e dos Asharams na Índia. Aquele Asharam se tornou uma bela iniciação. Lá presenciamos algumas cerimonias, meditamos e vimos muito coisa interessante. Entre nossas idas e vindas do Ramanasharam cruzávamos sempre com macacos e pavões selvagens em perfeita harmonia com aquele ambiente.

Certo dia, eu me deparei com uma cena inusitada. Caminhando por uma estreita rua de terra, vi um grupo de pessoas reunidos em volta de um pavão selvagem se debatendo no chão. Tudo leva a entender que durante um voo ele se chocou com as linhas de alta tensão, recebendo uma forte descarga elétrica. A expressão de compaixão e afeto dos indianos por aquele animal sagrado me tocou. Logo chegou uma moto que havia buscado água e eu o ajudei a colocar na boca naquele lindo animal. Mas nada adiantou e o pavão deu seu último suspiro. As pessoas ainda permaneceram lá, quando decidi partir comovido. Esta imagem ilustra as várias cenas que testemunhamos na Índia, ou seja, de harmonia e integração dos animais com a sociedade. Não se pode fechar aos olhos aos mau tratos a alguns animais na Índia, onde, por ignorância e talvez necessidade, muitos animais são utilizados como força de trabalho. Porém, indiscutivelmente os animais – dos cachorros às vacas - são mais dóceis e indiferentes ao homem por aqui.

No curto tempo que dispúnhamos, procuramos explorar ao máximo a cidade sagrada de Tiruvanamalai. Visitamos o incrível templo Annamalaiyar e apreciamos suas belas construções seculares. Neste dia, a Aninha teve duas experiências marcantes e típicas da Índia, locomover-se de tuk-tuk nas caóticas ruas e receber a benção de um Sadhu. Também não podíamos deixar de subir a montanha Arunachala e meditar na caverna onde o mestre Ramana atingiu a iluminação. Sugestionados ou tocados pelo força destes ambientes, seja qual for a interpretação, aproveitamos estes momentos mágicos para enviar muita positividade para nossas famílias, amigos e finalmente para toda humanidade. Nestes momentos tão especiais nos vemos imersos num profundo sentimento de amor, paz e gratidão, sentindo uma forte energia fluindo em nosso Ser. Lágrimas naturalmente saem de nossos olhos fechados, como uma materialização de um transbordar de emoções. Tudo faz sentido, as incertezas desaparecem, o silêncio fala profundo e nós nos sentimentos intrinsicamente conectados com o presente e com todas as pessoas.

“Se nós progredirmos o mundo progride. Como tu és, o mundo é. Sem compreender o Ser qual é a utilidade de compreender o mundo? Sem o Auto-Conhecimento, o conhecimento do mundo não tem qualquer utilidade. Mergulha internamente e encontra o tesouro escondido aí. Abre o teu coração e vê o mundo através dos olhos do verdadeiro Ser. Destrói os véus e vê a magnificência divina do teu próprio Ser".
Ramana Maharshi

Deixamos Tiruvanamalai com gostinho de quero mais, ou seja, com desejo de se aprofundar mais nos seus mistérios, na auto reflexão, na meditação, na paz e no amor que pulsa do Ramanasharam. No entanto, a estrada nos aguardava e sem delongas partimos para a cidade litorânea de Pondicherry. O clima já estava escaldante no interior do estado de Tamil Nadu e retornar para uma cidade praiana foi um alento. Ficamos muito bem hospedados num hotel de uma simpática italiana que lá residia há muitos anos. A cidade é muito charmosa e bem cuidada. A influência colonial francesa é grande e visível em suas belas construções.

Pondicherry ou Puducherry é uma cidade multicultural, de atmosfera agradável, com boa qualidade de vida e restaurantes agradáveis, entretanto, o que mais atrai os visitantes a Pondichery é o ashram do Sri Aurobindo e a região de Auroville, também chamada de Cidade do Amanhecer, a dez quilômetros de Pondichery. Sri Aurobindo foi um importante nacionalista e lutou pela indenpendência da Índia, chegando a ser preso pelos britânicos. Também foi filósofo, escritor, poeta, yogue e guru. Após sua soltura e respondendo a um chamado interior, retirou-se do campo político, fixando-se no Sul da Índia, onde desenvolveu sua própria visão do progresso humano e evolução espiritual. Aurobindo era casado com Mira Alfassa, também conhecida com “The Mother” (A “Mãe”), cujo início da relação é repleto de misticismo. The Mother foi responsável pela continuidade dos trabalhos iniciados pelo marido, mas também deixou seu legado escrito e filosófico.

Assim como muito turistas e devotos, visitamos o túmulo do casal no lindo jardim do Asharam e reservamos alguns momentos para reflexão e meditação. Aproveitamos para percorrer a livraria e conhecer a longa obra escrita deixada pelo casal. Foi uma boa oportunidade para começar a entender o local que visitaríamos no dia seguinte: Auroville. Este vilarejo ou cidade foi idealizada por Aurobindo e levada a cabo com ajuda da Mother. Trata-se de uma povoação internacional nas proximidades de Pondicherry, cujo propósito é: “ser uma cidade universal onde homens e mulheres de todos os países são capazes de viver em paz e harmonia progressiva acima de todos os credos, todas as políticas e todas as nacionalidades. A propósito de Auroville é realizar a unidade humana”. Conta com uma população estimada em 3 mil pessoas originárias de mais de 45 países, inclusive do Brasil. Foi fundada dentro dos princípios da ioga integral, desenvolvida por Sri Aurobindo, sem qualquer conotação religiosa. Dentro do complexo há o surpreendente Matrimandir, uma enorme esfera dourada. Segundo reportagem da Casa Abril: “é um templo sem deuses, silencioso, que concentra uma energia feminina ligada à força da criação e a valores como compaixão, leveza e amorosidade”3.

“Deve haver em algum lugar sobre a terra que nenhuma nação pode reivindicar como sua propriedade exclusiva, um lugar onde todos os seres humanos de boa vontade, sinceros em sua aspiração, poderiam viver livremente como cidadãos do mundo, obedecendo a uma única autoridade, a da Verdade Suprema , um lugar de paz, concórdia, harmonia, onde todos os instintos de luta do homem seriam utilizados exclusivamente para conquistar as causas de seus sofrimentos e misérias, para superar sua fraqueza e ignorância, para triunfar sobre suas limitações e incapacidades, um lugar onde o necessidades do espírito e os cuidados para o progresso teria precedência sobre a satisfação do desejo e da paixão, da busca de prazer material e prazer. Neste local, as crianças seriam capazes de crescer e se desenvolver integralmente, sem perder o contato com a sua alma. Educação seria dado não com o objectivo de passar nos exames e obter certificados e mensagens, mas para enriquecer as faculdades existentes e trazendo novos (...)”
The Mother

Em Pondicherry desfrutamos de uma agradável caminhada a beira mar até a estátua de Ghandi, onde inesperadamente encontramos um cinema ao ar livre. Naquela semana havia um festival de cinema francês. Sob as estrelas de uma linda noite, eu e Karina assistimos um divertido filme, comendo pipoca apimentada, enquanto Aninha cochilava entre uma cabeça e outra no ar (“pescando”).

Deixamos Pondicherry com destino a Madurai para conhecer o imenso e surpreende templo hindu Meenakshi Amman. Como a cidade ficava distante do litoral, a sensação térmica era terrível. O calor era tanto que ardia nossos olhos e segundo os locais ainda não estava tão quente assim. Trata-se de um importante templo dedicado a Parvati (Meenakshi) e seu marido Shiva. A lenda de sua construção remonta mais de 2.500 anos. Há imagens impressionantes esculpidas em pedras gigantes e maciças. É quase inimaginável como aquelas pedras foram extraídas e trabalhadas há séculos com tamanha perfeição e levadas para o interior do templo. O grandioso complexo é cercada por torres com 50 metros de altura. Visitamos o templo durante o dia e à noite. Eu e Aninha ficamos hipnotizados com a cerimônia noturna em que imagens dos consortes Shiva e Pavarti são reunidos para dormirem juntas.

Nosso próximo destino era a cidade de Kumily, cidade fronteiriça entre estados de Tamil Nadu e Kerala, e base para se conhecer o Parque Nacional Peryar. Ficamos encantados pela cidade. Estávamos nas montanhas e cercados de vastas florestas, o que amenizava sensivelmente a temperatura. Desfrutamos de bons momentos nesta região. A começar pelo inesquecível passeio de elefante, aliás Elefoa, haja vista que somente a fêmeas permitem serem domesticadas. Como o Mahout (treinador de elefantes) que nos levou para passear era torcedor da seleção brasileira, a empatia foi instantânea, a ponto dele permitir que a Karina sentasse no local onde somente os mahouts sentam, ou seja, no pescoço com as pernas debaixo das enormes orelhas. A Karina se extasiou com a experiência, embora os duros pelos da Elefoa a penicassem. Também fizemos um interessante passeio dentro do Parque Peryar, com navegação no lago para avistar animais no primeiro horário da manhã. Não vimos tanto animais quanto esperávamos, mas tivemos oportunidade de visualizar a distância alguns javalis, bisões e especialmente alguns elefantes selvagens. Houve um momento de furor no barco quando subitamente um casal de elefantes e seu filhote saíram de dentro da floresta fechada para beber água à margem do lago. Foi gratificante ver aqueles animais imensos em seu habitat natural.

Em Kumily, a Aninha e a Karina assistiram um show da típica dança Kathakali. Lá também nos submetemos a massagens ayurvédicas. A Ayurveda foi desenvolvida na Índia há cerca de 7 mil anos, tornado-a um dos mais antigos sistemas medicinais da humanidade. Eu e Aninha além da massagem corporal completa, incluímos a “Sirodhara”, na qual um fluxo contínuo de óleos especiais quentes são derramados, de forma lenta e continua na testa. Devo confessar que de início foi desconcertante, ver-me massageado por dois homens (mulheres são massageadas por mulheres), trabalhando de forma sincronizada. Superado este preconceito cultural, todos nós tivemos momentos relaxantes e revigorantes. Aninha ainda repetiu a dose posteriormente em Cochin. Nosso última noite em Kumaly foi hilária, quando decidimos conhecer um verdadeiro barbeiro indiano e me igualar aos locais, deixando um típico “bigodinho” do sul da Índia. Tentei esta artimanha para conseguir preço de local, mas não deu muito certo.

Não foram somente os lindos lugares que marcaram nossa viagem. A convivência foi intensa, marcada por longas, divertidas e muitas vezes profundas conversas entre nós três. Trocamos experiências e muitas vezes nos emocionamos juntos! Certamente nossa relação sofreu um valioso “upgrade” (evolução), especialmente entre as irmãs, tornando o que já era especial, ainda mais maduro, forte e próximo.

Nosso destino final foi a cidade de Cochin ou Kochi, importante cidade portuária no oceano índico. Mas antes disso, nós desfrutaríamos do próprio caminho, o qual foi por si só uma aventura. Percorremos uma sinuosa estrada, cortando lindas montanhas com as famosas plantações de chá e pimenta. Um cenário idílico. Uma região repleta de plantações em terraços a perder de vista. De tempos em tempos víamos as pessoas colhendo as folhas de chá com pesados sacos nas costas, equilibrados por uma faixa na testa. Na medida que íamos deixando as montanhas, a temperatura começava a subir dramaticamente. Logo estávamos mergulhados num bafo de calor. Mas nada disso abalava nosso espírito aventureiro, silenciosamente aceitávamos aquelas intempéries como um ônus tolerável.

Deixamos as montanhas e rumamos para o nível no mar, na região dos famosos “backwaters”, uma incrível região de intermináveis canais e barragens, aparentemente criadas artificialmente para ampliar a área de plantio. Seguindo a dica de um indiano, ao invés de pagar um valor considerável para passearmos com os “house-boats” kettuvallam (típico barco local, adaptado para turismo, com quarto, ar condicionado e restaurante), pegamos um barco público de transporte local, cujo preço, subsidiado pelo governo, era insignificante. O passeio foi uma agradável surpresa, rodamos por algumas horas refrescantes entre as cidades de Kottayam e Alleppey, cruzando vilarejos, canais, palmeiras e lagoas imensas.

Finalmente, de Alleppey partimos de taxi direto para nosso destino final na Índia, Cochin ou Kochi, onde nos hospedamos no bairro Fort Cochin, conhecido pela influência portuguesa. Aliás, Portugal faz parte da história deste local. O navegante português, muito conhecido nosso, Pedro Álvares Cabral fundou o primeiro assentamento europeu na Índia em Cochin em 1500. Também descobrimos que na St. Francis Church (Igreja São Francisco) foi sepultado Vasco da Gama, embora seu túmulo tenha sido posteriormente removido para Portugal. A cidade de Cochin é chamada de Rainha do Mar Arábico, com um grande parque estuário. Diferentemente de toda a Índia, uma cidade coms construções européias e muitas igrejas. Lá conhecemos as lindas “redes chinesas”, uma forma única e antiga de se pescar.

Decidimos nos hospedar num bom hotel e desfrutar da culinária local, famosa pelos seus frutos do mar. Afinal, era nossa despedida da Índia e o retorno da Aninha para EUA. Tivemos um inesquecível e emocionante jantar à luz de velas à beira mar. Apesar do calor sufocante, tivemos agradáveis momentos nesta simpática cidade.

Despedimo-nos da Índia com um imenso sentimento de gratidão. Foram muitas realizações, descobertas e crescimento ao longo destes 50 dias. É muito difícil definir a Índia. A Índia é o país da diversidade, dos saris, do incrível caos e sincronismo do trânsito, da super população, da latente espiritualidade, onde quatro pessoas andam numa moto, da cultura milenar, onde há maior abertura no coração, das belezas naturais, do olho-no-olho, dos muitos sorrisos, da grande devoção, das maiores peregrinações do mundo, dos animais despojados, do mágico Ganges, onde se fotografa e se é fotografado, dos Sadhus, onde a agressividade é menor, da abundante em temperos e cheiros, onde as ruas são repletas de pessoas e sujeira, dos templos e asharams, dos homens e mulheres sagradas, onde os homens andam de mãos dadas, parafraseando Sri Aurobindo a Índia é uma "divina anarquia", enfim, muito e muito mais que tudo isso, é uma terra única que merece ser vista com seus próprios olhos.

Namastê! Shanti!


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