O que parecia inatingível foi se tornando realidade. Acampar, subir e descer montanhas, tomar água de rios, ficar dias sem banho, tudo isso se torna rotina dentro de no máximo 15 dias.
Mapa
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E que delicia de rotina. Olhando de fora não parece, mas tudo isso que eu descobri acima virou um sinônimo claro de "liberdade" no sentido mais amplo que existe.
Tinha que acordar, arrumar minhas coisas, pendurar tudo nas costas e sair andando até quando resolvesse acampar novamente. Durante o dia as preocupações eram não ficar sem água e olhar a vista maravilhosa que sempre estava bem na minha frente. Os desafios eram uma forma de sentir que não há nada impossível, e a cada dia o sonho da chegada estava algumas milhas mais próximo.
Não encontrei absolutamente nenhuma pessoa desagradável ou de mal humor pela frente. E quando meu coração já estava literalmente disparado o terminal que marca o final da trilha se materializou na minha frente. Foi muito emocionante! Ri, chorei, agradeci à Deus por ter me levado até lá sã e salva, e na minha cabeça passou um filme de tudo que venci pra chegar até lá.
Centenas de fotos depois, e abraços em quem chegou junto comigo chegou a hora de ir embora.
Acordei, dei uma última olhada pro tão sonhado terminal e fui fazendo o caminho de volta pra civilização. No carro que levou eu e mais 2 hikers até Seattle o silêncio era quase que constante. A mistura de emoções não era só um sentimento meu. Atingiu todos que estavam ali, cada um pensando em como dar o próximo passo para voltar pra "vida real".
Mas então o que vivemos em todos esses dias não era real?
Real é apenas ter um trabalho, enfrentar trânsito, se preocupar com a violência, com contas e com a roupa que vamos usar?
Tudo isso chegou de volta na minha vida com um efeito devastador. E de repente você percebe que algo está muito errado. A vontade de dormir não existe, afinal não subi nenhuma montanha hoje. Os barulhos por menor que sejam incomodam muito! Tentei me animar e comparecer à uma festa de aniversário de um amigo. Desastre total. Dirigir foi pior do que meu primeiro dia na marginal aos 18 anos de idade. Os sapatos apertavam os pés, a festa era muito barulhenta, e logo voltei pro meu quarto.
Desde então um vazio imenso foi se apoderando de tudo. A vontade de dormir aumentou, e junto a vontade de ficar sozinha e em silêncio. As fotos da trilha trazem lágrimas nos olhos, e as lembranças daqueles dias não saem nem por um minuto da minha cabeça. Tudo perdeu o colorido e ficou cinza, sem graça, e sem propósito.
Sinto falta da paz e energia que só a natureza é capaz de me dar. Sinto falta de meus amigos da trilha, da comida sem graça de todos os dias, e das risadas com ou sem motivo! Sinto falta do vento, do sol, e da enorme verdade que existe lá dentro.
Todos os hikers vindo de trilhas de longa distância passam por isso; em maior ou menor intensidade. Muitos precisam de acompanhamento médico por um período e muitos se tornam totalmente deprimidos e sem vontade de fazer nada que não seja planejar a próxima trilha.
Não vou me excluir de nada disso. Tudo está muito difícil, e apenas a certeza de que posso superar muitos desafios gigantes está me dando forças pra superar mais esse.
Não foi fácil andar do Mexico até o Canadá, mas aterrissar em São Paulo está sendo muito mais difícil!
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