Podcast 29: Briga no Everest (os detalhes)
Da redação: Elias Luiz e Aline Stela
3 de maio de 2013 - 9:50
 
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Falamos neste podcast sobre a briga que aconteceu no acampamento 2 do Everest, e agora com muito mais informações e detalhes do que realmente aconteceu. Acresecentamos informações na mudança da literatura de aventura e incluímos algumas dicas de livros.
Confira abaixo o roteiro deste podcast.
 
 

Bom dia, boa tarde, boa noite…
Bem-vindos a mais um podcast do Portal Extremos.
No podcast de hoje… UFC no Everest.
A situação esquentou por lá..., apesar do frio.

Começando este podcast ao som de Eye of the tiger, trilha sonora do filme Rocky Balboa.

Nós já falamos sobre a briga que aconteceu no Everest em um artigo no Portal Extremos, mas não foi nada comparado as informações que recebemos agora. Vamos falar sobre a briga que aconteceu entre os Sherpas e a expedição do italiano Simone Moro, o suíço Ueli Steck e o inglês Jon Griffith. Isso aconteceu a 7000 metros altitude, rola uma piada pela internet que esse é o primeiro recorde do Everest neste ano, o UFC em maior altitude no mundo.
Brincadeiras a parte, foi uma situação lamentável…

Existe um lema entre os montanhistas que é:

"O que acontece na montanha, fica na montanha"

Acredito que esse lema é o que permeou durante muitos anos os livros de expedições até os anos 50. Quem relata sobre isso muito bem é o montanhista americano Ed Viesturs em seu livro "K2, Vida e morte na montanha mais perigosa do mundo". Neste livro ele fala exatamente sobre essa mudança de estilo de escrever um livro, antes era mais romanceado, falando apenas do lado bom da escalada, da irmandade da corda, da fraternidade entre os montanhistas e assim por diante.

Com o surgimento da contracultura no fim dos anos 60, surgiu uma nova tendência na literatura de expedição. Nas novas narrativas o que era excluído dos livros anteriormente, agora passou a ser o primeiro plano, passou a ter o mesmo valor de toda expedição. As intrigas vieram a tona, os desentendimentos durante as expedições ganharam as páginas dos livros, as opiniões pessoais do autor também ganhou força e é um pouco deste estilo que vemos até hoje nos livros. Na verdade acredito que a história ficou mais real.

Durante uma palestra que eu assisti em uma das primeiras edições da Adventure Sports Fair, em São Paulo, o alpinista brasileiro Waldemar Niclevicz disse: A midia achou que eu fui muito bonzinho em meu livro "Everest - O diário de uma vitória" mas aguardem o próximo livro, não ficará nada de fora. Bom, o próximo livro foi o: "Um Sonho Chamado K2". Isso que o Waldemar Niclevicz disse é um exemplo da preocupação em se adequar a esse estilo diferente de como escrever. Eu já li os dois livros e gosto de ambos, lógico que percebo o quanto o livro sobre o Everest foi floreado, mas ambos são bons.

Mas temos muitos outros exemplos de livros brasileiros que seguiram essa linha, como o "Sonhos Verticais" de Manoel Morgado, que narra a sua escala ao Cho Oyu e ao Everest e a história toda permeia o relacionamento dele com a sua companheira, e quanto mais alto eles escalavam, mais o relacionamento ia se deteriorando.

No livro: Everest - Viagem à montanha abençoada, de Thomaz Brandolin, em alguns momentos ele tenta entrar nesse estilo da contracultura e fala um pouco das intrigas e problemas da expedição, mas conhecendo um pouco a história, acredito que ele pegou bem leve em relação a isso.

Bom, esse inicio do podcast foi apenas um gancho para explicarmos essa mudança de estilo e também temos um bom exemplo de quando os fatos são realmente expostos.

Nós recebemos a informação que Simone Moro tinha descido para o Acampamento Base e de lá pegou o seu helicóptero e voou para Namche Bazaar, veja, ele saiu de 5350m e foi para 3450m. Eu, ingenuamente escrevi na cobertura online que ele estava levando para outros níveis a filosofia do alpinista russo Anatoli Boukreev, que dizia:

- Antes de tocar o cume, toque o verde.

Significa, depois que você fizer todos os ciclos de aclimatação e for o momento do ataque ao cume, desça para um vilarejo mais abaixo, que tenha árvores, pois assim seu corpo vai se recuperar melhor em um ambiente com mais oxigênio e depois parta para o ataque ao cume com muito mais energia.
Mas na verdade Simone Moro foi para Namche Bazaar com Ueli Steck, Jon Griffith e Melissa Arnot, exatamente para medicar o suiço que teve um corte no rosto e para denunciar o ocorrido as autoridades.

Veja que a informação que eu havia dado é bem diferente da realidade. Veja que quando os fatos vem a tona, a história pode ser bem diferente. Foi por isso que os livros após a contracultura fizeram sucesso. Deixou a encenação de lado.

Bom... dito isso vamos aos fatos, vamos ao que realmente aconteceu no dia 27 de abril de 2013. Na verdade tudo começou a acontecer no dia 26 de abril, quando os sherpas, juntamente com alguns ocidentais, entre eles o alpinista Chad Kellogg tentavam instalar as cordas até o C3, eles resolveram utilizar a mesma rota que usaram em 2012. Kellogg havia tomado a dianteira e quando estavam se aproximando do C3 se depararam com uma enorme greta de 18 metros de largura e 45 metros de profundidade e por isso foram obrigados a dar meia volta e descer para o C2. Assim que Chad Kellogg e seus outros dois companheiros, Rory Stark e Damián chegaram ao C2, encontraram os Sherpas lamentando que haviam perdido um dia de trabalho pois agora teriam que chegar ao C3 abrindo uma via mais próxima da parede do Lhotse evitando assim aquela greta. Os Sherpas estavam falando que queriam subir ao C3 sem os "olhos brancos", ou mikaru, como os estrangeiros são conhecidos. Kellogg se deu conta que instalar as cordas de segurança era uma questão de orgulho nacional para os sherpas. Por isso decidiu tirar o dia 27 como um dia de descanso, assim deixariam os Sherpas trabalhando sozinhos.

O dia 27 de abril amanheceu com céu limpo e pouco vento. Kellogg, Rory e Damián decidiram fazer uma caminhada até a parede do Lhotse e assim poderia ver como estava o trabalho dos sherpas. Chegando lá encontraram a equipe de Sherpas já na parede do Lhotse, que tem aproximadamente 50 graus de inclinação e podiam ver duas linhas de cordas, uma utilizada para subir e outra para descer. Como o sol estava muito forte, resolveram voltar para a barraca e se hidratar. Depois de duas horas quando olhou novamente para a parede do Lhotse, havia uma terceira corda, a esquerda da equipe dos Sherpas. E era a corda de Simone Moro, Ueli Steck e Jon Griffith.

Simone Moro já escalou o Everest 4 vezes, inclusive fez uma travessia do Everest, escalou pela face sul (Nepal) e desceu pela face norte (Tibet), lógico, chegando lá no acampamento base do lado chinês, foi preso porque não tinha o permit para escalar o Everest pela Face Norte e também não tinha o visto chinês, depois de pagar uma multa foi liberado. Mas ele também já escalou outras 4 montanhas de 8000 metros no inverno, é um alpinista muito experiente.

Ueli Steck, é alpinista de velocidade, acostumado a escalar as montanhas nos alpes em poucas horas, em 2012 escalou o Everest sem o uso de oxigênio suplementar, na ocasião ele chegou ao cume do Everest juntamente com os Sherpas que estavam instalando as cordas de segurança.
Jon Griffith é cinegrafista e fotógrafo, iria acompanhar a equipe até a parede sudoeste do Everest.
A expedição de Simone e Ueli tinha o objetivo de abrir uma nova via na face sudoeste do Everest, eles estavam escalando em estilo alpino que é com pouco peso, sem utilizar oxigênio suplementar e sem auxilio de sherpas, totalmente altônomos.

Neste momento eles estavam subindo para montar o acampamento no C3.

Logo abaixo do C3, a equipe precisava passar pelas cordas dos Sherpas para chegar ao acampamento, foi neste momento que com todo cuidado Jon Griffith passou primeiro, tendo a cautela de não deixar cair gelo nos Sherpas que estavam abaixo dele e também teve o cuidado de não tocar nas cordas.

A confusão começou neste momento, Ueli nem havia atravessado as cordas e o lider dos Sherpas que estava na parede acima de Ueli, começou a rapelar e descer rapidamente e ia atingir a sua cabeça, então Ueli fez o movimento natural de colocar as mãos para cima para se proteger e claro, acabou encostando no Sherpa, e este ficou furioso e começou a gritar:

- Porque você me tocou, porque você me tocou?

Ueli não entendia porque ele estava tão irritado, podia ser porque eles estavam escalando mais rápido do que eles. E talvez isso de alguma forma os tenha envergonhando. O que os Sherpas levaram 5 horas para escalar, eles levaram uma hora e meia.

Ueli pediu para o Sherpa se acalmar e que ajudaria eles a fixar as cordas até o C3.
O Sherpa não gostou de ouvir isso, ficou furioso achando que Ueli estava menosprezando o trabalho deles.

Nisso Simone Moro começou a se aproximar e o Sherpa começou a sacudir a sua piqueta contra Simone, tentando acertá-lo ou assustá-lo, e Simone disse em Nepali:

- O que você está fazendo seu filho da puta!

Talvez essa não devia ser a melhor forma de falar com o Sherpa, mas no calor dos acontecimentos, sendo italiano e com sangue latino, essa foi a reação natural.

Os Sherpas estavam bravos e decidiram abandonar o local e voltaram para o C2.

Ueli Steck preocupado em ser culpado pelos Sherpas de não terem concluído a instalação das cordas ao C3, ele mesmo se encarregou de instalar os últimos 250m de cordas até o C3. Novamente não foi uma atitude muito censata, os Sherpas ficaram sabendo e ficaram ainda mais bravos pois se sentiram humilhados pelos estrangeiros.

O planejado para esse dia era que os três alpinistas fossem dormir no C3, mas Simone Moro achou melhor descer e tentar se acertar com os Sherpas, pois sabia que essa assunto precisava ser resolvido.

Quando começaram a descer, Simone falou via rádio com Greg, o lider da Expedição da IMG que estava no C2, e ele disse que a situação por ali não era boa e que eles deveriam tomar cuidado. Por isso os três quando chegaram ao C2 foram para suas barracas para pensar em como deveriam agir com os Sherpas.

A americana Melissa Arnot (que já escalou o Everest 4 vezes) saiu de sua barraca eu viu um grupo de aproximadamente 100 Sherpas indo em direção a barraca de Simone, Ueli e Jon. Como ela estava mais próxima da barraca deles, correu até lá e disse para eles se esconderem na geleira, pois temia o pior. Simone e Jon conseguiram chegar até a geleira, mas Ueli ficou para trás.
Ueli disse que se deparou com a multidão de Sherpas e notou que muitos deles estavam com o rosto encoberto, imediatamente percebeu que a situação não era nada boa e assim que os Sherpas se aproximaram ele começou a apanhar.

Ueli até pensou em revidar, mas sabia que isso iria enfurecer ainda mais, e lógico, seria impossível lutar contra 100 sherpas, então ele ia recuando e tentando se defender. Mas quando levou uma pedrada na cabeça, percebeu que a intenção deles era matá-lo.

O que aconteceu é que os 17 Sherpas que estava instalando as cordas fixas na parede do Lhotse, quando retornaram para o C2, fizeram a cabeça dos Sherpas das outras expedições que estava no C2 e o grupo instantaneamente aumentou de 17 furiosos Sherpas, para 100, realmente uma multidão.

Vendo a situação de Ueli, Melissa Arnot se colocou na frente dele, pois sabia que dificilmente os Sherpas bateriam em uma mulher. E empurrou Ueli para dentro da tenda da cozinha.

Minutos depois, mesmo comos Sherpas do lado de fora e jogando pedras contra a tenda, Melissa não sabia o que tinha acontecido com Simone e Jon, pediu para o seu Sherpa de confiança, ir buscar os dois alpinistas.

Apenas Simone voltou, pois Jon estava escondido em uma pedra. Assim que Simone estava chegando foi agredido novamente pelos Sherpas, mas conseguiu entrar dentro da tenda.

Os Sherpas prometeram que se Simone Moro saísse de joelhos e implorasse perdão, eles não fariam mal a mais ninguém. Simone Moro saiu e de joelhos disse:

- Desculpe, desculpe, Sorry, Sorry!

Nesse momento Simone levou um chute no queixo e alguém tentou esfaqueá-lo, mas por sorte a faca atingiu a alça da mochila. E novamente ele correu para dentro da tenda.

Os sherpas do lado de fora gritavam que eles não tinham permissão de estar na parede do Lhotse, mas apesar do Permit de Simone e Ueli ser para escalar a face Sudoeste, eles tinha sim a permissão de subir ao C3. Na verdade os Sherpas estavam querendo encontrar algo para culpar os alpinistas.
Então os Sherpas deram um ultimato, e disse que eles tinham uma hora para descer e não voltar mais, caso contrário iram matar os três. Nisso a multidão começou a se dispersar.

Meia hora depois os três alpinistas sairam escondidos pelo fundo da tenda e foram se rastejando até o glaciar e começaram a descer escondidos dos Sherpas, mesmo assim tinham receio de estarem sendo seguidos e naquela situação seriam uma presa fácil para uma multidão de Sherpas.
Mesmo assim continuaram descendo, pois o plano era de chegar o mais rápido possível até as escadas suspensas e se estivessem sendo seguidos simplesmente cortariam as cordas da escadas e estariam protegidos do outro lado.

Mas por sorte eles não estavam sendo seguidos e conseguiram horas depois chegar ao acampamento base do Everest. Mais tarde junto com Melisse Arnot foram de helicóptero até Namche Bazaar denunciar o ocorrido as autoridades e medicar o Ueli Steck.

Depois de alguns dias os três alpinistas voltaram para o Acampamento base do Everest, para participar de uma reunião juntamente com os chefes de outras expedições, os shidars (que são os lideres dos Sherpas em cada expedição) e também estava presente alguns dos sherpas envolvidos na confusão. Mediando isso tudo estavam as autoridades do governo do Nepal e foi redigida uma carta de intenções onde pedia para que nunca mais deveria acontecer algo parecido no Everest e quando houvesse algum problema, isso deveria ser passado para o seu superior e eles decidiriam o que fazer. Todos assinaram a carta e se desculparam e assim terminou a confusão.

Mas Simone Moro, Ueli Steck e Jon Griffith, ainda abalados com a situação resolveram cancelar a expedição e assim Ueli Steck e Jon Griffith voltaram para os seus países. Simone Moro resolveu continuar no Acampamento Base, onde mantém o seu helicóptero e o disponibiliza para o resgate gratuíto de alpinistas e sherpas na montanha.

Depois disso tudo, Melissa Arnot também decidiu permanecer e continuar a sua escalada e ela divulgou uma mensagem bastante emocionante em sua página no facebook, que dizia:

"Eu não posso contar os acontecimentos da semana passada no Everest, nem eu quero. Eu entendo que as pessoas querem ouvir a história e conhecer os detalhes, mas, sinceramente, os detalhes são tristes e eles estão no passado. Eles não podem ser alterados. Todo mundo vai ter a sua versão do que aconteceu e por que aconteceu. Eu também tenho a minha própria versão.
Eu vim aqui para escalar o Monte Everest. Eu vim aqui para o desafio, para a aventura e para fazer amizades, o que se tornou uma marca deste lugar para mim. Nesta expedição, eu tive alguns dos melhores momentos da minha vida, rindo com os amigos que apoiavam os objetivos de cada um. Eu tive alguns dos piores momentos - em pé na frente desses mesmos amigos para protegê-los da violência inexplicável e raiva. Algo mudou o equilíbrio por um momento. Minha única esperança é que isso seja esquecido rapidamente, e todos possam retomar seus trabalhos, sua paixão e seu objetivo de escalar.
Estou descansando agora, tanto o meu corpo e minha mente, na esperança de que eu possa retomar a razão que eu vim para cá. Sou grata pelos bons momentos que ocorreram neste ano. Estou triste pelos eventos da semana passada. Tenho esperança de que a jornada pela frente será de colaboração, apoio e reconstrução da relação de confiança entre todos os que escolheram estar aqui."

Acho que Melissa Arnot disse tudo: "Algo mudou o equilíbrio por algum momento…" é realmente acho que foi isso.

E foi isso… e você ouvinte, qual a sua opinião sobre estes acontecimentos? Deixe o seu recado, deixe a sua mensagem, a sua participação é muito importante.

Obrigado por nos acompanhar e até o próximo podcast.

Namastê.

 
 
 

 
 
 
 
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Simone Moro e Ueli Steck
No Acampamento 2 (6.400m)
 
 
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