Em 4 de abril de 2025, um acidente na travessia La Vuelta del Fitz, no maciço do Chaltén, na Patagônia argentina, desencadeou uma operação de resgate que entrou para a história do montanhismo. Duas escaladoras, María Dolores Gianotti, argentina de 26 anos, e Roshanna Johnston, australiana de 26 anos, feridas após uma queda de cerca de 40 metros, foram salvas por uma missão que reuniu 40 voluntários e marcou o primeiro uso de um helicóptero para evacuação direta na região. O evento expõe os desafios de escaladas remotas e a força da solidariedade entre alpinistas.
As escaladoras, divididas em duas cordadas, percorriam La Vuelta del Fitz, uma rota exigente que passa sob a face oeste do Cerro Chaltén (Fitz Roy) e desce uma rampa íngreme de rocha e gelo abaixo da crista Filo del Hombre Sentado. Perto do final da rampa, a primeira cordada instalou uma ancoragem com dois parafusos de gelo em uma inclinação de 70 graus para realizar um rapel. Quando ambas colocaram peso na ancoragem, os parafusos falharam, possivelmente devido à fragilidade do gelo ou a uma instalação inadequada, incapaz de suportar a carga. A falha da ancoragem provocou uma queda de cerca de 40 metros, resultando em fraturas expostas e lesões graves em ambas as escaladoras, exigindo resgate imediato.
Por volta das 20h30, a segunda cordada alcançou as parceiras, avaliou as lesões e improvisou um abrigo com uma barraca. Sem comunicação direta, elas caminharam horas até o acampamento Niponino, onde encontraram um alpinista com um dispositivo de satélite. A Comisión de Auxilio (CAX), equipe voluntária de resgate de El Chaltén, foi notificada ao meio-dia do dia seguinte.
A Complexidade do Resgate
Resgates no maciço do Chaltén são desafiadores devido às longas abordagens, terrenos instáveis e ausência de um helicóptero dedicado. Excepcionalmente, um Robinson 44, helicóptero turístico de El Calafate, foi mobilizado. Aproveitando uma rara estabilidade climática, o piloto transportou dois socorristas ao vale Torre, deixando um em Niponino e levando outro mais perto do local do acidente. Apesar de sua potência limitada, o helicóptero fez várias viagens, entregando voluntários e equipamentos pesados, como macas e cordas, economizando cerca de 10 horas de caminhada pelo glaciar Torre, repleto de fendas e boulders.
Enquanto isso, 40 voluntários da CAX, incluindo escaladores experientes como Caro North, deixaram suas rotinas em El Chaltén para ajudar. Um grupo inicial partiu às 14h30 com kits de primeiros socorros, atravessando o glaciar no escuro após o pôr do sol às 20h30, guiados por lanternas. Eles alcançaram as escaladoras por volta das 23h e iniciaram o transporte em macas por um terreno montanhoso traiçoeiro, exigindo esforço coletivo para evitar acidentes. Após horas, chegaram a Niponino, onde descansaram brevemente, aguardando o amanhecer.
Na manhã de 5 de abril, o helicóptero conseguiu pousar no glaciar, evacuando as escaladoras feridas e alguns socorristas diretamente para El Chaltén, onde receberam atendimento médico. Pela primeira vez, o piloto também conseguiu transportar socorristas de volta a partir de um terreno de alta altitude, próximo à Laguna Torre, um feito inédito na região.
Reflexões e Legado
A falha da ancoragem, provavelmente causada por gelo de baixa qualidade ou erro técnico na instalação, destaca os riscos de decisões críticas em rotas como La Vuelta del Fitz. Segundo voluntários envolvidos, a operação impressionou pela dedicação da comunidade, com dezenas de pessoas abandonando suas rotinas para enfrentar horas de caminhada noturna e condições adversas. A presença do helicóptero, embora improvisada, foi crucial, reduzindo um processo que poderia levar mais um dia.
O resgate reforça a necessidade de preparação rigorosa e equipamentos confiáveis em escaladas remotas. Também evidencia a fragilidade do sistema de resgate em El Chaltén, que depende de voluntários e recursos limitados. Membros da CAX, como North, defendem a criação de um helicóptero de resgate permanente, financiado por apoio governamental ou seguros específicos, para aumentar a segurança e aliviar a carga sobre os socorristas. As escaladoras, agora em recuperação, devem sua sobrevivência à competência e à solidariedade da equipe. O episódio deixa um alerta: em montanhas como as da Patagônia, a margem para erros é mínima, mas a capacidade humana de superar adversidades é imensa.
Pergunta
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