A temporada de escalada 2023/2024 no Aconcágua (6.962 metros), está tendo um início desafiador. No dia 3 de janeiro, Andrey Minaev, 30 anos, cliente do Seven Summits Club, faleceu em sua barraca no Acampamento Base, localizado a 4.260 metros. Apenas alguns dias antes, em 30 de dezembro, um cliente dos EUA morreu no caminho para o cume. Raul Alexander Tartera, de 30 anos, adoeceu perto do lugar conhecido como La Cueva. O guia Pedro Lizabe tentou um RCP, mas a saúde de Tartera se deteriorou rapidamente. Ele morreu por volta das 22:10. Ontem, o guia brasileiro Julianu Lorne participou do resgate de uma mulher a 6.700 metros de altitude.
Estávamos em 6.700m quando a menina passou mal. Já tinha o americano morto ao lado da trilha. Só pensei em ajudar e baixar a menina, que sem ajuda certamente morreria, afinal só o guia dela não ia dar conta.

O relato de Julianu Lorne
“Era 3 de janeiro. Eu guiava uma cliente no ataque ao cume do Aconcágua. Já havíamos passado pela Travessia (6.500) e estávamos próximos a La Cueva (6.700), quando vi um homem de jaqueta vermelha deitado a uns 5 metros da trilha. Pensei em gritar “Hola, que tal?”, quando me dei conta que o corpo do norte-americano que havia falecido dois dias antes, perto da La Cueva, por complicações da altitude, ainda não havia sido resgatado.
Continuei a subir e pude ver o corpo por completo, sinalizei para a minha cliente do que se tratava, continue subindo e tentando desviar o olhar, mas aquele corpo era como um ímã para meus olhos.
Parei, olhei fixamente, imaginei os últimos momentos dele, me imaginei no lugar dele, imaginei um amigo, imaginei um cliente. Comecei a chorar. Era a primeira vez que eu via um corpo sem vida na montanha e aquilo teve um forte efeito sobre mim.
Continuamos a subir, chegando a La Cueva (6.700) um Guia argentino descia com duas clientes, uma delas estava amarrada ao Guia com uma corda. Eu perguntei se estava tudo bem, ele disse que sim e continuou a descer. Subi mais alguns metros e quando olhei para trás para perguntar se estava tudo bem com a minha cliente, pude ver a menina que estava amarrada ao guia, cair, quase que desmaiar. Na hora desci ao encontro deles e me ofereci para ajudar, quando chegou um outro montanhista com sua companheira que descia do cume, e também ofereceu ajuda. Voltei a subir e falei com a minha cliente que se fosse necessário a minha ajuda para fazer o resgate, abortaríamos a tentativa de cume. Quando olhei novamente para baixo, vi o Guia tentando descer com a menina nas costas. Automaticamente já havia definido que iria descer e ajudar no resgate. Avisei a minha cliente e começamos a descer.
Por um momento o Guia e o outro montanhista se revesaram para baixar a moça nas costas, enquanto eu levava 4 mochilas. Paramos por uns minutos e o Guia aplicou uma dexametasona nela. Em seguida troquei com eles e fui baixando com ela nas costas. A menina praticamente não reagia e tampouco conseguia se manter consciente. Seguimos revezando e baixando ela até Independência (6.300). Aí tivemos a assistência de outros dois guias. Um deles baixou com as mochilas, enquanto o outro se juntou a nós e fizemos uma maca com duas mochilas, bastões e corda. Minha cliente, e uma outra montanhista que era enfermeira, prestaram assistência para a menina enquanto organizávamos como iríamos baixar de Independência até o Acampamento Cólera (6.000). Depois de mais uma aplicação de dexametasona e diamox, colocamos a menina na maca improvisada e começamos a baixar.
Eu e a minha cliente também descemos para Nido de Condores, onde dormimos, para no dia seguinte (04) descer com todas as nossas coisas para o Acampamento Base - Plaza de Mulas (4.300).
Éramos 4 homens carregando uma menina de uns 60/70kg, acima de 6.000 metros. Caminhávamos por uns 30 metros e era necessário parar 1 minuto para seguir por mais 30 metros. Eu sempre falava com a moça, tentando ver alguma reação dela. Em alguns momentos brinquei com ela, dizendo que queria ver o belo sorriso que ela tinha, e como estávamos descendo bem, havia uma pequena melhora, e ela de alguma forma pôde sorrir, comprovando o que eu já sabia: No que dependesse de nós, ela não morreria ali! Chegando ao Acampamento Cólera (6.000m) recebemos a ajuda de mais um guia, e então colocamos a moça em um domo, abrigada, onde foi novamente medicada e hidratada. As meninas trocaram a roupa dela, que estava toda molhada de urina, e a aqueceram com jaquetas de pluma. Ela começou a melhorar.
A partir daí, a Polícia de Resgate do Aconcágua já estava a caminho do Acampamento Cólera (6.000) para assumir o resgate e descer a moça para o Acampamento Nido de Condores (5.600), onde ela seria evacuada de helicóptero para o hospital em Mendoza. Eu e a minha cliente também descemos para Nido de Condores, onde dormimos, para no dia seguinte (04) descer com todas as nossas coisas para o Acampamento Base - Plaza de Mulas (4.300). Hoje é dia 5 e pelas notícias que recebi, a menina já está bem. No hospital, porém bem!”
“Sabedoria para fazer boas escolhas e força para honrá-las”