Música
Elias Luiz  |  30.12.2015  •  08:00

Quando Eddie Vedder se desliga do mundo em sua casa no Havaí, muitas vezes por semanas a fio, o telefone toca, mas provavelmente ninguém atende. Esse foi o caso no início de 2007, quando Sean Penn tentou falar com Vedder para lhe contar sobre a adaptação para o cinema que ele estava fazendo do livro de Jon Krakauer, Na natureza selvagem, de 1996.

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Apresentados um ao outro por Tim Robbins, Vedder e Penn se tornaram amigos durante a filmagem de Os últimos passos de um homem, em 1995.

Naquele dia de primavera de 2007, Penn estava imerso em Na natureza selvagem, a história verídica de Christopher McCandless, um jovem recém-formado na universidade que em 1990 cortou laços com a família e embarcou em uma odisseia de dois anos que terminou tragicamente com o rapaz de 24 anos morrendo de fome nas florestas inabitadas do Alaska. Penn tinha usado músicas como “Hey Hey, My My (Into the Black)”, de Neil Young, “Miles from Nowhere”, de Joe Henry, “Simple Man”, do Lynyrd Skynyrd, e “Cloudscape”, de Philip Glass, como modelos para que, de acordo com seu desejo, a música funcionasse como um dispositivo de transição em Na natureza selvagem. Mas ele sentia que Vedder seria o homem certo para acrescentar ou mesmo substituir essas músicas com suas canções originais.

“Acho que liguei de volta para ele uma hora ou meia hora depois”, lembra-se Vedder de quando Penn o procurou. “Você nunca sabe o que Sean tem em mente.” Depois de se tornar oficialmente parte do projeto, Vedder pegou o livro de Krakauer e o devorou. Poucos dias depois, Penn estava na casa de Vedder em Seattle lhe mostrando um corte inicial de três horas e quinze minutos do filme.

“Pude ver as paisagens e pude ouvir a música na minha cabeça”, diz Vedder. “O filme terminou e compartilhamos um momento de silêncio, porque aquilo era pesado. Acho que apenas perguntei a Sean, ‘O que você quer?’. E ele disse ‘O que quer que você sinta que funcione. Pode ser uma música. Podem ser duas, pode ser a coisa toda’. Então eu entrei no estúdio por três dias, começando no dia seguinte, e lhe dei uma amostra das coisas com que ele poderia trabalhar. E então ele começou a escolher. Imediatamente Sean encontrou algumas coisas que colocou no filme. Eu não esperava aquilo. Depois disso, então, eu realmente estava dentro.”

Apesar de fazer um disco solo parecer uma proposta solitária, Vedder se cercou no Studio X, em Seattle, de rostos familiares, como o produtor e engenheiro de som de longa data do Pearl Jam, Adam Kasper. “Você está tocando a música por conta própria, mas acaba fazendo parte de uma banda com os caras que estão apertando os botões e arrumando as guitarras e amplificadores”, diz ele. “Além disso, Sean é da banda e Chris McCandless é da banda. O filme se torna o disco de certa forma. Eu não era da banda. Aquilo era como ser o compositor para uma banda – servindo à voz de Chris McCandless. Não a minha voz, ou algo que eu queria dizer. Em quase todos os aspectos desse processo, isso simplificou as coisas. Havia menos escolhas. A história estava ali e as cenas estavam ali.”

Em um dia típico, “nós entrávamos no estúdio sabendo que tínhamos algumas tarefas a cumprir. Algo começava a se formar e eu percebia: ‘Não é isso o que queremos aqui’. Mas eu ia adiante e terminava esse algo e o transformava em alguma coisa”, diz Vedder, que tocou quase todos os instrumentos no que se tornou a trilha sonora de Na natureza selvagem. “É uma canção. Por que forçá-la a ser outra coisa? Como aquilo estava simplesmente acontecendo, apenas segui com aquilo. Estávamos andando muito rápido. Se ao meio-dia você se senta e só existe barulho ou uma fita vazia, se em uma hora você tem uma música, isso não existia há uma hora. Agora ela existe, e pode ser que exista por muito tempo.”

Longe do rock’n roll barulhento pelo qual o Pearl Jam é conhecido, a música que Vedder compôs é na sua maior parte suave, contemplativa, e muitas vezes tem pegada acústica. Canções alegres e confiantes como “Rise”, “Setting Forth” e “No Ceiling” incorporam a completa liberdade que McCandless deve ter sentido quando começou a sua jornada solitária, enquanto “The Wolf”, a dedilhada “Long Nights” e a instrumental “Tuolumne" pegam caminhos mais sérios, representando o puro isolamento e as consequências de vida ou morte inerentes à experiência de McCandless na floresta.

Duas das músicas são colaborações: Society fi escrita pelo cantor e compositor Jerry Hannan – nascido na Irlanda e baseado na Califórnia –, que também toca na versão da trilha sonora, enquanto a energética “Hard Sun”– originalmente gravada por um cantor e compositor canadense chamado Indio (cujo nome verdadeiro é Gordon Peterson) em seu único disco, Big Harvest, de 1989 – tem backing vocals de Corin Tucker, do Sleater-Kinney.

Mas o destaque musical é “Guaranteed”, um ponderação sobre a visão do mundo de McCandless e suas motivações para experimentar a vida em termos que eram difíceis para os outros compreenderem. Acompanhado apenas por um violão, Vedder canta “Everyone I came across, in cages they bought / They think of me and my wandering, but I’m never what they thought / I’ve got my indignation, but I’m pure in all my thoughts / I’m alive” [Todos com quem cruzei, em gaiolas que eles compraram / Eles pensam em mim e em minha jornada, mas nunca sou o que eles achavam / Tenho minha indignação, mas sou puro em meus pensamentos / Estou vivo].

“Quando ele mandou ‘Guaranteed’, eu ainda me segurava a ‘Miles from Nowhere’”, diz Penn. “Mas ‘Guaranteed' – apenas em sua origem vinda desse filme e não sendo uma música fácil de atingir você fora do contexto do filme – não estava pegando a bagagem de alguem emprestada para se tornar atraente. Ela tinha extrapolado o filme. Era uma música tão boa. Achei que para o objetivo do filme, eu nunca seria capaz de gostar mais de algo do que de ‘Miles from Nowhere’, mas Guaranteed’ parecia tão mais uma parte desse filme organicamente, e não como seu eu estivesse trapaceando.”

Vedder admite que achou “surpreendente como para mim foi fácil entrar na cabeça de McCandless. Achei que era desconfortável a forma como era fácil, porque achei que tinha crescido. Acho que todas essas coisas estavam logo sob a superfície para mim”.

Olhando em retrospecto, Vedder descreve a experiência de compor as canções de Na natureza selvagem quase como um sonho. Na verdade, ele só precisou assistir à entrevista que ele e Penn deram sobre o filme e a trilha sonora no programa The Charlie Rose Show para cimentar a experiência em sua memória.

“A entrevista começou e eu estava sentado no chão com uma cerveja, e era tarde”, recorda ele. “Pensei em assistir. Sentado lá, percebi que estava exatamente no mesmo lugar em que me encontrava sentado com Sean quando assistimos o filme. Realmente não parecia que muito tempo tinha passado. Foi interessante: eu ali, sentado no chão com uma caixa de cerveja, alguns meses atrás, e então passo a nos assistir na TV falando sobre o produto acabado. Isso deu um fim à odisseia toda. Tornou a coisa real, de certa forma. Precisei ver aquilo numa tela para tornar real. Não me lembro muito do processo porque passou bem rápido e eu estava realmente inconsciente. Eu quase não me lembro de nada do tempo em que estava fazendo aquilo. Foi uma forma estranha de ser informado de que a coisa toda tinha acontecido de verdade.”

Lançada no dia 18 de setembro de 2007, pela J Records, que havia lançado Pearl Jam no ano anterior, a trilha sonora de Na natureza selvagem foi um sucesso rápido, estreando no número 11 da lista dos 200 discos mais vendidos da Billboard e se tornando um candidato imediato a uma série de prêmios prestigiosos. Vedder acabou ganhando o Globo de Ouro de melhor canção original de 2008 pro “Guaranteed”, que também foi indicada a um Grammy por melhor canção escrita para um filme, televisão ou outra mídia visual. Além disso, “Rise" foi indicada ao Grammy de melhor performance vocal solo de rock.

“Para minha sorte, houve uma greve dos roteiristas naquela época, então não aconteceu uma premiação com a qual eu precisasse me preocupar em estar presente”, diz Vedder com uma risada. “Eu tinha surfado algumas ondas grandes naquele dia e estava trabalhando em uma nova fornada de músicas em meu gravador de oito canais. Quando recebi a ligação que me outorgou a honra de ganhar, eu me lembro de olhar para baixo e minha bermuda estava pingando no azulejo. Ainda molhado do surfe e trabalhando em novas canções – essa é uma bela forma de ganhar um prêmio. Esse será meu prêmio favorito entre todos os que já ganhei e ganharei, porque ele chegou em um momento excelente.”

E apesar de alguns críticos discordarem da recusa de McCandless em contatar sua família inconsolável durante suas viagens ou em se equipar adequadamente para a sobrevivência nas brutais e implacáveis florestas inabitadas do Alaska, tanto Vedder quanto Penn dizem que essas decisões foram o que mais os inspirou a ajudar a contar a história.

“Algumas das ações eram realmente corajosas”, diz Vedder. “Fazer o que ele fez sem dinheiro para bancar sua viagem e torná-la confortável, sem fazer aulas nem esperar por autorizações para descer rios ou caminhar em trilhas, ou o fato de ele não levar mapa, foram escolhas que ele fez com o objetivo de chegar à verdade da questão, qualquer que fosse a questão para ele. A verdade de sua existência, ou a existência de um humano nesse planeta. Muitas pessoas não vão entender isso, e essa é a sua prerrogativa. Eu na verdade respeito essas decisões. Vou respeitar as escolhas de qualquer um que quiser viver essa vida para alcançar o valor supremo dela. Acho que uma das razões por que muitas pessoas estão desconfortáveis com essa ideia é que talvez elas não tenham feito isso elas mesmas.”

Para deixar claro, trabalhar em Na natureza selvagem teve consequências positivas não intencionais para Vedder em sua própria vida, tanto musicalmente quanto pessoalmente. “A combinação de Sean e a história – que é o próprio McCandless e o trabalho que Jon Krakauer fez, e também as performances no filme –, a quantidade de respeito que eu tive por essas entidades era tão imensa que isso me ofereceu uma oportunidade de ir mais fundo nas composições do que talvez eu tivesse ido por um tempo”, diz ele. “Foi simplesmente o melhor conjunto de pedidos que recebi em muito tempo. Acabou por ser um excelente exercício de composição. Nossa banda será melhor por isso, o que me deixa muito animado.”

Perguntado se foi difícil para ele desligar a energia criativa que abastecia suas composições para o projeto, ele responde:

Bem, não, porque então começamos a viver aquilo. Fomos ao Grand Canyon e quase cheguei até o Alaska. Comecei a fazer escolhas em minha própria vida. Comecei a viver ao ar livre esse verão. Usando aquela inspiração para fazer coisas em minha vida. Quando eu estava trabalhando, sentia inspiração para fazer música. Foi isso que me pediram para fazer. Depois daquilo, peguei a inspiração e a coloquei na minha vida real e familiar. Passamos o verão ao ar livre. Acampamos um pouco. Eu me senti como um ser humano de verdade.

– Eddie Vedder

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