Desde o momento em que decidi percorrer a trilha da Great Divide Trail como tema do meu terceiro livro, 'Rocky Mountains', preocupava-me especialmente com o primeiro capítulo. Nos meus dois primeiros livros, o capítulo de abertura sempre ocorre em algum tipo de transporte: no 'Tour du Mont Blanc', ele começa dentro de um avião; no 'Kungsleden', estou em um trem. No entanto, estava ciente de que, nas Rocky Mountains, me encontraria dentro de um carro. Embora o carro seja um meio de transporte, para mim, ele remete mais ao trabalho e à vida urbana do que às aventuras. Esse contraste gerou uma certa preocupação sobre como incorporá-lo de maneira harmoniosa ao livro.
A solução surgiu no início de uma madrugada e foi se desenvolvendo gradualmente. Decidi prestar homenagem a Jack Kerouac, autor do livro "On The Road", que se tornou um marco na literatura dos anos 60. Além de nomear o capítulo em referência ao seu livro, adotei em meu capítulo um ritmo de escrita que remete ao estilo de Kerouac, dando a impressão de ser um capítulo perdido de sua obra.
A estrutura do texto surgiu de maneira orgânica. Abaixo, optei por dividir os parágrafos do primeiro capítulo por cores para você diferenciar as temáticas: os parágrafos em Verde Oliva descrevem o que acontece fora do carro; em Azul, o que ocorre dentro do carro; e em Marrom, o que se passa dentro da minha cabeça. Essa abordagem permitiu que a história ganhasse um efeito de zoom-in naturalmente.
Capítulo 1: On The Road
As placas passavam voando: Parkland, Stavely, Woodhouse.
Barb socava a bota no acelerador do seu possante 4x4, um genuíno Outback, que parecia flutuar suavemente na pista. O pneu de um caminhão estourou à nossa frente, e a manta de borracha veio rolando em nossa direção. No último instante, Barb jogou o carro para a outra pista e escapamos por pouco de um grave acidente.
Passamos por Fort Macleod e, após uma curva a oeste, vimos surgir a estrada que se desenrolava como um tapete e terminava aos pés das formosas Rochosas Canadenses. Nosso destino. A região mais plana e monótona estava ficando para trás. Com a aproximação do início da trilha, a bagunça dentro do carro só aumentava. Daiane ia no banco da frente, de copiloto. Era a mais animada, com uma alegria radiante por ter reencontrado a amiga de velhos tempos, da época em que havia morado por dois anos no Canadá.
Barb, sua amiga canadense de espírito jovem e contagiante aos 61 anos, era a nossa trail angel do dia. Ela se prontificara a nos levar de Calgary até Waterton Park, mas antes disso precisou viajar de sua casa em Kamloops até Calgary para nos encontrar. Ao todo, ela terá rodado 1.700 km apenas pelo prazer de rever a amiga e ajudar os brasileiros que abandonaram o calor de uma terra tropical para se enveredar por um labirinto de montanhas geladas.
A carona não poderia ter vindo em melhor hora. De outro modo, teríamos que fazer tediosas baldeações de ônibus. As ideias mais loucas parecem criar conexões com pessoas de bom coração e, no fim, tudo se conecta para aqueles que se arriscam a ir além.
Daiane baixou o vidro da janela do carro e um vento gelado percorreu a minha espinha. Ela colocou metade do corpo para fora e, com os braços abertos, os cabelos esvoaçantes e um enorme sorriso na alma, gritou a plenos pulmões:
– Hoje é dia de Rockies, baby!
Em meio à agitação das mulheres, uma guitarra atingiu as mais altas notas e o som de um saxofone rasgou o ar, levando todos nós às alturas. Era puro rock saindo dos capengas alto-falantes. Nossas cabeças e nossos corpos eram embalados pelo ritmo elétrico das guitarras, e nossos pés acompanhavam a batida.
Parecíamos fugitivos da prisão perpétua do Sistema, rumo à liberdade das montanhas! Eu imaginava panfletos de “Procura-se” sendo colados nos postes de todo o país, os telejornais vespertinos anunciando a caçada aos fugitivos em troca de altas recompensas. Como duas pessoas podem achar que são livres para viajar por onde quiserem por tantos dias? Essa era a justificativa que o presidente interino dava à população em cadeia nacional.
– Prendam os meliantes da liberdade! – ele dizia, aos berros, enquanto o povo assistia estarrecido. A maioria sem entender o que se passava e, como robôs, concordando com o que era dito, talvez devido aos longos anos de hibernação. Alguns viam nisso uma luz de inspiração do que estava por vir.
Não se escravize pelo Sistema, faça dele o trampolim para a liberdade. Nada nesta vida é de graça: tudo tem um preço e tudo tem o seu valor. Lute, trabalhe e conquiste aos poucos o seu caminho. Trilhe as sinuosas estradas da vida, sem perder de vista a paz interior e o caminho da natureza selvagem!
E Barb acelerava ainda mais, parecendo entender que éramos perseguidos pela ansiedade do início da trilha.
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