Caminhar por trilhas é uma das maneiras mais gratificantes de se conectar com a natureza. Seja subindo montanhas, explorando florestas densas ou cruzando desertos áridos, milhões de pessoas buscam essas aventuras todos os anos. No entanto, junto com a beleza e o desafio, vem um risco real: perder-se. De acordo com estimativas globais, milhares de caminhantes precisam de resgate anualmente, e muitos não voltam para contar a história. Mas por que isso acontece com tanta frequência? O que leva pessoas – desde novatos empolgados até veteranos experientes – a se desorientarem em trilhas mundo afora? Vamos explorar as principais razões e como minimizar que isso aconteça.
1. Subestimar a natureza: o erro mais comum
A natureza é imprevisível, e esse é um dos maiores atrativos das trilhas – mas também uma das principais armadilhas. Muitos hikers, especialmente os menos experientes, entram em uma trilha esperando um passeio tranquilo, subestimando os desafios do terreno e do clima. Montanhas podem parecer acessíveis à distância, mas escondem ravinas traiçoeiras, rochas soltas ou mudanças bruscas de altitude. Florestas densas bloqueiam a visão do horizonte, enquanto desertos enganam com sua vastidão monótona. E, na maioria das vezes, uma simples bifurcação pode ser o suficiente para te colocar em perigo.
Um exemplo marcante ocorreu em 2018 na trilha de Arthur’s Seat, em Edimburgo, na Escócia. Apesar de ser uma caminhada popular e relativamente curta – cerca de 2,5 km até o topo de uma colina com 251 metros de altura –, um grupo de turistas se perdeu por horas após subestimar as condições. O dia começou ensolarado, mas uma névoa densa caiu repentinamente, apagando os pontos de referência. Sem mapa ou bússola, confiando apenas em seus celulares que perderam sinal, eles saíram da trilha principal e acabaram em um terreno rochoso e escorregadio. Equipes de resgate os encontraram encharcados e desorientados após um deles torcer o tornozelo. Esse caso simples, em uma trilha acessível a iniciantes, mostra um problema universal: a natureza pode surpreender, e a falta de preparo básico transforma um passeio em um pesadelo.
2. Falta de preparo: do básico ao essencial
Outro fator recorrente é a ausência de planejamento. Trilhas exigem mais do que vontade e um par de botas ou tênis – demandam pesquisa, equipamento e conhecimento. Quantas pessoas saem sem verificar a previsão do tempo, sem mapa ou com suprimentos insuficientes? Um estudo da National Park Service dos EUA revelou que cerca de 40% dos incidentes em parques nacionais envolvem hikers despreparados, seja por falta de água, comida ou roupas adequadas.
Em 2019, na floresta de Tongariro, na Nova Zelândia, uma turista australiana se perdeu por dois dias após iniciar a famosa Tongariro Alpine Crossing sem um mapa físico, confiando apenas em seu celular – que perdeu sinal e bateria. Ela sobreviveu graças a equipes de resgate, mas o caso ilustra como a dependência de tecnologia, sem um plano reserva, pode ser fatal. Preparar-se significa entender o terreno, conhecer os pontos de referência e carregar o básico: água, comida extra, um mapa (físico!), uma bússola e camadas extras de roupa.
3. Tecnologia: aliada ou vilã?
A tecnologia transformou as trilhas. Aplicativos de GPS, como AllTrails e Wikiloc, ajudam a navegar terrenos complexos, mas também criam uma falsa sensação de segurança. Baterias acabam, sinais falham em áreas remotas, e mapas digitais nem sempre mostram perigos como ravinas ou rios sazonais. Em 2021, um grupo de hikers no Parque Nacional de Yosemite, nos EUA, seguiu um aplicativo que os levou a uma trilha desativada e perigosa. O resgate levou horas, e um dos membros sofreu uma fratura exposta.
Por outro lado, a tecnologia pode ser uma aliada poderosa para salvar vidas quando usada com inteligência. Dispositivos como localizadores pessoais por satélite (PLBs), como o SPOT ou o Garmin inReach Mini, permitem enviar pedidos de socorro em emergências, mesmo em áreas sem sinal de celular. E a inovação não para aí: os iPhones mais recentes estão começando a funcionar como uma espécie de PLB. Em regiões como EUA, Canadá, Suíça e outros países, é possível enviar um sinal de resgate via satélite, conectando-se à rede da Globalstar, sem depender de cobertura telefônica tradicional. O segredo está no equilíbrio: trate a tecnologia como um apoio valioso, mas nunca como sua única solução.
4. A busca pelo momento perfeito
As redes sociais têm um papel crescente nos incidentes em trilhas. A pressão por fotos impressionantes leva pessoas a ignorar sinais de perigo ou sair das rotas seguras. Em 2018, na trilha Trolltunga, na Noruega, um turista caiu de um penhasco de 700 metros enquanto tentava tirar uma selfie. A busca por likes transformou um local já desafiador – com 10 horas de caminhada e clima instável – em um ponto de acidentes frequentes.
Esse fenômeno não é exclusivo de lugares famosos. Trilhas menos conhecidas também atraem aventureiros atrás de “exclusividade”, muitas vezes sem sinalização adequada ou fiscalização. A obsessão por capturar o momento perfeito faz com que hikers desviem o foco do caminho à sua frente, aumentando o risco de se perderem ou se ferirem.
5. Clima: o fator imprevisível
O clima é um dos maiores culpados por desorientação em trilhas. Nevoeiro denso pode apagar pontos de referência em minutos, enquanto tempestades repentinas transformam caminhos secos em rios perigosos. Em 2020, na Cordilheira dos Andes, no Peru, dois irmãos se perderam na trilha Salkantay após uma nevasca inesperada cobrir as marcações. Eles foram encontrados após três dias, desidratados, mas vivos, graças a um abrigo improvisado.
Mudanças climáticas intensificam esse problema. Regiões antes previsíveis, como os Pirineus na Europa, agora enfrentam chuvas fora de época e derretimento rápido de neve, confundindo até os guias locais. Consultar múltiplas fontes de previsão e estar pronto para desistir da trilha são medidas cruciais.
6. Terrenos traiçoeiros: a geografia contra o hiker
Cada região tem seus próprios desafios geográficos. Nas florestas tropicais da Costa Rica, vegetação densa engole trilhas e esconde precipícios. Nos Alpes franceses, avalanches e geleiras móveis desafiam a navegação. No deserto do Atacama, no Chile, a falta de água e a uniformidade do terreno desorientam até os mais atentos. Um passo em falso pode levar a uma queda, a se perder em um labirinto natural ou a ficar preso em áreas sem saída.
Um caso notável aconteceu em 2023 no Parque Nacional de Banff, no Canadá, onde um hiker experiente caiu em uma fenda glacial escondida por neve fresca. Ele foi resgatado após ativar um PLB, mas o incidente destaca como a geografia pode ser um adversário silencioso.
7. Psicologia: o impacto da mente sob pressão
A mente humana também desempenha um papel. Quando alguém se perde, o pânico pode transformar uma situação controlável em um desastre. Estudos de psicologia ao ar livre mostram que pessoas em pânico tendem a se mover aleatoriamente, afastando-se ainda mais da trilha, em vez de parar e avaliar. Em 2017, na floresta de Białowieża, na Polônia, um hiker perdido caminhou em círculos por horas, esgotando suas forças antes de ser encontrado.
Fadiga e exaustão agravam isso. Após horas de caminhada, a capacidade de tomar decisões diminui, e erros simples – como ignorar uma marcação – se tornam comuns. Treinar a calma e conhecer técnicas básicas de sobrevivência, como a respiração 4-7-8 (inspirar por 4 segundos, segurar por 7, expirar por 8), pode fazer a diferença.
8. Falta de coordenação e resgate limitado
Em muitos lugares, equipes de busca e resgate são limitadas por recursos ou jurisdição. Na África do Sul, por exemplo, o Parque Nacional Tsitsikamma depende de voluntários para resgates, o que pode atrasar operações. Em áreas remotas da Mongólia, como o Altai Tavan Bogd, hikers podem estar a dias de qualquer ajuda. A ausência de um plano compartilhado com alguém – informando a rota e o tempo estimado de retorno – complica ainda mais os esforços.
Como evitar se perder: 8 dicas práticas
O que fazer caso se perca?
Segundo Chris Berquist, fundador do Search Tech Advisory Team, o primeiro passo é manter a calma. Ele sugere:
- Pare e respire: Use a técnica de respiração 4-7-8 (inspirar por 4 segundos, segurar por 7 e soltar por 8).
- Avalie: Tente lembrar o último ponto conhecido e procure referências visíveis.
- Torne-se visível: Vá a uma clareira ou área alta e sinalize (ex.: “SOS” com pedras ou fumaça).
- Mova-se com cuidado: Se souber a direção geral, caminhe devagar; se não, espere ajuda em um local seguro.
Berquist conclui: "O mundo não é um parque temático. O perigo é real. O mar pode te levar, o solo pode te derrubar e as trilhas podem te engolir. Respeite a natureza e ela te permitirá explorar suas belezas com segurança."
Respeite a jornada
Perder-se em uma trilha não é apenas uma questão de azar – é o resultado de fatores como falta de preparo, tecnologia mal utilizada, terrenos desafiadores e a imprevisibilidade da natureza. Histórias como a de Amanda Eller, que sobreviveu 17 dias perdida em Maui em 2019, ou de Aron Ralston, que amputou o próprio braço para escapar de um cânion em Utah em 2003, mostram que a resiliência humana é incrível – mas o ideal é nunca chegar a esse ponto. Trilhas são sobre aventura, não sobre heroísmo forçado. Respeite os limites, planeje-se e aproveite o caminho com segurança.
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