Era princípios do mês de setembro de 2012 e eu acabava de retornar do Elbrus, Rússia (5.642m), depois de uma emocionante e bem sucedida escalada. Orgulhoso pelo objetivo alcançado, já que era minha primeira experiência em montanhismo, resolvi compartilhar por e-mail algumas fotos da expedição com um amigo francês, colega de empresa e montanhista nas horas vagas, que vive em Seyssins, ao lado de Grenoble, na região dos Rhone-Alpes, sudeste da França. Para a minha surpresa e felicidade, a resposta dele veio acompanhada de uma tentadora e direta indagação: “Parabéns! O que você acha de escalar o Mont Blanc comigo em Junho ou Julho de 2013?” Hervé Chabrolle tem 59 anos e uma condição física capaz de dar inveja a muitos montanhistas de 20-30 anos. Ele já havia estado duas vezes no cume do Mont Blanc, quando me fez esse convite. Como não poderia deixar de ser, essa proposta realmente mexeu bastante comigo, por tudo o que Mont Blanc representa no cenário do montanhismo internacional, pela sua história, seu charme e sua beleza.
Mas ainda assim, apesar de ficar extremamente honrado e extasiado com o convite, naquele momento acabei descartando a possibilidade de aceitá-lo, já que o meu calendário de montanhas para 2013 em princípio já estava ocupado com uma expedição ao Mckinley (Alasca), prevista justamente para Junho de 2013.
Quando em Dezembro de 2012 a expedição ao Mckinley acabou sendo cancelada, por motivos de força maior, não pensei duas vezes em retomar com a possibilidade de escalar o Mont Blanc. Imediatamente fiz contato com o Hervé, que ainda estava animado com a ideia de conquistar pela 3ª vez aquela que é a montanha mais alta de seu país e de toda a Europa Ocidental. Começamos então a planejar cada detalhe da expedição: a data, a rota que faríamos, além de todos os detalhes logísticos normais que envolvem qualquer escalada com esta.
Decidimos que tentaríamos chegar ao cume pela via “dos Três Montes” ou via “Col du Midi”, que apesar de ser mais exigente física e tecnicamente do que a via do “Gouter”, considerada a via normal, tem a vantagem de ser menos frequentada, já que o Mont Blanc é também famoso por possuir verdadeiras “multidões” de montanhistas que todos os anos lotam refúgios e vias de escalada.
Depois de 6 meses de preparação, a qual incluiu, além dos treinamentos rotineiros de corrida e montanha, um curso de escalada em gelo na Argentina e a escalada do Pico Bolívar, na Venezuela (5.007m), estava pronto para partir para o Mont Blanc.
Desembarquei assim em Grenoble, no dia 08/06 e no dia seguinte, mesmo com o relógio biológico ainda um pouco desorientado em função da longa viagem e da diferença de horário de 6,5h da França em relação a Venezuela (país onde resido atualmente), já realizamos o nosso primeiro treino de aclimatação. Escolhemos a região do Taillefer, principalmente pela sua proximidade de Seyssins (menos de 1h em carro), apesar não ser uma montanha de grande altitude. Nesse dia fizemos o Petit Taillefer (2.696m) de maneira bastante tranquila e descontraída.
No segundo dia, para avançarmos com o processo de aclimatação, combinamos que iríamos até a região do Combeynot, mais afastada de Grenoble (2h30 de carro), porém com uma altitude um pouco mais elevada, passando dos 3.000m. O que era para ser um treino relativamente leve, acabou tornando-se uma escalada bastante exigente, principalmente pelas condições climáticas adversas e pelas características da neve, que na maior parte do percurso chegava até a altura do joelho, fazendo com que avançar rumo ao cume fosse uma tarefa bastante árdua e demorada. Depois de conquistarmos o Pic Est de Combeynot (3.145m), descemos até o povoado e antes de tomarmos a estrada de volta nos permitimos compensar o esforço do dia deliciando-nos com uma saborosa cerveja francesa. No caminho de volta, estávamos contentes e otimistas, já que mesmo com o treinamento duro, nos sentíamos fortes e bem dispostos a enfrentar o grande desafio que começaria a partir do dia seguinte.
Depois de uma boa e longa noite de sono, saímos na metade manhã de Seyssins com destino a Chamonix. Por volta das 14h chegamos nessa linda e charmosa cidade situada aos pés do Mont Blanc. Almoçamos, tiramos algumas fotos e em seguida já tomamos o teleférico para L’Alguille du Midi, a 3.842m, desde onde teríamos que “desescalar” cerca de 200m até chegar no Refuge des Cosmiques (3.613m), local onde descansaríamos algumas horas, para em seguida partirmos para o ataque ao cume, a 1h30 da madrugada. A vista que se tem do maciço do Mont Blanc, quando se está na L’Alguille du Midi, é belíssima, realmente impressionante. Pela primeira vez, foi possível avistarmos claramente os famosos 3 montes, o Mont Blanc du Tacul (4.248m), o Mont Maudit (4.465m) e o finalmente o cobiçado cume arredondado do Mont Blanc, com seus 4.810m. Ao mesmo tempo em que estava maravilhado admirando a bonita paisagem, confesso que tive uma certa preocupação ao ver todo o trabalho que teríamos pela frente, até chegarmos ao cume.
Depois de tirarmos algumas fotos na L’Alguille du Midi, começamos a caminhada rumo ao refúgio, onde chegamos por volta das 16h. Após um bom jantar, às 20h já estávamos devidamente instalados nos nossos confortáveis beliches, tentando descansar por algumas horas antes de partirmos para o que seria a nossa primeira tentativa de cume. Acordarmos às 00h50 da madrugada, tomamos um reforçado café-da-manhã, e à 01h50 saímos determinados a chegar no topo da Europa Ocidental. Até passarmos pelo primeiro dos três montes, o Mont Blanc du Tacul, íamos muito bem, caminhando em ritmo forte e constante. Entretanto, as condições da neve pioraram bastante após este ponto. A neve fofa e profunda nos fazia avançar muito lentamente e o risco de avalanche era eminente. A maioria dos grupos já havia decidido voltar e estávamos vendo o quanto estavam sofrendo os que ainda tentavam escalar a encosta inclinada do próximo monte, o Mont Maudit. Apesar de termos relutado e insistido ao máximo na possibilidade de continuar, não nos restou outra saída a não ser desistirmos também. Após avaliarmos friamente a situação, concluímos que não havia nada que pudéssemos fazer a não ser retornarmos ao refúgio, para descansarmos um pouco e tentarmos de novo no dia seguinte, torcendo para que as condições da neve estivessem melhores. Mesmo tendo a consciência de que essa era a decisão acertada, confesso que fiquei bastante frustrado, já que não via muitas possibilidades das condições da neve estarem diferentes no dia seguinte. De qualquer forma, não nos restou nada a fazer a não ser apreciarmos as belíssimas paisagens dos Alpes que nos acompanharam durante o caminho de volta.
Depois de retornarmos para o refúgio e descansarmos durante algumas horas, é chegada a hora de tentarmos de novo. Saíamos às 02h00 da madrugada. No caminho fomos presenteados com um lindo nascer do sol atrás do Mont Blanc du Tacul.
Dessa vez, para nossa grata surpresa, a neve apresentava condições muito melhores, e a inclinada encosta do Maudit já não aparenta ser tão instransponível como pareceu ser no dia anterior. O momento de transpor a crista do Maudit e poder ver claramente o cume ‘arredondado’ do Mont Blanc ao fundo, foi único. Por mais que ainda faltassem cerca de 2h30 de escalada até chegar ao topo, foi nessa hora que eu tive a certeza absoluta de que iria conseguir. Aos poucos, o segundo dos ‘Três Montes’ foi ficando para trás...e o Topo da Europa Ocidental foi ficando mais perto. Até que às 10h03 do dia 13 de junho de 2013, chegamos ao nosso objetivo: Cume do MONT BLANC, 4.810m!
A vista que se tem lá de cima é algo simplesmente espetacular, uma imensidão de montanhas nevadas que se estendiam por terras Francesas, Suíças e Italianas. Mas nenhuma delas era tão alta quanto aquela que eu estava pisando naquele momento.
Depois de dedicar alguns minutos para fotos e abraços de comemoração, me afastei um pouco das várias pessoas que estavam no cume naquele momento e por alguns instantes fiquei sozinho, simplesmente contemplando tudo aquilo que estava acontecendo comigo. Fiz uma oração de agradecimento e quando me dei conta, inevitavelmente tinha os óculos embaçados por algumas lágrimas que começaram a escorrer pelo meu rosto.
Começamos então a longa descida pela rota “Grands Mulets”, rota original pela qual o Mont Blanc foi conquistado pela primeira vez, em 1786. Essa rota é famosa por sua beleza e isolamento, já que pelo fato de estar bastante exposta a seracs e cravasses durante boa parte do seu longo percurso até o refúgio que leva o mesmo nome da via, pouca gente a utiliza. Depois de passarmos a noite no refúgio, na manhã seguinte já estávamos de volta a Chamonix, celebrando o sucesso da nossa escalada. No mesmo dia retornamos a Seyssins e no final da tarde tomei o trem para Paris, onde meu irmão e minha cunhada, que coincidentemente visitavam a cidade naqueles dias, me esperavam para que déssemos continuidade às comemorações.
Foram momentos que seguramente levarei comigo para o resto da vida e que me motivam a já começar a sonhar e planejar novos desafios. Claro que terei que conciliá-los com a minha complicada agenda de compromissos profissionais, mas o certo é que não quero demorar muito tempo para voltar para as montanhas, já que em poucos lugares me sinto tão próximo de Deus e tão bem comigo mesmo.
Um abraço a todos,
Cristiano Müller |