Kilimanjaro, a história de uma escalada
Texto: Paulo Roberto Penachio
7 de maio de 2013 - 20:55
 
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Sonho realizado, Paulo Roberto no cume do Kilimanjaro: "Quem sempre sonhou em estar na montanha, não perca tempo, transforme em realidade, o tempo não espera, urge". - Foto: Carlos Santalena
 

Desde pequeno a curiosidade por coisas diferentes foi uma constantre em minha vida.
A vida na cidade do Interior, principalmente há muitos anos atrás tinha um contexto diferente do que vemos hoje.
Pescar de peneira de abanar café nos córregos, pegar "cascudos", "pedrinhas" e "bagres" era muito fácil e delicioso, tudo isso, sempre, sem a mãe saber onde estávamos e, quando chegávamos em casa uma surra já era esperada.
Sair cedo com um embornal cheio de pelotas de barro para caçar passarinhos, que nunca matei, e se embrenhar nas matas e atoleiros era uma aventura maravilhosa para uma criança da cidade pequena (Getulina-SP).

A vida segue seu curso, a escola vai ficando mais dificil, é preciso estudar mais e o tempo disponível para escapadas desaparece, as obrigações aumentam e logo vem a fase do namoro, o casamento, os filhos e quando damos conta do tempo e de nós estamos com mais de 30, 40, 50...

Muitos dos sonhos foram adiados, postergados, mas para aquele que sempre teve em seu interior, no sangue, a vontade de desbravar o desconhecido que não é trivial à maioria das pessoas, sabe que nunca é tarde para realizar um sonho.

O ponto de partida foram as caminhadas, iniciei fazendo no Brasil o "Caminho do Sol", "Caminho dos Anjos" não completo, e resolvi alçar voo mais longo e decidi fazer o "Caminho de Santiago de Compostela" e pela primeira vez o fiz em 2006 - "Caminho Francês", em 2008 estava eu fazendo novamente o "Caminho de Santiago" mas dessa vez o "Caminho Português", em 2009 resolvi fazer novamente o "Caminho Francês" na companhia do meu filho mais velho (Rômulo), e o completei. Caminhar estava se tornando uma rotina e todas as manhas e preparos já estavam assimilados tornando o desafio não tão motivador, mas mesmo assim, na companhia de meus dois filhos e de um amigo resolvemos em 2011 fazer o "Caminho de São Francisco de Assis" na Itália, que se revelou tal qual Santiago, belíssimo, não só pela paisagem da Toscana e Úmbria mas por todo o entorno dessa região.

Então, aquele sonho de menino aflorou com força e para não deixar escapar decidi que a próxima aventura seria escalar uma montanha, e a pergunta seguinte, por óbvio, QUAL?
O que siginifica escalar uma montanha? Qual o preparo necessário? Quais equipamentos? Quais as dificuldades para se montar uma aventura dessa, com guia ou sem guia, em fim, todas as dúvidas possíveis assolavam minha cabeça e minha intenção. Com a leitura de dezenas de livros de aventura e principalmente de escalada de montanhas obtive muitas informações teóricas, li e reli as situações de dificuldade que ocorrem nas montanhas e estavam todas mapeadas em minha mente, mas uma coisa é ler outra é viver, estar lá, sentir as dores da escalada e o prazer da conquista.
Em empreitadas como essa, a companhia é essencial, e o convite ao meu filho mais novo (Paulo Vítor) para me acompanhar foi aceito de imediato o que gerou a endorfina necessária para acelerar o processo.

Decidi, então, começar pelo Kilimanjaro que entre as altas montanhas dos 7 cumes era teoricamente a mais fácil.
A preparação foi intensa, desde a parte teórica, até a parte física que culminou com a travessia Piolinho-Lobo na Serra Fina em Minas Gerais sob o comando do Orlando Mohalem e Maurício Luzzi, mas sempre uma dúvida martelava a cabeça, como será a reação do corpo na altitude?

Ao buscar ajuda, essa veio através da Grade6 com sua equipe altamente profissional e competente. Nos diversos contatos com o Rodrigo Raineri e o Carlos Eduardo, a certeza que estava no caminho correto. A viagem começou imediatamente, pois a escolha e compra dos equipamentos, sempre em dobro (meu e do meu filho), já traziam a noção e a dimensão do que seria a viagem.

Em fim chegou o dia 2 de setembro de 2012, adrenalina alta, embarque para a Tanzânia juntamente com mais 12 pessoas que compunham a expedição ao Kilimanjaro, alguns deles com experiência de montanha como Aconcágua e Mont Blanc, outros iniciantes onde nos incluímos.
Depois de uma longa jornada de voos em escalas chegamos a Moshi, ponto de partida para o Kilimanjaro. Conhecer um pouco da cultura local através de rápido passeio pela cidade propiciou integração melhor com nossos guias locais.

1º dia - Saimos do Parque Nacional do Kilimajaro à 1940 metros, com temperatura de 28°C, com objetivo definido que era chegar a Mandara Hut à 2720 metros; passada a ansiedade inicial que tomava conta da maioria, iniciamos a jornada, caminhamos o dia todo dentro de uma floresta onde a sombra predominou; a riqueza da flora e fauna foram fatores que trabalharam positivamente no ânimo do grupo; sempre ascendendo lentamente e fazendo as paradas programdas pelo Carlos Santalena e os guias locais que tem a experiência necessária para dosar o ritmo e parar quando necessário, chegamos ao nosso primeiro objetivo sem problemas.
A expectativa seria onde dormir, chegamos na cabana, para o padrão de montanha é um luxo só, confortável e abrigada propiciou o descanso necessário ao corpo para enfrentar a nova jornada.
A essa altura da escalada o grupo já se conhecia bem e cabe aqui destacar que o companheirismo que reinou no grupo foi fator determinante para que todos pudessem vencer as etapas diárias que viriam.

2º dia - Mandara Hut a Horombo Hut - Depois do café e de ouvir as recomendações do nosso guia iniciamos a caminhada e rapidamente começamos a perceber a mudança no cenário, as arvores diminuiram de tamanho e a vegetação passou para médio porte deixando-nos mais expostos ao sol, até aqui não senti nenhum problema físico e nem a altitude, tudo corria otimamente bem.
Na medida em que subíamos, gradualmente o cenário se alterava, sempre diminuindo a vegetação e os pássaros já então raros, assim, depois de mais um dia de caminhada tranquila chegamos a Horombo Hut a 3.780 metros, já mais cansados que no dia anterior e com dificuldade maior na respiração, o efeito altitude já começava a se manifestar diferentemente para cada um de nós que compunhamos a expedição. Ir ao banhiero que ficava 30 metros acima da cabana já demandava cadência nos passos para não alterar a respiração e ter que parar, o consolo era que no dia seguinte tríamos o dia livre para descanso e principalmente para a adaptação do corpo à altitude. A todo momento o Kilimanjaro se mostrava imponente a nossa frente nos desafiando e determinando o respeito necessário.

3º dia - Acordar mais tarde, sem rotina e ter apenas a preocupação de se cuidar, na verdade se preparar para o grande dia de ataque ao cume. Passamos o dia caminhando nos aredores do acampamento, se hidratando e aquecendo ao sol e no final do dia apreciar um maravilhoso por do sol acima das nuvens. No jantar a reunião tão esperada, recebemos as instruções do dia seguinte que seria o dia do ataque ao cume.

4º dia - No horário estipulado, 8 horas todos estavam a postos com seus equipamentos para iniciar aquela que seria a jornada mais difícil da expedição. Caminhamos bem até Kibo Hut, 4.750 metros, alguns com sintomas da altitude, porém não tão fortes que determinassem a volta à base; descansamos o resto da tarde/começo de noite e a orientação era para nos hidratarmos, comer e descansar bem, pois às meia-noite iniciaríamos o ataque ao cume. Chegada a hora, todos equipados, fizemos um circulo e cada um fez sua oração de acordo com sua crença, o clima de união do grupo estava ainda mais forte e, comandados pelo Carlos e Colleman iniciamos a escalada. A noite linda, sem vento, uma lua cheia amarela no ceu ajudava embelezar a jornada que prometia ser dura porém bela. Depois de mais ou menos meia hora encontramos um grupo onde uma mulher estava com problema e estava sendo medicada, serviu para nosso grupo pensar e respeitar os limites impostos pela montanha. Chegamos no 5.000 metros, até aqui todos bem, excessão ao Guga que já tinha apresentado sintomas e o Bruno que estava gripado, o grupo seguia bem. Fizemos uma parada para hidratação e comer algo e quando do retorno tudo mudou para mim e os dois amigos, o ar literalmente desapareceu e a dificuldade para respirar até então não percebida agia como uma faca no aprelho respiratório, os passos ficaram pesados e lentos e o grupo principal seguiu seu caminho, ficando para tras os três com maiores dificuldades, lembrando que junto a nós estavam dois experientes guias locais que a todo momento nos avaliavam e insentivavam a continuar.

Depois de aproximandamente 3 horas o tempo mudou, a noite que era linda se tornou fria pelo vento que passou a soprar inclemente com velocidadde aproximada de 50 km/h, a temperatura caiu para -15 (sensação térmica), e aqui percebi a importância de usar equipamentos corretos e adequados, quanto ao frio nenhum problema, mas minhas luvas não estavam adequadas, a luva de fora estava um pouco grande e quando necessitava abrir o zipper para me hidratar e comer uma barrinha não conseguia abri-lo e a solução veio dos experientes guias que nos acompanhavam, auxiliando-me a fazer o essencial naquela situação de dificuldade, aqui vemos e sentimos como o companheirismo é essencial nos momentos de dificuldade e, no dia a dia, temos pessoas que fazem isso do nosso lado e não exergamos.

Meus companheiros continuavam subindo com muita dificuldade, o Guga em dado momento pediu para voltar, mas o experiente Colleman avaliou e o encorajou a seguir em frente, e surgiu a expressão "Bora Guga", que pela dificuldade da lingua tinha algo de força/energia ao memso tempo engraçada e com isso fomos subindo passo a passo a ingreme montanha com a determinação de chegar.

Depois de perder a noção do tempo, quando fizemos mais uma parada das tantas já efetuadas, a natureza nos brinda com os primeiros clarões da alvorada, o céu mudando de cor rapidamente, a luz descortinando todo o cenário maravilhoso à nossa frente e aos nossos pés; perceber o quanto havíamos subido, com dor e dificuldade realmente faz sentir que tudo vale a pena. No entanto, até aquele raiar do dia não tínhamos chegado ao primeiro marco que é a borda da cratera do Kilimanjaro, o Stella Point, mas já o tinhamos à vista e com ânimo redobrado, o corpo mais adaptado ao ar rarefeito, extenuados chegamos ao marco, que naquele momento parecia o fim da linha, somente alguns minutos depois é que nos demos conta que não era o UHURU PEAK e a jornada continuou por um cenário maravilhoso. Cruzamos com o primeiro pelotão da expedição que já havia comemorado o cume e iniciava o retorno ao campo base, todos eufóricos com a conquista. Mais alguns passos e vislumbramos o ponto final, reunindo nossa força chegamos juntamente com os guias locais e pudemos então comemorar nossa chegada que foi de extrema dificuldade para esses três guerreiros obstinados. Chegar não significa concluir a jornada, tem a volta, mas com o sol aquecendo o corpo, a gostosa sensação de ter conseguido curtimos nossa conquista.

É impressionante a sensação que passa pelo nosso corpo e mente quando alcançamos nosso objetivo, sobretudo com tanta dificuldade, dá um alívio, uma leveza,que parece estar flutuando no ar, mas a exposição à altitude não nos permite deleitar por muito tempo essa beleza e sensação de conquista, temos que retornar.

A descida foi menos traumática, diria que fácil e gostosa, pois depois do Stella Point, alguns metros abaixo começa uma areia fofa que nos permite escorregar e descer em linha reta com muita facilidade, porém os riscos sempre estão presentes. Chegamos no acampamento base por volta de 3:30 pm, depois de aproximadamente 15 horas de intensa atividade física.

Termino dizendo que minha primeira experiência em alta montanha foi simplesmente fantástica e fascinante, e realmente, somente estando lá para avaliar o que significa "estar" em uma montanha; sai da leitura gostosa de tantos livros de aventura para enpreender a minha aventura e o resultado foi a abertura de um universo desconhecido até então, mas maravilhoso e encantador, como resultado estou embarcando para o Elbrus, na Rússia, a maior montanha da Europa e mais uma dos sete cumes.
Quem sempre sonhou em estar na montanha, não perca tempo, transforme em realidade, o tempo não espera, urge.

Abraço a todos.
Paulo Roberto Penachio, 57 anos, o vovô da expedição.