Reinhold Messner: “90% dos que escalam o Everest vão dopados”
Tradução: Ana Paula Santos Figliagi - Fonte: Desnivel
24 de março de 2013 - 7:14
 
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O lendário alpinista italiano nos conta suas sempre interessantes opiniões nesta entrevista exclusiva realizada durante a recente International Mountain Summit celebrada em Brixen-Bressanone. Falamos sobre acidentes na montanha, o papel do companheiro de corda, a massificação do Everest e o oxigênio artificial que afirma “não é doping”.
 

Gênio e figura. Uma conversa breve e casual com Reinhold Messner sempre dá como resultado opiniões contundentes e pouco menos que sensacionalistas. O mais famoso alpinista da história é um grande conhecedor das montanhas e da prática do montanhismo, um estudioso da história deste esporte e uma pessoa muito atenta a atualidade.
Realizamos esta entrevista durante o transcurso da última International Mountain Summit (IMS) em Tirol do Sul, a sua cidade natal e tratamos temas como os acidentes em montanha – a raiz das recentes tragédias no Manaslu e no Mont Blanc – e a massificação no Everest. Sempre é um prazer escutar a torrente verbal de uma figura lendária e imprescindível, o primeiro a completar os Quatorze Oito Mil entre outras conquistas.

 

Porque você acredita que aumentaram os acidentes nas altas montanhas?
Realmente não aumentaram, se prestar atenção há menos acidentes tendo em conta a quantidade de gente que lá vão. O problema neste caso foi que o Everest estava fechado pela Face Norte, pois os chineses não permitiam as expedições cruzarem a fronteira entre o Nepal e o Tibet. De forma que muitos desses alpinistas que tinham autorização para a Face Norte do Everest não puderam ir, apelando ao governo do Nepal quem lhes indicou que fossem ao Manaslu. Mais de duzentas pessoas foram ao Manaslu, o equiparam e tentaram a escalada.
Desta forma, fizeram um “caminho”, e havia uma área de acampamento, e as pessoas que chegavam mais tarde já não buscavam se havia um lugar melhor ou mais seguro para acampar. Iam ali e ali ficavam, todos juntos para morrer. Haverá maiores tragédias nos próximos anos, e para mim é muito triste que os grandes meios de comunicação só falem do alpinismo quando acontece uma tragédia, uma maior que a do Everest de 1996, e nada sobre se o Urubko abriu uma nova rota no Cho Oyu ou se os eslovenos fizeram isto ou aquilo. Somente falam sobre tragédias e isso não é positivo para o alpinismo.

 

Como afeta a mudança do clima em acidentes como o do Manaslu ou do Mont Blanc?
Esta tragédia do Manaslu não tem nada que ver com a mudança do clima. Foi uma avalanche, e há muitas avalanches por ano. Na do Mont Blanc foram para cima – provavelmente, porque eu não estava lá para saber, sobre uma capa de gelo que não estava em contato com o terreno debaixo. E quando todos estavam ali, havia muito peso em cima, o que desencadeou a avalanche, e alguns ficaram embaixo e outros em cima.
Estes grandes acidentes sempre acontecem nestas “pistas”, porque se todo mundo vai por uma delas e alguma coisa acontece, muitas pessoas morrem. Se houvesse só um homem ali, somente teria um morto e ninguém teria falado sobre isso.

 

Esta edição do IMS trata sobre as cordadas. Quem foi seu companheiro de cordada mais importante?
Pra mim, é muito bonito ver como uma dupla é capaz de combinar 28 cumes de 8.000 metros como a Gerlinde e o Ralf, é fantástico. Eles têm experiências parecidas sobre o alpinismo... Eu tive durante muito tempo meu irmão também como companheiro, ainda que não exclusivamente já que também escalei com muitas outras pessoas. No meu caso, tenho que dizer que nos anos posteriores aos meus 25, os melhores companheiros como Peter Habeler ou Kammerlander iam sendo cada vez mais jovens, porque eu ia me tornando cada vez mais velho. No começo, eu era o mais jovem de uma expedição, mais adiante estava na média de idade e mais adiante já era bastante velho... Necessitava de companheiros fortes e ia encontrando gente mais jovem, gente avançada e todos chegaram a ser muito famosos: Peter Habeler, Hans Kammerlander por citar apenas dois, o Arved Fuchs, que foi a Antártida comigo.

Qual diria que foi o mais importante para você? Talvez seu irmão?
Com meu irmão fiz a maioria das ascensões nos Alpes, muitas delas primeiras ascensões, porém ele morreu no primeiro oito mil, pelo que não fizemos nada mais que o Nanga Parbat dos 8.000 de altura. Ele faleceu muito cedo, era muito jovem, só tinha 24 anos.

Talvez Peter Habeler então?
Não fiz muitas ascensões com o Peter Habeler. Só fiz algumas nos Alpes, e outras mais no Himalaia que não tiveram sucesso como a cara sul do Dhaulagiri; fizemos o Gasherbrum, o Everest... Tudo o que fiz com o Habeler foi interessante.

 

Falando em Everest, há quem diga que deveria ser fechado para as pessoas que vão com oxigênio. O que você pensa a respeito?
Não, não acredito que isso seja correto. O oxigênio é um tratamento médico, não é doping. Todo mundo tem que decidir se quer subir com ou sem oxigênio; você arrisca a vida se subir sem ele, se arrisca a um edema. E, porque alguém tem que se arriscar a um edema só porque eu escalei sem oxigênio? Cada qual é livre. O problema é que há muita gente ali... Porém se o governo do Nepal está conseguindo tanto dinheiro com as autorizações ao Everest, entendemos que façam deste modo. Ainda que o valor destas ascensões seja muito relativo... É alpinismo, entretanto não está baseado na própria responsabilidade.

 

Mas, você pensa que o oxigênio não é doping?
Não. O doping é outra coisa e no momento ninguém estudou ainda o doping no Everest. Se um doutor especializado fosse ao campo base do Everest e tomasse amostras, descobriria que o 90% dos alpinistas vão dopados.