Durante 27 dias do mês de janeiro, eu e minha esposa, Gisele, realizamos uma viagem de sonhos por algumas regiões da Argentina e Chile, em torno da Cordilheira dos Andes. Planejamos nossa viagem de agosto a dezembro de 2009, buscando identificar locais nestes dois países que apresentassem ambientes inóspitos, diferentes do que já conhecíamos, e cheios de aventura. Tarefa difícil, pois as opções são muitas em ambos países.
O primeiro objetivo da viagem foi o de realizar o trekking ao acampamento base do Monte Aconcágua, a maior montanha da América Latina e também a maior fora da Ásia, com seus 6962m de altitude. Após passar o ano novo em Córdoba, chegamos em Mendoza no dia 02 de janeiro, para aquisição dos “permissos” para o trekking no Aconcágua, compra de alguns equipamentos, benzina e provisões. Nos surpreendeu a quantidade de pessoas, principalmente estrangeiros (alemães, franceses, norteamericanos), que se encontravam na secretaria de turismo da cidade para ter em mãos a autorização para a montanha, principalmente para a conquista do cume. E mais ainda pelo fato de que, ao conversar com alguns (e as vezes parecia nítido aos olhos), não possuíam experiência anterior em alta montanha, assim como nós. Mesmo assim, apesar da vontade de seguir o mesmo caminho, mantivemos nosso plano de apenas realizar os trekkings de aproximação e seguir com nosso cronograma de viagem.
Planejamos nossa chegada ao Parque Provincial Aconcágua para o dia 05/01, pois queriamos conhecer a cidade de Uspallata, no caminho, local onde foram filmados trechos do belo filme “Sete Anos no Tibet”. Não nos arrependemos. A pequena vila, com pouco mais de 2 mil habitantes, alguns hotéis, restaurantes e pequeno comércio basicamente de artesanatos, possui várias opções para quem busca aventuras. Operadoras locais oferecem trekkings nas montanhas da região, rafting no rio Horcones, cavalgadas na zona rural, aluguel de mountain bike e de quadriciclos motorizados. Ficamos lá 1 dia e meio e realizamos um dos trekkings mais legais da viagem, pela chamada “Via Crucis”, uma trilha na pré-cordilheira demarcada por 15 cruzes de ferro em diferentes altitudes, em ambiente totalmente desértico, seco, de vegetação arbórea rasteira e repleta de cactus. Foram 5 horas de trekking, considerando ida e volta e paradas para fotos e descanso, a pleno sol, alcançando 2200m no pico onde se encontra a última cruz. Deste ponto, a fantástica vista da pequena vila, incrustada entre a pré-cordilheira e a Cordilheira do Tigre, e que mais parecia um oásis verde no meio do deserto, encheu nossos olhos.
De Uspallata seguimos para Puente del Inca, ponto de partida para quem pretende realizar a subida ao Aconcágua pelo Vale Horcones. O local, com visual surpreendente, é ponto turístico obrigatório para quem está cruzando a cordilheira entre os dois países. O nome é dado por uma ponte natural, formada por sedimentos geológicos e biológicos sobre uma suposta ponte de gelo existente há milhares de anos, que foi utilizada também pelos Incas em sua rota desde o Peru rumo a Argentina. O local foi também sede de um grande hotel que ruiu em um terremoto no século passado. As cores intensas, principalmente o amarelo originado do enxofre, impressionam e rendem belas fotos. Tivemos a oportunidade de encontrar ali um brasileiro que acabara de descer da montanha, e nos guiou pelos trilhos da antiga estação de trem do vilarejo até um local inusitado: um grande gramado a beira das montanhas, onde repousava um velho ônibus enferrujado, que nos remeteu direto ao filme “Na Natureza Selvagem” e fez com que nos sentíssemos verdadeiros “supertramps”. Vale a pena a visita para quem passar pelo local.
Acabamos pernoitando em Puente del Inca para então no dia seguinte, bem cedo, partirmos rumo ao parque Aconcágua. Saímos as 7h50min da manhã, com o sol levantando e o ar gelado, que se misturavam à nossa excitação por estarmos finalmente dando os primeiros passos para a tão sonhada aventura. Foram 5km de uma caminhada tranquila, em 1h30min, até a cabana do primeiro guardaparque, já a 2950m de altitude, para apresentação dos permissos e entrada no Parque Provincial Aconcágua propriamente dito. O trekking dali até Confluência, o primeiro acampamento base, apesar de ter apenas 450m de desnível, é bem desafiador, principalmente com mochilas de 20kg nas costas, e nos tomou 4,5hs ao todo. Mas nada que a imponência do local não amenize. A sensação de estar entre montanhas poderosas, com formações rochosas com texturas e cores as mais variadas possíveis, é deslumbrante. Um dos pontos altos da caminhada foi em nosso primeiro ponto de descanso, junto a ponte sobre o rio Horcones, também construída durante a filmagem de “Sete Anos no Tibet”, onde alguns passarinhos locais literalmente comeram migalhas do nosso lanche direto das mãos da Gisele. O contato com a natureza é intenso.
Em Confluência apresentamos novamente os “permissos” ao guardaparque e montamos acampamento entre as dezenas de barracas de outros aventureiros e empresas prestadoras de serviço. O que mais nos impressionou foi o efeito da altitude. Ao contrário do que imaginávamos, não sentimos “falta de ar”, e sim uma exaustão a cada movimento. A subida pela trilha era intercalada constantemente por pequenos descansos para tomar fôlego. Tarefas fáceis como trocar de roupa dentro da barraca nos deixavam como se tivéssemos feito uma corrida curta e intensa, mesmo a apenas 3400m de altitude. Enquanto estávamos lá, tivemos o prazer de conhecer o montanhista e fotógrafo André Dib, que estava em aclimatação para a conquista do cume, feito realizado com sucesso porteriormente no dia 17 de janeiro. Após cozinhar e jantar, fomos dormir logo para descansar para o trekking de 10km do próximo dia.
O trekking até Plaza Francia, local de acampamento sem infraestrutura a 4200m, de onde partem montanhistas para escalar a face sul da montanha, foi nossa verdadeira conquista. Mesmo com mochilas leves, a caminhada é árdua e com pontos bastante íngremes. Somado ao vento forte que assola a trilha, o cansaço é inevitável. Mas a recompensa é grande, a de chegar a poucos metros da parede daquela imensa montanha que nos mirava durante praticamente toda a subida. Não há como não se emocionar com a grandiosidade. Naquele ponto, sentimos que nosso objetivo no Aconcágua estava cumprido, e tínhamos muitos desafios ainda pela frente na viagem. Acabamos ficando mais dois dias acampados em Confluência, o que valeu a pena pelos trekkings que realizamos no outro lado do rio Horcones, em pontos que não estão no roteiro tradicional de quem visita o parque. Pudemos apreciar algumas cascatas formadas por água de degelo e outras vistas das montanhas próximas. Ficou a vontade de retornar para explorar mais o local e desafiar o cume.
Do Aconcágua, retornamos para mais um dia em Uspallata, onde fizemos um passeio bacana de mountain bike ao pôr do sol até Tunduqueral, um local “mágico”, onde existem inscrições deixadas há centenas de anos pelos índios Mapuches. Dali partimos de ônibus para uma rápida passagem por Santiago, capital do Chile, rumo ao nosso próximo destino de aventura: a cidade de Pucón e a subida ao cume do vulcão Villarica.
Pucón é uma cidade que transpira aventura. De um lado o lago Llanquihue, de outro, montanhas verdes de até 2mil metros de altitude, e, onipresente, atrás da cidade, o vulcão com seus 2847 metros de altitude, sempre fumegante. São várias as opções de operadoras que oferecem desde subidas no vulcão a passeios em veículo 4x4, tirolezas e rafting no rio Trancura, um dos mais famosos no mundo. Nossos primeiros dias em Pucón se passaram no Parque Nacional Huerquehue, onde acampamos a beira de um pequeno lago de águas geladas e cristalinas, o lago Tinquilco. Ali realizamos outro emociontante trekking, até o cume do Cerro San Sebastian, com 1950m de altitude. Foram 26km ao todo de trekking por bosques de árvores gigantescas, pampas e a aresta do cume, onde tivemos nosso primeiro contato com alguns trechos de neve. A vista mais uma vez sensacional. Lá de cima podíamos avistar os vulcões Villarica, Quetrupillan e Lanin, vários lagos do parque com cores azul ou verde inacreditáveis, e a cordilheira dos Andes com suas montanhas gigantescas.
Após 3 dias aproveitando a natureza do parque Huerquehue, retornamos a cidade para realizar a esperada subida até a cratera do Villarica. Contratamos uma operadora, já que desde um acidente ocorrido no final do ano passado, envolvendo um brasileiro, a subida agora só é permitida com guia de montanha. Foi nosso primeiro contato com a neve. Apesar do calor do verão, o vulcão estava totalmente coberto de neve, e tivemos que usar calças e casacos impermeáveis para nos protegermos, principalmente do vento gelado. A subida de 5hs de caminhada até o cume, para quem não toma o teleférico no primeiro trecho, não é difícil em termos técnicos, mas exige um bom condicionamento físico. Em alguns momentos a sensação era de que não terminaria nunca. Por vezes o cume parecia muito próximo. Pura ilusão, desfeita quando o guia anunciava quanto tempo ainda levaríamos até lá. Para nós, a experiência de caminhar na neve, com crampons presos às botas e piolet em mãos, foi muito empolgante. Pudemos nos sentir como vedadeiros montanhistas. A cratera, gigantesca, onde caberia um estádio inteiro de futebol. O único problema são os gases que saem constantemente do fundo da cratera, que impediam a respiração ao nos aproximarmos muito. Após 20 minutos no cume, o guia nos conduziu para a divertida descida, realizada não em um trekking normal, mas de “ski-bunda”, congelando nossos traseiros em alta velocidade por canaletas formadas pela quantidade de pessoas descendo. Nos chamou a atenção a rapidez com que o clima muda na montanha, o que nos alerta que realmente a atividade não é brincadeira. Em poucos minutos, o tempo que iniciou com céu aberto e se tornara nublado no cume, fechou completamente com uma espessa neblina branca. Se tivéssemos descido caminhando a volta teria sido bem complicada.
Após um dia de descanso da subida ao Villarica, partimos em direção ao sul do Chile, visitando as cidades de Puerto Montt e Puerto Varas e nos estabelecendo em um camping na pequena Petrohué, uma vila minúscula, com poucas casas e um hotel. O local é paradisíaco, às margens do Lago Todos Los Santos e do Rio Petrohué, com vista para o vulcão Osorno. Ali realizamos outro trekking fantástico, pelo “Caminho de la Desolación”, com 12km de comprimento, passando por ambientes áridos aos pés do vulcão Osorno. Foi mais uma caminhada árdua com bastante subida, e o que nos aliviou do calor intenso foi ter encontrado, um pouco fora da trilha, um pequeno córrego de água muito limpa, onde paramos para cozinhar, repor a água e nos refrescar. Mais uma vez tivemos visitantes inusitados, alguns pequenos lagartos de apenas 10cm que se aproximavam ao ponto de subirem pelas nossas calças enquanto descansávamos ao sol.
Petrohué é linda, mas temos um motivo para pensar duas vezes antes de voltar lá: as nuvens de mosquito ao entardecer e amanhecer, que lhe cobrem da cabeça aos pés, e as moscas gigantes, que mais pareciam cascudos, que nos perseguiram sem um minuto de descanso durante o dia todo. No terceiro dia por lá ainda visitamos os belos Saltos de Petrohué, dentro do Parque Vicente Pérez Rosales, que apresentam cascatas e fortes corredeiras com uma visão privilegiada do Osorno,
De Petrohué partimos para Bariloche, na Argentina, cruzando os Andes em uma série de barcos e ônibus pelos lagos e estradinhas que separam os dois países neste ponto. O passeio é bonito, mas conquista muito mais as dezenas de turistas estrangeiros do que aqueles que já passaram por pontos de grande beleza na viagem. Laguna Frias foi um local que nos chamou a atenção, com um lindo lago de cor verde no meio das montanhas, e que possui local para acampamento. Ficou anotado para uma próxima.
Já em Bariloche, antes do regresso para o Brasil, curtimos o final da viagem como verdadeiros turistas, subindo os Cerros Campanário (de teleférico) e Catedral (trekking), pedalando pelos 33km do Circuito Chico, nadando nos lagos cristalinos e realizando algumas compras para preencher o pouco espaço sobrando nas mochilas, tudo regado a muito chocolate, característica forte da cidade. Mas ficou o gostinho para uma próxima aventura. Bariloche oferece inúmeras trilhas em suas montanhas, repletas de refúgios muito bem organizados pelo Clube Andino de Bariloche (CAB) e documentados em guias e mapas. Nossos planos são retornar no inverno para a prática de snowboard e ski, atividades pelas quais normalmente é conhecida. |