NOTÍCIAS
Compartilhe
Durante 25 dias Kelly Piquet trocou Nova York por um pequeno vilarejo praiano na Tanzânia
e descobriu que ensinar pode ser a melhor maneira de aprender
 
 
Publicado em 08/11/2009 - 20h38 - da redação
Fonte: Vogue
 
 
 
  Kelly com uma menina do orfanato em Bagamoyo.
Foto: Arquivo pessoal.
   
 
  Kelly Piquet no Kilmanjaro, montanha mais alta do continente africano, com 5.895 metros de altitude e neve eterna.
Foto: Arquivo pessoal.
   
 
 
Publicidade
   

Kelly Piquet nasceu na Alemanha, mora em Nova York, mas diz que só se sente em casa mesmo quando está no Brasil (terra do pai, o ex-piloto Nelson Piquet) ou em Amsterdã, onde vive sua mãe, a ex-modelo holandesa Sylvia Tamsma. Em junho passado, aos 20 anos, ela embarcou numa viagem que expandiu suas fronteiras para muito além da ponte aérea Holanda-EUA-Brasil. Os cursos de relações internacionais e economia que faz no Marymount Mahattan College, focados na África, indicaram o destino. Pesquisando na internet, essa sagitariana que nunca havia feito trabalho voluntário descobriu a ONG Cross Cultural Solutions (www.crossculturalsolutions.org), ligada às Nações Unidas, com programas em 12 países, incluindo um projeto na Bahia, em Salvador. "Era isso que eu queria, me dedicar a crianças carentes na África. Adoro crianças!" Foi uma batalha convencer seus pais, e ninguém acreditou muito que os planos seriam levados adiante - a maioria dos amigos achava que ela voltaria em menos de uma semana, ou que tinha enlouquecido ao trocar Saint-Tropez pela África, numa viagem absolutamente solitária.

Com seu espírito independente e uma mochila cheia de todo tipo de Crayola (giz de cera) para as crianças ("lá eles não têm"), Kelly partiu sozinha de São Paulo para Dubai, onde dormiu num hotel de luxo ("para me despedir"), e de lá voou até Dar Es Salaam, capital da Tanzânia, na África Oriental. Seu destino final: Bagamoyo, um vilarejo na costa do Oceano Índico, onde ficou 25 dias com um grupo de 20 estudantes de vários países, todos, como ela, jovens voluntários, a maioria do Canadá e dos EUA, que se conheceram lá, compartilhando o desejo de contribuir para fazer do mundo um lugar melhor e menos desigual. O cotidiano de Bagamoyo era completamente diferente de qualquer coisa que Kelly tivesse vivido até então. Ela dormia num beliche numa pousadinha e dividia o banheiro com sete meninas do grupo. Acordava as 6h30 e uma hora depois começavam suas funções diárias: pela manhã, dava aulas de inglês para crianças de 4 a 6 anos de idade na Kaole Primary School; à tarde, ajudava no orfanato local. "A coordenadora do programa era uma africana admirável, que teve uma infância superdifícil, mas conseguiu estudar e agora cuida de crianças de Bagamoyo", conta.

Há muitos riscos na África para uma mulher branca, sozinha, turista - riscos que testemunhei pessoalmente, quando estive cinco anos no Sudão, fazendo um trabalho voluntário também ligado à ONU, mas relacionado ao genocídio em Darfur. O estupro é um fantasma que ronda voluntárias o tempo todo, muito mais frequente que se pode imaginar. Há também o risco de doenças tropicais típicas de nações miseráveis - uma das meninas do grupo de Kelly contraiu malária, por exemplo. "A experiência me fez repensar muita coisa. Vi de perto uma pobreza que nunca teria testemunhado se não tivesse vindo à Tanzânia. Conheci gente maravilhosa que vive com quase nada, mas que ainda assim mantém o ânimo e a serenidade", diz com os olhos verdes brilhantes marejados. "Engraçado que a lição mais valiosa é a mais clichê: dar valor ao que a vida me proporciona e à família que tenho. Esses 25 dias não foram somente uma chance única, gratificante, mas um breath of fresh air na minha vida", define de seu apartamento no West Village, três meses após a viagem.

Em suas férias africanas, Kelly, que fala quatro idiomas, aprendeu um tanto de swahili: "Eles têm um jeito casual de se cumprimentar, você diz mambo (e aí?), eles respondem pôa, algo como 'está tudo ok'. Hakuna matata significa no worries, tudo certo, eles adoram falar isso. Tem também cheezy comon deezy, em tradução literal "louco como uma banana", conta. Cumprida a temporada em Bagamoyo, Kelly decidiu que era hora de encarar um outro desafio: escalar o Kilimanjaro. O Kili, como ela o apelidou, é a montanha mais alta do continente africano, com seus 5.895 metros de altura. "Fui sozinha, não conhecia ninguém, contatei uma operadora local que nem era das melhores, mas queria me manter num budget", diz, mostrando comedimento. Com os 12 quilos da mochila nas costas e o bastão de caminhada da Leki ("indispensável"), lá foi ela enfrentar as neves do Kilimanjaro. No nécessaire, um kit beauté com protetor solar e hidratante labial, aspirina, vitaminas C, tabletes de iodo para purificar a água, antisséptico em gel para as mãos, muitos power bars, baby wipes para o banho de gato e, claro, o indispensável espelhinho.

O que não levou e fez falta? "Diamox, um remédio que estimula a oxigenação, teria ajudado muito. E um par de tênis para não ficar de bota o tempo todo no acampamento. Mas não recomendo Havaianas, é muito frio. Na verdade, tudo que levei, usei. E, na volta, dei tudo de presente para os guias". Raymond, o líder, passava o tempo todo aconselhando os trekkers a beberem muita água e não tentarem superar os próprios limites. "Ele dizia pole, pole, que significa devagarzinho, com cuidado". Foram sete dias escalando, dormindo em barraca, comendo carboidrato, alguns legumes, pouca proteína... e muita peanut butter! Kelly era das mais novas do grupo de 170 pessoas de todas as idades e nacionalidades. Quem mais se impressionou pela determinação e força de vontade foi um alemão, que subiu até o topo de muleta. "Ele só tinha uma perna", lembra. "Não vou mentir, dá para subir, mas é difícil. As caminhadas diárias duravam de cinco a sete horas. Houve momentos em que pensei: "o que é que eu tô fazendo aqui?". No terceiro dia, por exemplo, quando chegamos a 4.600 metros de altitude, fiquei com dificuldades para respirar. Meu coração batia rápido, queria falar com minha família e nada de celular. Quando consegui um tiquinho de sinal, mandei uma mensagem para meu pai."

Segundo Kelly, o momento mais lindo de sua aventura rumo ao topo do continente africano foi a última pernada. A escalada iniciou-se à meia-noite, todo mundo infileirado com lanternas na cabeça. "Parecia uma cobra gigante, iluminada. Era lua cheia, nunca vi tanta estrela! Foi um momento mágico, uma emoção única chegar ao Stella Point, a 120 metros do pico. O sol nascia de um lado, a lua cheia se punha do
outro. As cores eram inacreditáveis, indescritíveis! Essa visão e o alívio de estar quase lá, finalmente me levaram as lágrimas. Foi impossível segurar."


 
PARTICIPE, DEIXE SEU COMENTÁRIO