Abro meu armário e lá de cima apalpando com os olhos de meus dedos encontro a textura emborrachada que nas pontas dos pés procuro. Puxo para cá, seguro de lá e então um azul me aparece. Puxo com mais força e ele cai sobre mim. Amassado e todo lascado de tanto andar o meu grande companheiro de viagem finalmente sai de seu sarcófago para voltar a vida. Parece que posso escutar o seu sorriso se abrir.
Meu velho duffle bag azul, totalmente surrado. Abro ele, ainda guardando areia da última viagem. Olho dentro e por um eterno instante posso ver, sentir, cheirar, vestir e escutar todas as minhas viagens que cumpri com este duffle. Começo a limpá-lo com calma e lentamente um Peter Frampton no ritmo de minhas mãos respinga em minha boca um: I can see the sunset in your eyes; Brown abd grey, blues besides..... don´t hesitate.
Neste instante de portais início em silêncio o meu diálogo maluco com todo o meu equipamento. Me sinto meio Kalvim e seu Haroldo. Mas está ótimo que assim seja.... Este ritual se repete com cada equipamento que com calma vou arrumando e ajeitando dentro de seus específicos sacos estanque. A logística parece impossível. Mas em um estado de magia lentamente tudo vai se encaixando perfeitamente ali dentro de meu duffle.
Este talvez seja um dos momentos mais extraordinários de uma viagem. Arrumar todo o equipamento. É quando enfim podemos vestir, reencontrar e entender o que lá atrás nos propomos a fazer. A mente entende, visualiza, sente e toca cada material. Ali entendemos que vamos finalmente zarpar e que tudo, tudo que será um peso deverá necessariamente ser deixado para trás.
O inesperado desapego e a complexa continuidade me surgem, no mesmo ritmo da arrumação de meu duffle, como uma urgência. Confesso, porém, que o mais difícil neste processo não são as questões do dia a dia, as contas ou trabalho devidamente ordenado. O difícil de verdade neste momento são pessoas que amamos e que em silêncios, palavras, medos, alegrias, letras ou grandes comemorações damos o nosso adeus.
Nestes momentos entendo que o tempo não é o senhor de nossas almas. Mas nossas almas é quem são as senhoras do senhor nosso tempo.
É chegada a hora de me habitar por inteiro. Hora de usar as asas possantes de Hermes. Hora de se abrir ao absoluto novo. Hora de sentir o corpo preparado e liberar em paz a mente. Hora de deixar o sorriso voltar ao rosto. Hora de deixar todo o oxigênio entrar por cada poro. É chegada a hora de ir.
E neste exato momento de encontros, partir se torna sempre uma nova chegada. Sempre.
Sorte, movimento, sol, paixão e muito foco. Vambóra meu Pai e vambora meu filho João Barros.
A todos os meus amigos um grande abraço. Um 2016 espetacular. Muita paz, saúde, amor e que cada um retire de seus armários os seus oceânicos duffles bags e realizem à sua maneira e tempo os seus sonhos....e lavamonóisx
Namastês
André Moraes Barros |