No dia seguinte, voamos com o corpo de Doug (Douglas Tompkins) em um avião particular para o sul, para o projeto Patagônia National Parque, próximo a Cochrane. As nuvens começaram a se dissipar e a frente de nós o cume do Cerro San Valentin, o pico mais alto da Patagônia, apareceu acima das nuvens. Kris mudou-se para a cabine, e nosso piloto e amigo íntimo, Rodrigo, circulou a montanha a uma distância próxima. Foi um último voo espetacular para Doug.
O Parque Nacional Patagônia foi iniciado com a compra de uma grande estância de ovelhas, e o cemitério fazia parte do rancho e agora é composto de uma nova infra-estrutura e a uma nova sede. Nós enterramos Doug neste cemitério. As dezenas de trabalhadores e amigos que compareceram em volta do simples caixão, mas impecavelmente bem trabalhado em madeira de alerce por alguns funcionários que ficaram acordados durante a noite toda para terminá-lo, e uma longa procissão que começou a partir querido avião Husky de Doug, estacionado em frente ao belo restaurante de pedra, e continuou ao longo da estrada de terra passando o lodge, indo ao cemitério.
Kris mais uma vez mostrou o seu vigor e deu uma sentida homenagem a Doug e para equipe chilena, que estava reunida. Depois que Doug foi baixado para a sepultura, Kris, com grande dignidade jogou flores sobre o caixão. Então, um por um, todos nós em uma procissão jogamos um punhado de terra na sepultura.
A viagem começou com quatro dias de remo ao longo da seção remota do lago General Carrera, na Patagônia chilena. Estávamos em seis pessoas com dois caiaques solos e dois duplos. Juntando todos nós, havia mais de cem anos de experiência. Eu formei dupla com Doug em um caiaque com leme sensível. No terceiro dia de remo, um vento forte, cruzado e crescente criou uma condição difícil e com nosso leme defeituoso, Doug e eu não fomos capazes de evitar uma onda quebrando e nos virou.
Nós sabíamos imediatamente que estávamos em uma situação grave. Com o vento e a corrente nos empurrando em direção ao centro do lago, não tínhamos como saber se os nossos companheiros nos outros caiaques estavam à frente de nós ou fora de vista e se sabiam da nossa situação para vir nos ajudar. Percebemos que tínhamos 30 minutos a mais para sobreviver; a temperatura da água devia estar por volta de 3ºC. Nós tentamos quatro vezes endireitar o caiaque, mas falhamos, o vento e as ondas eram fortes demais para mantermos o equilíbrio e o caiaque estava muito inundado. Então tínhamos que decidir se iríamos nadar para tentar chegar até a margem ou ficar ao lado do caiaque emborcado. O caiaque, empurrado por uma corrente perpendicular, estava à deriva em direção ao centro do lago. Ficar com ele foi colocando-nos em uma situação ainda mais difícil, se não impossível.
Nós decidimos abandonar o caiaque e começamos a nadar em direção a margem. Era difícil e eu percebi, contra a corrente, era provavelmente impossível chegar a margem. O tempo também estava contra nós. Eu estava lento, mesmo com um colete salva-vidas. Eu era empurrado pelas ondas maiores. Eu podia ver Doug e percebi que ele estava na mesma situação. Eu já estava com hipotermia e estava começando a me afogar. Por alguns minutos eu apenas me deixei ir, mas, em seguida retomei. Então vi nossos companheiros remando em nossa direção contra o vento, agora com cerca de 40 nós, com rajadas mais fortes de 50 nós ou mais - 92 km/h -, (mais tarde confirmei essa informação do tempo no lago para aquele dia).
Dois dos nossos companheiros, Jib Ellison e Lorenzo Alvarez, chegaram até a mim em um caiaque duplo. Em me pendurei na popa, ainda na água, enquanto remavam contra o vento, para sair pelo redemoinho atrás de nós. Com muitas ondas e vento, era difícil para mim subir no caiaque. Eu tive que me segurar no caiaque com todas as minhas forças. E tudo parecia durar uma eternidade. Eu mantive as minhas mãos segurando a alça do caiaque até que eu percebi que estava em uma rocha. Então eu perdi a consciência e recordo depois de estar deitado em frente a uma fogueira.
Doug não teve tanta sorte. O nosso companheiro, Weston Boyles (que estava remando com Yvon Chouinard, mas deixou-o na tentativa de resgatar Doug), deu o remo para Doug segurar, mas era difícil superar a força do vento e a corrente das águas. Doug resistiu por mais de meia hora, nadando o quanto pôde, mas perdeu a consciência. Weston arriscou a própria vida para manter a cabeça de Doug acima da água, até chegar a costa. No momento em que eles desembarcaram, Doug estava muito hipotérmico para sobreviver.
Nos dias que se seguiram - dias que parecem anos - “sobrevivência” tem sido o principal tema para nós. Especificamente, é essa profunda compreensão de que Douglas Rainsford Tompkins está sobrevivendo, mais forte do que nunca, dentro de nós. Ele já está motivando-nos, lembrando-nos que “nenhum detalhe é demasiado pequeno”, inspirando-nos “a se comprometer, e depois descobrir sobre isso”, ajudando-nos a perceber que o primeiro compromisso é com a beleza, porque a beleza vem do amor, e só com amor é que podemos esperar se aproximar de sua tenacidade inextinguível para proteger o que é bonito, o que é selvagem.
Após o último punhado de terra ser jogado sobre o túmulo de Doug, um dos moradores que tinha vindo para homenagear - uma mulher mais velha, mas contundente -, pisou em cima da parede de rocha em torno do cemitério, levantou os punhos para o céu, e gritou em voz alta, "Patagonia Sin Represas!” e a multidão toda gritou:
– Patagônia Sin Represas!
A tocha ainda estava acesa e o fogo ainda queima brilhante.
Rick Ridgeway é vice presidente da marca de roupas Patagônia e autor de seis livros. Sua paixão pelo alpinismo e exploração tem levado-o ao redor do mundo,
incluindo o K2, onde ele fez parte da primeira equipe americana a escalar o pico em 1978. Rick acompanhou Doug e Kris Tompkins durante uma viagem à Patagônia no início dos anos 90.
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