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A mulher que caminhou sozinha por 16.000 km em 3 anos
 
fonte: The New York Times
texto: Elizabeth Weil
tradução: Giancarlo Zambiazzi
8 de março de 2015 - 18:00
 

Sarah Marquis durante a sua expedição em que percorreu a pé 16.000 km, sozinha, através da Sibéria, do Deserto de Gobi na China, Laos, Tailândia, Brisbane e Austrália.
 

Cem anos atrás, quando Robert Falcon Scott partiu para a Antártica em sua expedição Terra Nova, seus dois objetivos principais eram descobertas científicas e atingir o Polo Sul geográfico. Indiscutivelmente, porém, Scott estava atrás de o que os observadores contemporâneos chamam de "sufferfest". Ele pôs-se atrás de problemas: Scott trouxe pôneis manchurianos e siberianos que rapidamente pereceram pela neve e gelo; ele planejou, em partes, de usar sua tripulação como "reboque-humano", significando que seus homens teriam que puxar trenós cheios de equipamentos, ao invés de confiar em cães. Mesmo quando os homens de Scott hesitaram, continuaram coletando espécimes, inclusive rochas. A expedição terminou de forma horrível; todos os que fizeram a investida ao polo morreram. Miseráveis, morrendo de fome e com ulcerações causadas pelo frio, um dos últimos quatro homens de Scott suicidou-se ao se lançar em uma nevasca sem ao menos preocupar-se em calçar as botas.

Na taxonomia dos viajantes, a palavra "explorador" sugere um pioneiro moralmente superior, um homem ou mulher que enfrenta a batalha contra a natureza para descobrir novas terras, expandindo o entendimento da nossa espécie em relação ao mundo. "Aventureiro", por contraste, sugere um viciado em adrenalina e auto-indulgente, que venera riscos desnecessários. O primeiro, obviamente, é o melhor título, mas é difícil reivindicá-lo hoje em dia. O mundo está todo no Google Maps. Atingir o atual território virgem do espaço ou dos oceanos profundos requer recursos que poucos possuem. Em resumo, as nobres folhas de figo da terra incógnita caíram e desnudaram os espíritos grandes e ambulantes como o de Scott. Os itinerários resultantes são bastante estranhos. Agora, temos pessoas como Felix Baumgartner fazendo sky-diving de uma cápsula-balão a 39 mil metros de altitude.

Baumgartner cai - por mais de quatro minutos e ultrapassando a velocidade do som - no campo dos aventureiros. Mas, então, há Sarah Marquis, quem talvez deva ser vista como uma exploradora, como Scott, mas nascida na era errada. Tem 42 anos, suíça, e passou 3 dos últimos 4 anos caminhando cerca de 16 mil quilômetros sozinha, através da Sibéria, do Deserto de Gobi na China, Laos, Tailândia, e então pegando um barco para Brisbane, Austrália, e caminhando através daquele continente. Ao longo do caminho, como Scott, passou fome, congelamentos, carregou peso. Ela esforçou-se a grandes custos físicos para chegar a lugares que queria amar, mas acabou sentindo-se, como Scott escreveu em seu diário sobre o Polo Sul, "Santo Deus! Este lugar é horrível". Apesar de planejar uma viagem absurda, e morrer nela, Scott tornou-se amado e, de alguma forma improvável, grandemente respeitado. Marquis, entretanto, pode causar dúvidas. "Você conta às pessoas o que está fazendo e elas dizem 'Você é louca' ", Marquis contou-me. "Nunca é: 'Que projeto legal, Sarah! Vá em frente!' ". Talvez porque o território que Marquis está explorando seja realmente interno - a natureza do medo, os limites da perseverança e da autoconfiança e o significado de viajar pela natureza como um animal feminino e humano, sozinho.

Encontrar-se com Marquis é estranho se você apenas viu suas fotos da viagem. Nelas, ela está imunda, seu cabelo é um ninho de ratos e seus olhos são introspectivos, muito vívidos e vigilantes. Em pessoa, é bonita e charmosa, tem sempre um sorriso para os garçons e os motoristas de táxi, e sua franja é tão bem cortada que a faz parecer francesa. (A cabeleireira de Marquis acabou com seus planos de raspar a cabeça para sua próxima viagem, dizendo, "Depois de todo o trabalho que tivemos?!").

     
North Mongólia. Esta é a vida nas estepes. É verão, os menos agressivos três meses do ano mongol. Eu passei puxando o meu carrinho d emão, em seguida, parei para tirar uma foto. Nem uma única cabeça é levantada. A vida nas estepes continua.  
Deserto de Gobi, 100 km da fronteira com a China. Eu estava doente, esta manhã, mas eu tinha que continuar. Eu não tinha água suficiente para esperar ainda mais um dia antes de alcançar a próxima fonte de água. A vida aqui está por um fio.

Marquis cresceu em Montsevelier, uma vila de 500 pessoas nos Montes Jura, que Marquis descreve como "a parte moderna da Suíça - não é a parte boa". Seu pai, que trabalhava como engenheiro, pagava a Marquis um franco para cada 100 lesmas que ela pegasse do jardim da família. Ela fez amizade com a ovelha da família, Moumou, e a treinou para vir quando chamada. De pessoas, ela gostava menos. "Minha mãe tinha nove irmãs, e meu pai tinha oito irmãs e irmãos, e esses tios e tias tinham todos três ou quatro filhos, portanto, era uma família grande e barulhenta e, para mim, era um pesadelo". Marquis contou-me quando a encontrei em Washington no último inverno. Aos 8 anos, ela correu para um bosque com seu cachorro e passou a noite em uma caverna. Sua mãe chamou a polícia, mas quando Marquis voltou, não foi repreendida por ela. Era impossível lutar contra a sede de aventura de Marquis.

Quando tinha 16 anos, Marquis respondeu a um anúncio de uma companhia de trens que prometia viagens gratuitas. Ela amava a ideia de ver Paris e Milão, mas, uma vez tendo começado a trabalhar, seus colegas, os quais eram na maioria homens mais velhos, assediavam-na implacavelmente. No primeiro dia, um homem alegou poder sentir o cheiro de que ela estava em seu período menstrual. A experiência foi como um campo de treinamento militar - punindo, mas fortalecendo seu caráter. "Aprendi a construir a mim mesma", disse ela. "Construí a pele dura que precisaria mais tarde. Aprendi como os homens funcionavam".

O desejo de viajar de Marquis começou a crescer ao redor da dúvida de que ela seria capaz de sobreviver sozinha na natureza. Primeiro, ela decidiu cavalgar através da Turquia. Nesta viagem, ela comia damascos das árvores e dormia com a cabeça na sela. Mulheres muçulmanas a banharam em leite de cabra morno. Mas, depois disso, os itinerários de Marquis desviaram-se do romance e do prazer para solidão e sofrimento. Aos 20 e poucos anos ela voou para a Nova Zelândia e lançou-se em um mochilão de quatro dias com macarrão instantâneo, um grande rádio e três ou quatro livros - "nada a mais do que eu precisava". A excursão, como tipicamente acontece, foi um fiasco. No dia 1 choveu; Marquis não sabia como armar a barraca, estava congelando e entediada, pois "à noite não havia nada para fazer", diz ela, ironicamente. Mas, próximo do fim da viagem, ela teve uma espécie de epifania. "Algo aconteceu", ela disse. (Articular as razões para ir atrás de viagens não é um dos fortes de Marquis.) "Ao longo dos anos, tive esse sentimento de novo e de novo". Perseguir aquela inexplicável sensação é o motivo de ela viajar.

Marquis passou o inverno após aquela viagem ganhando dinheiro como bartender em Verbier, um resort de esqui luxuoso nos Alpes. No próximo verão, retornou para a Nova Zelândia. Desta vez, andou pela Parque Nacional Kahurangi, na Ilha Sul, sem comida, para ver se sobreviveria por 30 dias. Essa viagem, também, foi uma provação. Marquis fracassou em pescar com arpão, consumia apenas mexilhões e perdeu 10 kg. Mas ela não apenas recuperou aquele sentimento rudimentar que ela almejava; também vislumbrou aquele estado selvagem de seus desejos. "Aquela foi a primeira vez em que entrei realmente em contato com a natureza selvagem", disse Marquis. "Sabe quando você está realmente com fome? Você tem que ensinar a si mesmo que comida não é tão importante. Você só precisa dormir e de água doce".

Marquis retornou à Suíça e abraçou o ciclo - trabalhar por dinheiro, e então partir para algum desafio extremo que ela idealizava para si mesma. Fez canoagem pelo Parque Algonquin no Canadá sem saber como fazer a portagem do caiaque; foi atacada por castores ao acampar perto d’água na Patagônia; caminhou pelos 4270 quilômetros da Pacific Crest Trail. Ela foi fisgada pelo que ela descreve como "esse chamado selvagem dentro de mim" e decidiu caminhar 14 mil quilômetros ao redor da Austrália.

     
Norte do Deserto de Gobi. Estava me vestindo esta manhã quando ouço sons de lamentos agudos do lado de fora da minha barraca. Silenciosamente abri a minha tenda, e avistei um grupo de camelos se aproximando para pastar na grama. Me sinto tão perto da natureza nestes momentos.  
Deserto de Gobi, inverno. É o fim do dia, a temperatura caiu para - 30 ° C, e eu estou me preparando para montar a minha barraca. Este cavaleiro apareceu do nada, sentou-se e acendeu um cigarro, tudo em silêncio total. Assim que ele terminou, ele acenou para mim e foi embora.

Para essa viagem, Marquis arranjou seu primeiro patrocinador: The North Face. Ela não acredita que tenha impressionado a companhia pelo seu pedido. Ela crê que eles lhe deram algumas mochilas, um par de barracas e algumas roupas porque, disse ela, "quando os contei o que ia fazer, eles pensaram, 'Não podemos deixar aquela coisinha pequena sair por aí sem equipamento' ". Para suprir o estoque inadequado de macarrão instantâneo que ela carregaria, Marquis levou um estilingue, uma zarabatana, um pouco de fio para fazer armadilhas e uma rede para pegar insetos. Nos meses quentes, Marquis comeu lagartos, salamandras e dragões-barbudos. Nos meses frios, quando os répteis escondiam-se, ela subsistia de uma iguaria aborígene australiana: witchetty grubs - larvas brancas de mariposa que vivem nas raízes das árvores Mulga. (Cruas, disse Marquis, elas têm gosto de leite-condensado sem açúcar; tostadas em areia quente, elas ficam agradavelmente crocantes). Por todo o tempo, Marquis tentou minimizar o contato humano. Ela escondeu sua feminilidade com roupas largas, grandes óculos-escuros e cabelos amarrados dentro do chapéu. Quando a água era escassa, ela coletava água de condensação, ou cavava um buraco fundo e forrava a parte fria com plástico, ou amarrava uma lona ao redor de um arbusto. Se essas técnicas não rendiam líquido suficiente - o que geralmente acontecia - ela bebia sangue de cobra. À noite, Marquis dormia perto de troncos de árvores, tocando a casca de uma forma que ela descreve como "quase carnal". Na Planície de Nullarbor, apaixonou-se por uma acácia australiana particularmente retorcida e curvada pelo vento.

Em 20 de junho de 2010, em seu aniversário de 38 anos, Marquis preparou-se para caminhar da Sibéria através da Ásia e, uma vez estando de volta à Austrália, caminhar em direção a sua amada árvore. O vídeo de Marquis afastando-se de seu ponto de partida em Irkutsk lembra uma cena de filme de terror. "Olá, ok, então aqui estamos nós", ela disse antes de virar-se e afastar-se da câmera. "Hora de ir!". Em suas costas, uma mochila de 35 kg e, arrastando-se às suas costas, transbordando de equipamentos amarrados por cordas elásticas, uma carretinha customizada que parecia uma mistura de carrinho de mão com um saco de rolo gigante - seu trenó para terra seca. Depois da Austrália, Marquis não conseguia mais aceitar a ideia de abater animais; ela disse que isso era "como matar um amigo". Decidiu, então, carregar arroz e biscoitos duros (estes, "não comestíveis sem uma bela xícara de chá quente"), significando que ela teria que puxar uma carretinha, que agora pesava 55 kg.

Para preparar-se para a expedição, Marquis passou dois anos caminhando ou usando raquete de neve por 32 km por dia, carregando 35 kg. Na viagem em si, ela carregou, entre outras coisas, cinco pares de roupa íntima, um canivete grande, antibióticos de amplo espectro, óleo de ervas para massagear os pés, um carregador solar, um sinalizador, um BlackBerry, um telefone satelital, Crocs, uma bússola, um pequeno frasco de anfetaminas para emergência ("é o backup do backup do backup; no caso de você perder um pé e precisar sair dessa sem sentir nada") e um pijama rosa de lã merino ("você o coloca e se sente bem, se sente deslumbrante").

Na tarde que partiu de Irktusk, Marquis andou apenas alguns quilômetros e largou sua carga. "Naquele primeiro dia não comi e nem fiz nada", explica Marquis. "Àquele ponto, estava tão exausta, era inacreditável”.

Na verdade, os primeiros seis meses nas viagens de Marquis são sempre um tormento. Ela os descreve como "a máquina de lavar": agitação sem fim, dor física, dor emocional, discussões sem parar com vozes interiores - os demônios interiores que sussurram: "Lembra-se da deliciosa espuma sobre o café latte?", e os anjos interiores que reprimem: "Café não é acessível agora, então por que falar sobre isso?". "Você não pode mover suas mão, não pode mover seus pés, você só quer morrer", disse Marquis. "Você pensa em dormir o tempo todo, pois dormir talvez vá ajeitar as coisas".

     
Deserto de Gobi, fronteira com a China. Os nômades não viajam tão longe, mas aqui estou eu, sozinha no meio deste vasto deserto. Coletei lenha, e a noite ouvi os uivos de lobo a distância. Na manhã seguinte, ele circulou minha barraca antes do sol nascer, uivando alto.  
Tailândia, na fronteira com a Birmânia. Mergulhei feliz na água, e só então avistei um elefante no outro lado. Acendi uma fogueira a noite para mostrar aos bichos da selva que eu estava aqui. Normalmente eu me escondo para me manter segura, mas aqui a ameaça pesa várias toneladas.

Alguns meses em sua jornada, Marquis gravou um vídeo dela dormindo em seu saco de dormir. Como um refém agarrado a um jornal, ela segura um termômetro que marca menos 20 graus Celcius. "Eu não durmo muito nesses dias. Não sei que horas são. Talvez meia-noite, ou algo assim?". No vídeo do próximo dia, ela parece acabada. Na noite anterior um vento furioso e uma tempestade de areia rasgaram as planícies Mongóis. Para evitar que o nylon de sua barraca rasgasse, Marquis retirou as varetas de metal que sustentavam a barraca. Mas ela ainda temia que os vendavais levassem seu equipamento, então ela saiu de seu abrigo e deitou em cima de sua bagagem, barraca e carrinho.

Durante outra noite nesses primeiros meses, enquanto Marquis acampava em uma vasta estepe com pasto alto, que ela descreve como um campo de golfe horrendo, ela ouviu cavalos galopando em sua direção. Os visitantes revelaram-se cavaleiros mongóis, todos vestidos com sobretudos tradicionais, invadindo seu acampamento, movidos a vodka. Depois de tentarem roubar sua barraca, eles fugiram. Mas, por semanas, no fim do dia, os homens retornaram, tratando Marquis como "seu pequeno entretenimento", disse ela. Para proteger-se, começou a acordar antes do amanhecer, caminhando até o meio da tarde, para então procurar um lugar para esconder-se para a noite - se possível, em um tubo de cimento de esgoto. "Tudo passa por baixo dessas estradas. Há lixo. Há ovelhas mortas. Mas para mim não era um problema. Eu estava segura", disse ela.

Eventualmente, contudo, Marquis ultrapassou o território da Mongólia. O ciclo "máquina de lavar" terminou. Seu corpo mudou, assim como sua mente. Seus sentidos afiaram-se ao ponto de conseguir sentir o cheiro de xampu do cabelo de um turista a 2 km de distância. "Um dia você caminha durante 12 horas e não sente dor", disse Marquis. O passado e o presente resumidos a um estado presente de atenção plena. "Não há antes ou depois. O intelecto não o guia mais. Ele não existe mais. Você se torna o que a natureza precisa que você seja: essa coisa selvagem".

Como Francis Spufford escreve em seu livro a respeito da exploração polar britânica, "I May Be Some Time", por anos, homens passaram intencionalmente por privações extremas, e eles são notoriamente ruins em dizer o porquê. Marquis e as mulheres similares a ela - mulheres que, por exemplo, caminharam sozinhas através do Deserto do Saara com um camelo, ou puxaram um trenó de 90 kg até o Polo Sul - não conseguem explicar de melhor forma. "Pessoas sempre perguntam: 'foi algo que aconteceu em sua infância?' ", diz Felicity Aston, a primeira mulher a esquiar solo através da Antártica. "Pensei nisso interminavelmente: não”.

     
Norte da Austrália, dia 836. Fiquei muito feliz em estar de volta no meio do mato, onde cada planta, cada árvore, cada barulho era familiar.  
Austrália. A beleza de viver ao ar livre é viver com a luz, e a alegria de testemunhar cada amanhecer e cada pôr do sol.

O resto da viagem de Marquis não foi toda tomada pelo êxtase Zen. Sete meses na caminhada, ela perdeu um molar. Sua gengiva teve um abscesso, e a infecção, que não podia ser controlada com os antibióticos, começou a descer para seu pescoço. Ela teve que ser evacuada da Mongólia. Marquis retornou à coordenada exata de seu GPS e conseguiu chegar à China onde, certo dia, algumas crianças a seguiram. Ela cantou com elas e as ensinou a montar sua barraca - e então elas roubaram seu BlackBerry. Em Laos, traficantes de droga desceram ao acampamento de Marquis à noite, atirando com suas armas para o ar. Logo após isso, Marquis contraiu dengue. Ela amarrou sua perna esquerda a uma árvore para evitar que caminhasse delirante e se afogasse em um rio.

A viagem ficou mais suave durante o último ano. A Tailândia foi tranquila. Austrália foi encantadora, apesar do calor e das últimas centenas de quilômetros, quando as pernas de Marquis ficaram com tantas cãibras que era difícil caminhar. Ela escreveu um livro a respeito da experiência, "Wild by Nature" (disponível apenas em francês). A última página é profundamente anticlímax. "Eu cheguei", escreve Marquis. "Toquei a parte de trás da árvore com minha mão direita. 'Estou de volta, querida'. Sentei-me".

No inverno anterior, em Washington, Marquis reuniu-se com o pessoal da National Geographic Speakers Bureau, pois é isso o que os exploradores fazem (e é basicamente isso que sempre fizeram): voltar para casa e vender suas histórias. Isso foi nove meses após retornar à vida comum, e ela estava feliz em voltar para alguns confortos físicos: dormir em uma cama, tomar dois banhos por dia. Mas ela achou que estar entre pessoas era opressivo, e seus sentidos ficaram tão afiados que mesmo o ato de sentar em uma cafeteria era irritante. "Você ouve a máquina de lavar louças?", Marquis me perguntou, apontando para uma cozinha oculta. Balancei minha cabeça negativamente. Marquis disse, conformada, "Há um rádio tocando lá, também".

Marquis planeja retornar ao noroeste da Austrália em 2016. Ela disse que é seu sonho ir apenas com um sarongue (saiote) e uma faca - o teste derradeiro de sobrevivência. É difícil não se perguntar de onde vêm esses impulsos. Geneticistas, neurocientistas, psicólogos e estudiosos religiosos foram todos fracassados em responder, com resultados insatisfatórios. Mas, talvez a real razão de procurar uma "sufferfest" - de explorar ou aventurar-se, ou como preferir chamar isso - é que faz a pessoa sentir-se viva. A literatura de sobrevivência é estranhamente procurada. Alguns dias antes de morrer, em 1912, Robert Falcon Scott escreveu uma carta dizendo a um amigo que gostaria que ele estivesse ao seu lado "para ouvir nossas canções e conversas alegres". No dia de sua morte, Scott falou de sua viagem, "O quão melhor ela foi do que recostar-se em demasiado conforto em casa".

     
O livro foi publicado apenas em francês.  
Sarah Marquis foi eleita a aventureira do ano de 2014 pela National Geographic. Foto: Mattieu Gafsou

É claro, se você não morrer - bem, então a experiência de uma viagem extrema é fantástica. Depois de nadar através de um rio infestado de crocodilos, Marquis escreveu que, a cada vez que ela se encontrava no meio do mato, "minha felicidade aumentava dez vezes". Talvez uma das expressões mais puras de felicidade é do explorador norueguês Aleksander Gamme no 86º dia de sua expedição de 2270 km desde a Bahia de Hercules até o Polo Sul, em 2012. Desesperadamente faminto e paralisado de pavor, ele deu de encontro com as provisões que ele havia enterrado na neve alguns meses antes. Ele tirou fósforos, vaselina e pomada de zinco de sua mala congelada. Então, ele começa a gritar: "YEAAAAA! AAAAHHH! HAHA! YEAA! WHOOOWHOOO!". Seu júbilo ao ver um pacote duplo de salgadinho de queijo deve ter sido maior do que qualquer um de nós irá sentir durante toda nossa vida.



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