"... if you can do, or dream you can do, begin it now. For boldness, has genius, power and magic in it. Begin it now."Mr. Goethe
Devagar vamos sincronizando os passos. Tomo cuidado para seguir os passos de quem vai a minha frente para deixar um rastro firme a quem vem atrás de mim. Um caminho seguro. Encordoados vamos os cinco lentamente entrando em uma estranha sincronia.
É João, meu filho, quem segue à minha frente abrindo o caminho na neve. Suas passadas são longas, largas, fortes e grandes. Peço a ele para diminuir o espaço entre as passadas para que eu entre em um ritmo de cruzeiro. Atrás de mim Paul, Rogerio e Milton, caminham na mesma toada. Fortes, certos e firmes, vamos dançando pé ante pé, como em um tango, acertando os passos, as intenções, o silêncio e os diversos ritmos do corpo.
Por segurança quando entramos na montanha, na neve, em áreas de risco sempre andamos presos, encordoados um ao outro. A distância varia entre quatro a nove metros. A formação, em linha, horizontal, em V, varia conforme a leitura das gretas no terreno. Cada greta pode ter 100 metros de profundidade. A distância entre cada um é necessária pois se alguém escorrega montanha abaixo ou cai em uma greta, a pancada e a força são de uma brutalidade insana. Uma massa condensada de 80 quilos voando baixo. A pancada é tão forte que literalmente te arranca do chão. Vi e vivi isso. Assusta a gravidade agindo a milhão. A parada é séria.
Nestes momentos estamos completamente conectados. Um time. Uma cobra coral cruzando a areia. Seguimos em procissão.
Somos um e cada um é responsável pela vida do outro. Não há espaços para o erro, a displicência, a brincadeira ou a falta de foco. A cabeça então rapidamente se esvazia. O corpo se alinha. A respiração nos toma. Entramos, furiosamente, em um estado de total meditação. Cada pedaço de nós está totalmente conectado à vida. Ali estamos vivos. Ali somos um time agindo e pensando na vida. Seguimos atentos como um suricato do Kalahari.Vamos varrendo a montanha e analisando quais são as probabilidades de sobreviver a tantas variáveis. Ali somos apenas cinco seres coloridos completamente malucos e alucinados brincando de ser Deus.
Há alguns anos resolvi mudar completamente a minha vida. Me mudei para perto do meu trabalho, larguei de usar o carro direto, comprei minha bike, me profissionalizei em andar longas distâncias a pé pelas metrópoles do mundo. Em paralelo fui trabalhando para romper com todas e quaisquer zonas de conforto. Antigos padrões que insistem em nos fazer travar. Resolvi partir do velho cais. Hora de ir para o mundo. Ir a pé. Resolvi que deveria ir a lugares que eu nunca poderia conhecer de outra forma, além de com os meus próprios pés. Pelas minhas próprias pernas.
Assim lentamente fui para o mundo. Aprendi a caminhar. Aprendi a ter, viver e depender de poucas coisas. A viver com pouco. A ser assertivo na minha real necessidade. Aprendi o valor da água, do ar e da terra. Aprendi o valor do silêncio, do sorriso que te dá em conforto um outro sorriso, bem como aprendi o quão gostoso, prazeroso é caminhar ao lado de alguém. Aprendi que o tempo de Chronos não tem importância alguma. A alma e céu nos abastecem. Um bom guia é fundamental. Um equipamento correto também é fundamental. Somente a fome nos para. Uma sombra nos acolhe. Uma pedra nos dá um horizonte para seguir, um descanso.
É preciso ler a natureza. A sua natureza e a que te rodeia.
Estes dias voando pelas montanhas pensei muito no significado, para mim, do ato literário de um caminhar. De um caminhante.
Creio que caminhar é um exercício profundo de desapego, de partir e de chegar. Deixar-se ir. Deixar o outro ir. Nada neste universo é estático. Tudo se move. O tempo que num segundo era sol...agora nubla. Pessoas que há pouco estavam comendo com você... partem em segundos. O encontro de um momento, de uma vida. A partida, aflita, esquecida do passado. Partir para nunca mais ser um encontro.
O céu lá fora me era pleno. Um céu imenso, rabiscado pelo voar eterno de um condor. Ornado por estrelas impossíveis. Pintado de um azul tão imenso que meus olhos se tornam uma pequena gota azul neste oceano. Um pôr do sol que escorria macio pela noite adentro. A lua cheia que de tão cheia chegava a ser ridiculamente linda. E ali parados, casais, homens, mulheres, crianças e estes quatro seres embasbacados. Juntos recebemos, na beira de um mundo, as energias e bênçãos para nos abastecer dos longos caminhos que tivemos para lá estar. O movimento que nos levou a encontrar esta sorte. Quanta sorte.
As vezes penso porque será que nos pomos como reis estancados em medos.Temos medo de sentir... medo.
Que carinho trago em meu peito por esta terra meu Deus... Que amor incondicional me entrego a esta vastidão. Que oceanos tão infinitos nos lavam, nos dão ar, ventos que nos acalmam e nos dão um sentido de ser.
Precisamos de tão pouquinho para estarmos vivos. Muito polui a alma…muito polui a água, o ar, os oceanos. Polui a montanha de nós mesmo. Muito complica os olhos. Andando e vendo o mundo vejo como a nossa terra tá tão poluída. Tanto de nada. Judieira, o judieira.
Em minha barraca, voltando da montanha fui me sentar em uma pedra após um banho francês de água de degelo. Tava tão gelado que congelou o corpo em segundos. A água parece que não molha o corpo. Ali admirei o nosso caminho do dia.
Então em um transe, em um êxtase de conexões peregrinas uma pergunta subitamente me veio: E se esta montanha fosse a minha vida? E se eu tivesse de levar a pessoa certa para subir esta montanha?
Como o casaco que me dá o conforto, como uma simples luva que me aquece, como um simples gorro que nos livra da solidão do frio. Quem seria a pessoa que eu escolheria para subir esta montanha comigo? Quem seria o meu conforto de alma? O meu calor nas horas de frio, de quem seriam as mãos que me dariam em um sorriso, uma calma a minha solidão?
Ali sentadinho e sozinho, flutuando na palma de minha mão, ganhei um mundo em paz. Entendi que todos temos esta resposta. Todos e tudo esta intimamente encordoados neste pequeno ponto azul. Todos estamos ligados e interligados à teia da vida. Faz parte do humano estar junto. Conectado. Só assim aprendemos a falar, amar, mentir, ser verdadeiro, caminhar, ser, escutar, respeitar e viver o humano que somos por inteiro. Só assim vivemos o planeta que nos sustenta. Só assim pude escalar esta montanha com meu filho e amigos. Fomos la aprender o saber humano trovoado pelo Milton Marques. Fomos lá aprender a montanha e nos aprender na vida. Fomos lá.
Subimos montanhas. Eis o caminhante. Algumas são Himalaias, algumas Andinas, algumas a maravilhosa Serra do Mar, outras uma simples, porém powerful, cachoeira. Outras porém, nada mais que uma pequena pedrinha.
É importante valorizar cada simples pedrinha que subimos. Que o outro sobe. Não somos melhores que o outro pelo tamanho da montanha que escalamos. Não estamos aqui neste ponto perdido no universo, para competir e sermos melhor que algo, alguém ou coisa qualquer. Estamos aqui para aprender. E sim, para viver o mais pleno oxigênio de nossos pulmões. Somos iguais. Somos todos iguais. Somos todos da mesma, ínfima e ridícula matéria.
Ache a sua conexão.
Caminhem caminhantes. Encontrem suas montanhas, suas pedras, seus horizontes. Deem as mãos a quem estará ao teu lado. Simplesmente para estar. Para dizer: Ei eu estou aqui do teu lado. Seja forte quando o bicho de fato pegar. Se dedique e cuide dos outros. Neste instante você estará cuidando do planeta todo. E se no acaso deste caminho alguém de sua vida se for... deixe ir. Sofra bastante, faz parte viver os lutos da vida.
Nada nos pertence. Nós é quem pertencemos a este planeta. Cuidem do planeta. Tenham menos. Se livrem mais. Hoje tenho a certeza que minha felicidade e o meu sucesso estão até onde eu puder caminhar. Estar com meus amigos, novos amigos, filhos e com quem eu puder subir as minhas pequenas pedrinhas diárias. O sucesso está na alma e a alma está em tudo e todos. Basta segui-la.
Namaste my friends,
Andre Barros |