Temporada de caça no Ártico era assim: os povos tradicionais se aproveitavam da firmeza do gelo flutuante, migravam para o Norte e corriam atrás de focas e baleias. Feito o estoque, os caçadores voltavam para casa — com paredes de pedra, ressalte-se; menos de 5% moram em iglus — e armazenavam a carne em celeiros.
Temporada de caça no Ártico agora é assim: a camada de gelo cada vez mais fina e reduzida tornou as rotas alagadas e inseguras; não há como guardar a carne — com o calor, o alimento apodrece. Como a estratégia natural não funciona, a solução foi recorrer à modernidade. Mais uma vez, os inuítes — “esquimó” é um termo genérico e considerado pejorativo por alguns — pedirão freezers ao resto do mundo.
A demanda é feita há pelo menos cinco anos, mas levada pouco a sério. Agora, os mais de 160 mil inuítes creem que o acelerado derretimento das geleiras, acompanhado com preocupação pelos cientistas, pode finalmente trazer o eletrodoméstico.
"Os freezers são necessários. Sem tecnologia, não podemos garantir a segurança alimentar das regiões mais isoladas. Dependemos do gelo para viajar e pescar. Se ele está mais fino e fraco, nosso estilo de vida é comprometido." _ diz a sueco-groelandesa Parnuna Egede, conselheira ambiental do Conselho Circumpolar Inuíte (ICC).
Nos últimos anos, milhares de inuítes deixaram as casas mais isoladas e buscaram vilas maiores na Groenlândia. Os mais jovens vão para o Sul do Canadá e adotam costumes “ocidentais”.
— É caro mudar e começar uma vida nova. Se não fosse isso, mais pessoas iriam embora — pondera Parnuna.
Ela observa que mais cientistas vão à Antártica estudar o derretimento do gelo. “O mundo”, diz, “começa a se ligar”:
— As conferências do clima não têm sido como esperávamos. Antes, falava-se em desacelerar o aquecimento global. Hoje, o discurso é sobre adaptação. Todos estão pessimistas. Perceberam tarde o nosso problema.
|