A chegada em Kathmandu foi sem problemas, no dia 9 de abril. Recepção e hospedagem no Hotel Tibet International, no centro budista, perto de Boudnath. Nessa noite houve a apresentação do meu personal sherpa, Da Ongshu Sherpa, e conferência de todo o material da expedição. Mesmo com tudo certo, haveria a necessidade de esperar até o dia 12 de abril para prosseguir para a fronteira com Tibet, devido à demora para conseguir os vistos, junto a embaixada da China. E nesse dia tomei conhecimento das demais pessoas que integrariam o grupo da expedição para o Everest, pela face norte. Estávamos em 8 escaladores, 4 da equipe de Malta, um francês (Richard Malblanc), um suíço (Olivier Stromboli) um japonês (Tamoru Satoshi) e eu, Axel Cezar. Em princípio, um grupo heterogêneo, mas que desde o início mostrou-se bastante unido e coeso para o objetivo proposto. Na verdade, não poderia ter esperado melhor companhia. Não houve sequer um problema durante os mais de 50 dias de convivência com os membros.
Os demais dias em Kathmandu foram aproveitados com uma visita a Boudnath e a grande Stupa, uma passagem no distrito de Thamel e no dia 11 de abril, uma visita ao monastério budista de Kopan, um pouco afastado de Kathmandu, próximo aos morros que circundam a cidade.
No dia 12 de abril seguimos viagem, com uma Van, para o Tibet. Todavia, estávamos somente eu, Olivier e Satoshi. O pessoal de Malta havia deixado Kathmandu no dia anterior. Richard estava num veículo separado, pois ele seguiria mais rápido para o basecamp devido a uma prévia aclimatação realizada durante um trekking até o basecamp do Everest, pelo lado nepalês, imediatamente antes da expedição.
Última parada, antes de cruzar a fronteira com o Tibet, na cidade nepalesa de Kodhari, para aguardar o contato do Liaison, oficial chinês, para prosseguir com os desembaraços para entrada em território tibetano.
Atravessando a fronteira
Tudo certo e nossas malas (2 duffle bags cada um) foram carregadas por porters até o local de inspeção da fronteira chinesa. Há um contraste grande entre os postos de fiscalização da fronteira tibetana e nepalesa. O lado nepalês é nitidamente mais simples, com menos gente e estrutura. O lado tibetano, após uma pequena ponte da amizade, possui construções modernas, vários guardas e seguranças (todos chineses), várias câmeras de vigilância espalhadas e intensa fiscalização para evitar fotos da área. Há um checkpoint para conferência dos vistos, permissões de escalada e passaportes na ponte da amizade, antes de prosseguirmos efetivamente para o local de fiscalização da fronteira, já em território tibetano.
Um por um, atravessamos a ponte, sherpas e escaladores. Após, prosseguimos para o efetivo ponto de fiscalização e conferência, novamente, de toda a documentação e passaportes. Nesse local, que lembra a área de inspeção de segurança de aeroportos, todas as nossas bagagens passaram por um raio-x duas vezes e foram todas abertas e revistadas pelos chineses. Especial atenção foi dada a livros e conteúdos dos livros, faixas, bandeiras e cartazes que cada um estava levando. Certamente algo relacionado a "Free Tibet" não seria tolerado. Depois disso, mais uma conferência de vistos e passaportes pelos oficiais chineses e conseguimos transpor o primeiro de muitos pontos de checagem de documentos dentro do território tibetano.
Prosseguimos então para as várias toyota landcruiser que estavam à espera para nos levar ao primeiro ponto de pernoite, na cidade de Zhang Mo. Seguimos na subida da serra, por estradas em melhores condições que as nepalesas, por uns 30 minutos, até o hotel em Zhang Mo, a uma altitude de 2700m.
A viagem até Kodhari levou cerca de 5 horas. O tempo de espera para cruzar a fronteira, contando com o almoço em Kodhari, mais umas 3 horas. A chegada ao hotel ocorreu por volta de 18h30, pois foi necessário adiantar o horário em duas horas, ao cruzar a fronteira.
No dia seguinte, seguimos para Nyalam, a 3800m, porém sem antes passar por dois checkpoints na estrada, ao sair de Zhang Mo. Um da polícia e outro do exército.
Chegada em Nyalam e hospedagem em outro hotel, de nível inferior ao de Zhang Mo, sem água quente (até havia, mas houve um problema no aquecimento da água).
Em Nyalam ocorreu o primeiro encontro de todo o time, porém foi breve, pois os malteses estavam um dia à nossa frente e Richard não precisaria ficar dois dias em Nyalam para aclimatação. Despendemos duas noites em Nyalam, sendo que no segundo dia fizemos uma caminhada até 4300m, nos morros próximos para auxiliar a adaptação à altitude.
A próxima parada era o vilarejo de Tingri, que também proporcionaria hospedagem em hotel, mas o padrão diminuía a medida que subíamos e nos aproximávamos do basecamp.
Tingri encontra-se na área do platô tibetano e aqui a paisagem já muda radicalmente. Não há quase vegetação, a umidade é baixa e as temperaturas mais amenas (à noite chegando próximo de -10ºC, nessa época do ano). É possível avistar o Cho Oyu e, em certos pontos, uma primeira visão do Everest, ou como é conhecido naquela região, Chomolungma.
Chegando no Campo Base do Everest
Duas noites em Tingri, com um hiking até 4700m para auxiliar na aclimatação, e seguimos, finalmente para o basecamp do Everest, lado tibetano. A partir de Tingri não há mais estradas de asfalto, sendo substituídas por estradas de pedras e levemente acidentadas. Seriam mais 3h45 até o basecamp. Richard e os malteses haviam chegado no dia anterior (16/04). Nós chegamos próximo ao horário do almoço e toda a estrutura do basecamp estava pronta, com as barracas individuais montadas, a barraca de refeição, banheiro e banho prontas. Tudo certo!
Aguardaríamos aproximadamente 4 dias no basecamp (5150m) para prosseguir a primeira vez para o ABC (acampamento base avançado) e começar os ciclos de aclimatação. Durante esse período tivemos dois dias de atividade para auxiliar na aclimatação também, com um hiking até 5700m, nos morros ao redor do basecamp e um trekking de umas 3 horas com direito a uma parada no Monastério de Rongbu, anterior ao basecamp.
No segundo dia, 18 de abril, durante o café da manhã, recebemos a notícia sobre a avalanche ocorrida no lado sul, que abalou a todos, principalmente os sherpas. Tudo ainda estava muito indefinido, mas era sabido que muitos sherpas estavam desaparecidos. Mesmo assim a cerimônia religiosa para solicitar a autorização para a escalada e tempo bom e proteção dos deuses - a famosa Puja - foi realizada nesse dia no basecamp. As famosas bandeiras budistas tibetanas, representando os elementos básicos que constituem esse planeta, foram espalhadas pelo acampamento.
Início da escalada
Finalmente deixamos o basecamp no dia 21 de abril para o acampamento base intermediário (5800m). Nessa primeira fase, num ritmo cadenciado levamos 5h para percorrer os aproximadamente 11km de distância. Permaneceríamos somente uma noite no IBC, prosseguindo para o Advanced basecamp (6400m) na sequência.
Inicialmente não concordei muito com a proposta de permanecer uma noite somente no IBC, pois realizar uma ascensão 1250m em dois dias poderia representaria uma probabilidade maior de desenvolver algum tipo de doença de altitude. Na verdade, no total, 7 pessoas foram embora nesse período devido a problemas de aclimatação. Um deles foi o nosso amigo suíço Olivier.
Após chegarmos ao ABC a 6400m no dia 22 de abril, foi necessário aguardar a montagem de algumas barracas para a completa acomodação. E desde o início percebemos que Olivier não estava tão bem. No dia 23 de abril, descansamos e no dia 24 saímos para um trekking para auxiliar na aclimatação. Nesse dia Olivier não nos acompanhou e estava nítido que ele não estava nas melhores condições. Felizmente tínhamos Greg no grupo, médico especializado em wilderness e ambiente de montanha, além de um exímio escalador com 4 montanhas acima 8000m (Everest face sul, Cho Oyu, Gasherbrum I e II), além de pequenos picos no Nepal, Denali, Aconcágua, Elbrus e Kilimanjaro... E ele definiu que Olivier deveria descer para o basecamp no dia seguinte.
No dia 25 de abril Olivier estava pior, com grandes dificuldades para andar e equilibrar-se (ataxia). Greg deu uma injeção de dexamethazone em Olivier e ele prosseguiu. Devido a um problema com alguns Yaks, os nossos cilindros de O2 ainda não haviam chegado ao ABC, bem como a nossa Gamow bag (uma câmara de pressurização portátil para tratamento de doenças de altitude), mas a intenção era, durante a descida para o basecamp, Olivier e um sherpa, pegarem um cilindro de O2 no meio do caminho, visto que os yaks chegariam no dia 25 de abril. Foi o que aconteceu. Porém eles dormiram uma noite no IBC, antes de regressarem ao basecamp. Na verdade, no dia seguinte Olivier teve que voltar em cima de um yak, pois a situação piorou. Todavia, ele conseguiu regressar ao basecamp e melhorou, mas para ele ali era o fim da expedição.
Para os que ficaram, no dia 26 de abril realizamos um treinamento de escalada no gelo, nas paredes do Glacier, ao lado do basecamp, e subida utilizando cordas e ascender. Tudo isso para testar os nossos equipamentos (crampons, botas de alta altitude, cintos, luvas, ice axes, etc...) antes de prosseguir para a real escalada do North Col. E Greg foi o responsável por montar a nossa parede de gelo de treinamento com toda a segurança necessária.
No dia seguinte houve uma reunião com a CTMA (Chinese Tibetan Mountaineering Association) para acertar alguns detalhes sobre as cordas de segurança que seriam colocadas até o cume. Foi acordado que até o dia 29 as cordas seriam colocadas até o camp 3 (8300m) e depois, no dia 10 de maio, o trecho final até o cume seria contemplado.
Nesse dia o Sirdar (o sherpa responsável por coordenar a expedição) da nossa expedição chegou ao ABC. E a partir daí que começaram a ocorrer alguns desentendimentos entre eu, meu sherpa e o Sirdar. Tudo começou porque solicitei um ciclo de aclimatação diferente, pois tentaria a subida sem O2 suplementar, diferente de todos do time. Deixei isso bem claro ao meu sherpa antes de sair de Kathmandu, porém ao que pareceu naquele momento, o meu sherpa nada fez. E ficou notório, depois, que ele nada continuou fazendo para me auxiliar na subida sem O2.
Ao questionar o meu sherpa sobre um ciclo de aclimatação para a subida sem O2, a única resposta que eu obtinha era: we will see how you behave at camp 2, a 7.500m - vamos ver como você se comporta no C2 a 7.500m.
Então, solicitei que o meu ciclo de aclimatação contemplasse duas noites no camp 1 (7100m) e duas noites no camp 2 (até então seria a 7500m). Ou ao menos uma noite no camp 2, caso não fosse possível duas. Porém o Sirdar não autorizou, principalmente a noite no camp 2, pois ainda seria necessário montar a estrutura do camp 2, que não estava pronta. Na verdade, somente a partir do dia 29 de abril que as coisas começariam a serem levadas para o camp 2 e 3, devido às cordas dos chineses. Mesmo assim pedi para permanecer mais tempo no ABC e aguardar as coisas estarem prontas para seguir para o camp 2 e nenhum dos dois sherpas aceitaram a minha sugestão. Para evitar maiores conflitos, mudei a estratégia para o plano B, que na verdade seria um complemento da minha aclimatação para seguir sem O2, mas era o que eu poderia fazer naquele momento.
Então, dia 29 de abril seguimos para o Camp 1 e pela primeira vez encarar a parede de gelo do North Col. A parte inicial apresentava bastante pedra e após 1h de trekking chegamos no ponto de colocar os crampons. Eu segui com o meu down suit para já ir testando-o no caminho, mesmo sabendo que estava um pouco quente para usá-lo. Todas as ventilações foram abertas para tentar minimizar a alta temperatura do corpo e funcionou. A subida transcorreu sem problemas até o terço final, quando ventos de até 30km/h começaram a soprar e um pouco de neve cair. Nessa parte, o vento levou o meu chapéu, que me protegia do sol, durante uma tentativa de ajustar o meu gorro. Ficou para a montanha.
Chegamos ao camp 1, após 5h aproximadamente e poucas barracas haviam sido montadas. Nós fomos um dos primeiros grupos a prosseguir para lá. O espaço é restrito e estreito para montar as barracas e estávamos no final do camp 1, quando começa a subida para o camp 2.
O plano era dormir uma noite no camp 1. No dia seguinte prosseguir até próximo do camp 2 e descer até o ABC. Fizemos uma subida até 7300m, em direção ao camp 2 e retornamos para o camp 1 e posterior descida até o ABC. Vale ressaltar que a partir daqui o visual é realmente espetacular, sendo possível observar o lado tibetano e nepalês das montanhas. Lakhpori, Changtse e Pumori são os picos famosos que se destacam, além da vista surpreendente do Everest. Ao contrário do lado sul, no lado norte podemos observar o topo do Everest desde o basecamp.
Ao retornar ao camp 1, solicitei mais uma vez ao meu sherpa a possibilidade de mais uma noite no camp 1 e dessa vez ele não quis e nem chegou a perguntar para o Sirdar. Então, após essa pequena ascensão, todos retornaram ao ABC no dia 30 de abril.
Dia 1 de maio retornamos ao basecamp direto, aproximadamente 22km em 6h, num ritmo moderado. A partir de lá eu começaria o plano B, que era tentar realizar algum treinamento físico no basecamp e forçar o corpo a liberar mais EPO (eritropoetina, aumento de células vermelhas e hematócrito), aumentar a quantidade de mioglobina (reserva de energia dos músculos), tentar forçar um aumento da capilarização do corpo (liberação de mais angiotensin II) e a aumentar a pressão sanguínea voluntariamente (momentaneamente durante o esforço físico) e o corpo lidar com isso, pois afinal, o motivo de HAPE (high altitude pulmonary edema) e HACE (high altitude cerebral edema) acontecerem é a grande pressão sanguínea que acomete esses órgãos em grande altitude, gerando um vazamento de líquido (citoplasma) que nem o desequilíbrio osmótico, nem o sistema linfático conseguem recuperar. Por que a pressão aumenta tanto? Eis o que a ciência ainda há de descobrir. Algumas pessoas são mais propensas que outras a essas condições, mas os motivos ainda não são completamente conhecidos.
Após algumas tentativas de treino resolvi manter um tipo somente, que era possível realizar nas condições de hipóxia do basecamp: tiros de 200m com descanso ativo (na verdade andando) de 200m. Consegui achar um terreno aceitável, mas ainda assim um pouco irregular, no meio de tanta pedra do basecamp. Era um trecho de uma trilha pouco utilizada, perto do acampamento do time do suíço Kobler, não muito distante do nosso acampamento. Inicialmente, planejei realizar 5 treinamentos devido a possibilidade de sairmos para o Summit push no dia 10 de maio, porém, ao final, realizei 9, inclusive um com o sherpa de Richard (o meu sherpa não aceitou o convite para treinar junto).
O primeiro treinamento foi muito exaustivo e os tempos bem altos. No total realizei 5 tiros somente (no nível de mar utilizo esse treinamento na fase inicial de treinos para auxiliar no crescimento da stamina para as corridas e são de 10 a 12 tiros numa pista de atletismo de 400m. O descanso ativo ocorre com uma corrida de leve para moderada nos 200 restantes, iniciando um novo tiro ao completar os 400m).
No dia seguinte realizaria outro treino, aumentando a quantidade de tiros para 6 e com os tempos caindo vertiginosamente. E assim ocorreu durante cada treino, com os tempos melhorando. No sétimo treino, foram 7 tiros. No oitavo, 8 tiros. E o nono, fiz com o sherpa do Richard, Nuru, que agüentou somente dois tiros comigo, todavia não é possível uma comparação entre os ocidentais e os sherpas. Que isso fique bem claro. A maneira como o corpo dos sherpas utiliza o oxigênio é muito mais otimizada do que o corpo dos ocidentais. Eles carregam muito mais peso, por muito mais tempo, num ritmo mais forte do que a maioria dos ocidentais, em grande altitude principalmente. Comprovadamente possuem uma vantagem genética que não cabe comparação aqui. Mas Nuru não aguentou o treino comigo, heheheh (Nuru Sherpa era provavelmente o sherpa mais forte e resistente dos sherpas, com um total de 13 Everest summits, sendo 7 pela face norte).
Ao chegarmos ao basecamp, no final do dia 1 de maio, encontramos Olivier bem. Todavia as coisas precisariam de uma conversa entre ele e Greg para definir a possibilidade de continuar, ou não na expedição. E a decisão foi tomada de não continuar. Era o mais sensato. Olivier tem uma filha pequena na suíça e arriscar tanto, visto que HACE começou a se manifestar e nem com O2 e dexamethazone ele conseguiu voltar sozinho para o basecamp, não valeria a pena. Então, no dia 4 de maio ele seguiu para Kathmandu, juntamente com mais duas pessoas do grupo russo (Seven Summits Club), na mesma situação. Interessante notar que Olivier possuía experiência de alta altitude com cumes alcançados em Ama Dablam (6812m - Nepal) e Kun (7077m - Índia) sem problemas, além dos famosos picos dos Alpes. E mesmo assim, dessa vez os sintomas da altitude manifestaram-se.
Enquanto isso, aguardamos ansiosamente pelo dia 8 de maio para saber notícias do nosso Summit push, pois se os chineses realmente fossem fixar as cordas de segurança no dia 10, sairíamos no dia 10 para o ABC. Todavia, não foi o que aconteceu e recebemos a notícia que eles tinham alterado a data para 16 de maio. Então teríamos que esperar mais um pouco no basecamp. Enquanto isso, barracas e cilindros de O2 eram levados para o camp 2 e camp 3 pelos sherpas.
No dia 9 de maio houve uma confraternização proporcionada pelo grupo russo (Seven Summits Club) no basecamp. Eles possuíam uma enorme tenda oval para acomodar mais de 100 pessoas e uma grande estrutura no basecamp (nos outros camps não era diferente, sempre apresentando excelente estrutura física). Comida e bebida liberada. E foi bom para conhecer quase todos os escaladores da face norte. Ao final teve um show de fogos de artifício. Nunca imaginaria isso no basecamp.
De qualquer maneira, teríamos que permanecer mais alguns dias no basecamp. Enquanto isso eu aproveitava para treinar, enquanto os outros permaneciam descansando e alternando alguns trekkings pela área do basecamp. Fomos umas três vezes para a área anterior ao basecamp onde existem umas barracas que funcionam como hotéis para os turistas que visitam o basecamp. A maioria deles são chineses e eles passam uma, no máximo, duas noites nessas barracas, que ficam aproximadamente a 1h30 de caminhada até a entrada do basecamp, mas há um ônibus fazendo esse trajeto para os turistas. E nesse local há um pequeno comércio e praticamente todos os hotéis oferecem opções de refeição. Em uma boa ocasião almoçamos lá, juntamente com os sherpas.
E no dia 12 de maio, encontrei uma amiga do time britânico, a Sas, e ela falou que provavelmente os chineses atrasariam a fixação das cordas de segurança devido à meteorologia. Caso eles não fixassem na janela do dia 16 e 17/5, as coisas começariam a complicar um pouco, pois as janelas de tempo para os escaladores começariam a diminuir com o final do mês de maio se aproximando e as monções logo à espreita para iniciar.
E foi o que ocorreu. Os chineses não saíram no dia 16 de maio, mesmo com o tempo muito bom. Na verdade, no dia 16 eles estavam no basecamp. No dia 17 fomos à barraca dos chineses para entender o que estava acontecendo e exigir alguma providência. Chegando lá, os russos já estavam exigindo as explicações. O time suíço compareceu depois e a partir desse momento ficou configurada uma pressão grande por parte de todos para que as cordas fossem fixadas.
Seria possível escalar sem as cordas, ou nós mesmos e os sherpas fixarem as cordas? Sim, mas esse não era o acordo e essa atitude poderia gerar algum conflito com os chineses, o que estávamos evitando.
Enquanto isso, no dia 15 de maio, Greg e mais dois malteses deixaram o basecamp em direção ao ABC. Já estavam entendiados de ficarem no basecamp. A intenção era voltar em dois dias. Mas não voltaram e eles permaneceram lá até o final.
Eu, Richard, Satoshi e Douglas permanecemos no basecamp. Sairíamos no dia 20 de maio de qualquer maneira. Então, no dia 19 seguimos para o ABC, pois tínhamos a informação de uma janela de tempo boa entre 23 e 24 de maio. O plano seria fazer o ataque ao cume logo atrás dos chineses durante a fixação das cordas. Inicialmente era isso. Uma outra reunião estava agendada para o dia 21 no ABC com todos os grupos e os chineses.
Chegamos, após 9h e um ritmo tranquilo, ao ABC. Greg e os demais estavam esperando. Eles foram mais uma vez até o camp 1 e voltaram para o ABC. E logo começamos a discutir sobre os planos para o ataque ao cume, pois o nosso tempo estava acabando. Nesse momento, sabíamos que no dia 24 de maio teríamos uma possível janela. Era a melhor previsão. Porém não poderíamos sair sem antes os chineses saírem. E na verdade o plano de seguir os chineses não mostrou-se tão seguro assim, pois caso acontecesse algo durante a fixação das cordas, teríamos que voltar e haveríamos consumido O2 suficiente para não dar chance para uma nova tentativa (no meu caso ainda estaria sem O2, então não estava preocupado).
Então no dia 20 de maio, nós e o nossos vizinhos de ABC, os romenos, fomos ao campo dos chineses tentar uma nova conversa. Surtiu efeito e na manhã do dia seguinte haveria uma reunião com todos. A essa altura todos os times tinham-se deslocado para o ABC.
No dia 21 de maio, pela manhã, após várias discussões de meteorologia e janelas para os escaladores, os chineses prometeram fixar as cordas no dia 22 e 23 de maio, deixando a janela do dia 24 para os escaladores. Nesse momento a previsão meteorológica era de tempo bom 22, 23 e 24, com os ventos aumentando um pouco (25km/h) no dia 25, mas ainda possibilitando uma tentativa ao cume.
Ao retornar da reunião, definimos a nossa estratégia e ficou acordado que subiríamos para o camp 1 no dia 22. Camp 2 no dia 23 (o nosso foi montado a 7900m) e um pequeno descanso para fazer o ataque ao cume do dia 23 para o dia 24, aproveitando o melhor tempo, direto do camp 2. O nosso camp 2 estava bem alto, quase equiparado ao camp 4 do lado sul, onde os ataques ao cume partem.
Por enquanto, essa parecia ser a melhor opção e para mim, ideal, pois sem O2, quanto menos tempo de exposição você tiver acima de 8000m, melhor. E para realizar isso, todos já sairiam do camp 1 com O2, visto que dessa maneira economizaríamos O2, pois não haveria pernoite no camp 2, na ida. Mas certamente era uma estratégia que exigiria mais fisicamente do corpo.
No dia 22 de maio, deixamos o ABC e praticamente todos os times estavam fazendo isso. A parede do North Col nunca esteve tão cheia essa temporada como naquele momento. Com isso houve uma pequena demora até chegarmos ao Camp 1.
No dia seguinte, Camp 2 e mais uma vez bastante gente. A partir do Camp 1, 90% das pessoas estava com O2. Eu permanecia sem e estava me sentindo muito bem, com um ritmo superior a muitas pessoas com O2. A partir de 7500m o gelo acaba e começa a parte de pedras e um pouco de gelo. Mesmo assim os crampons são mantidos. E nessa parte tive algumas dificuldades, pois era difícil achar um apoio ideal nessa parte de rocha com os crampons. Mas a face norte é assim e partir desse ponto as pedras e rochas predominam (salvo ocorra uma tempestade de neve, que foi o caso a partir do dia 25 de maio) até o cume e os crampons precisam estar equipados.
Ao chegar no camp 2 (a minha barraca era a penúltima do camp 2, só perdendo para a dos romenos) o pessoal decidiu passar a noite lá e fazer o ataque ao cume no dia 25 de maio devido a uma informação meteorológica de ventos calmos na manhã do dia 25 (informação recebida via telefone satelital do Greg. E no camp 2 a China Mobile estava funcionando e tínhamos uma internet, mesmo que lenta). Na manhã seguinte o meu sherpa foi à barraca do Sirdar para checar as ações a serem tomadas. Até então permanecíamos com a ideia de seguir para o cume a partir do camp 2 (7900m), visto que é bem próximo do que acontece no lado sul, a partir do camp 4 (8000m). Na verdade, eu imaginava que era parecido, mas não é. A rota é mais longa e o terreno de pedras e rochas soltas não ajuda, exigindo mais fisicamente.
Ao voltar, o meu sherpa insistia em fazer o ataque a partir do camp 2 e inicialmente concordei, pois passaria menos tempo acima de 8000m sem O2. E tínhamos definido o horário de 19h (horário de Beijing, aproximadamente 17h, horário do Nepal) para sair para o ataque ao cume. Os demais, exceto Satoshi, que estava dividindo a barraca comigo e concordou em permanecer e fazer o mesmo que eu, sairiam do camp 3 às 23h (horário de Beijing). O tempo aproximado entre o camp 2 e camp 3 era de 4 horas, então estávamos ainda bem.
Tudo parecia certo e, ao longo do dia, mudamos o horário de partida para 18h. Por volta de 16h30 começou a ventar no camp 2. Os ventos começaram a aumentar de intensidade e permanecerem constantes. Não foi nada bem-vindo e sabendo dessa condição critica, às 17h tomei a decisão de entrar no O2 (0,5 litros/minuto a vazão). A todo momento, estava carregando um cilindro de O2 de emergência, caso precisasse, ou seja, estava prosseguindo sem O2, porém arcando com o lastro adicional.
A decisão de utilizar o O2 foi devido aos ventos e se tivesse que encará-los teria que estar com O2 para minimizar as chances de ocorrência de frostbite. Queria prosseguir sem O2 se as condições fossem favoráveis. Caso contrário, não, pois ainda não estava disposto a aceitar alguns riscos.
E as horas foram passando e o vento não diminuía. Ainda havia esperança pois a previsão não era aquela, de ventos tão fortes. Eles estavam oscilando entre 30 a 50km/h aproximadamente, a julgar pelo balançar da barraca, e nem o meu sherpa, nem o sherpa do Satoshi estavam querendo arriscar. Houve alguns momentos que os ventos diminuíram e tentamos sair, mas eles logo retornaram com força. Estávamos prontos na barraca para sair a qualquer instante. Por volta de 23h (horário de Beijing) Satoshi saiu para uma tentativa. Se ele não voltasse em 1h, eu iria também. Porém com 55 minutos ele voltou e com bastante frio. A partir daí percebi que havíamos perdido a janela de tempo do dia 25 de maio, e parei com o O2, mas ainda estava com esperança de uma outra janela.
Ao amanhecer os ventos cessaram e o dia 25 de maio permaneceu bom até anoitecer. Enquanto isso, os times saíram para o ataque do camp 3 com ventos intermitentes e várias rajadas. Não era a condição ideal, mas era possível de prosseguir com cuidado, até que os ventos cessaram.
Por outro lado, os nossos sherpas (Satoshi e eu) decidiram regressar. Antes porém perguntei sobre a possibilidade de uma nova tentativa em uma janela posterior, visto que nem deixamos o camp 2. O meu sherpa disse que seria necessário conversar com o Sirdar para checar. Nesse momento ele não queria mais nada, mas não deixou claro para mim, como vim a constatar depois.
Enquanto isso, durante a ascensão, um dos malteses começou a desenvolver ataxia e teve que retornar, após uma injeção de dexamethazone, próximo a 8600m. Ele retornou com o Sirdar e mais um sherpa que teve um pequeno frostbite no pé, mas não precisou de amputação. Ambos conseguiram regressar sem maiores problemas.
E com a intenção de conversar com o Sirdar, comecei o regresso ao camp 1, sem meu sherpa, para tentar uma nova janela de ataque ao cume. Na verdade, pensei em prosseguir para o camp 3 no dia 25 e fazer o ataque a partir dali, agora com O2, mas já era um pouco tarde e estava em direção ao camp 1.
Chegando no camp 1, expliquei a situação ao Sirdar mas ele não concordou e disse que teria que desmobilizar toda a estrutura logo, mesmo que eu tivesse oferecido arcar com os custos. Algumas horas depois, quando meu sherpa chegou, perguntei se ele aceitaria prosseguir numa outra janela, aguardando no camp 1 e ele já declinou a minha proposta imediatamente. Com isso, estava sem opção e deixei escapar a chance do cume.
Os demais 3 malteses e Richard alcançaram o topo do Everest por volta de 11h30 (horário chinês). Retornaram ao camp 3 (8300m), por volta de 19h, e dormiram lá, sempre com O2. Na noite do dia 25 de maio começou uma nevasca que só foi parar no dia 28. Richard conseguiu descer para o ABC no dia 26/05, chegando à 1h da madrugada (horário chinês), do dia 27. Os demais malteses só conseguiram regressar ao ABC no dia 28, à noite, enfrentando muita neve e ventos no caminho. Eu e Satoshi regressamos no dia 25 mesmo ao ABC.
Certamente o opção de tentar o cume sem O2 influenciou sobre a decisão de não utilizar o camp 3. A falta de uma consciência situacional, ao verificar que os demais companheiros utilizariam o camp 3, e que a partir daí não haveria outra oportunidade para tentar o cume caso algo desse errado, como aconteceu ao começar a ventania no camp 2, também ajudou a decidir ficar no camp 2 e não usar o camp 3. Essa foi a decisão errada, pois o principal objetivo era o cume, com, ou sem O2. Não imaginei que a opção sem O2 poderia influenciar tanto as chances do cume. Acreditava que o que aconteceria seria somente um cansaço excessivo, ou alguns sintomas iniciais de HAPE, ou HACE, que me forçariam a usar o O2, durante a subida. Não imaginava tantas evoluções... E ainda tinha uma pequena esperança de que a experiência do meu sherpa pudesse auxiliar numa tomada de decisões, o que em nenhum momento foi o caso. Na verdade, ele não tinha tanta experiência no lado norte (2 summits), mas não significa que eu o subestimei, simplesmente não ajudou da maneira que esperava. E certamente a hipóxia afetou um pouco o meu julgamento, mesmo que muito pouco...
Chegamos ao basecamp no dia 27, exceto os 3 malteses, que ainda estavam presos no camp 2 devido aos ventos e a neve. E o retorno foi sob mal tempo, com bastante neve dificultando o deslocamento e ventos.
Os malteses só conseguiriam regressar ao basecamp no dia 29, todavia uma parte dos equipamentos não veio, pois os Yaks não conseguiram chegar ao ABC devido à grande quantidade de neve no caminho.
Com isso, só iniciamos o regresso para Kathmandu no dia 30. E aproveitando os nossos veículos, cedemos uma vaga para o polonês Jak Ankowski. Ele foi provavelmente a última pessoa a conseguir o cume, no dia 26, embaixo de mal tempo.
Inicialmente achou-se que ele havia falecido e inclusive foi essa informação que chegou a sua família. Todavia ele conseguiu voltar, sem o sherpa, até o ABC, no dia 28. Porém devido ao grande esforço e o término de O2 no camp 2 (esse a 7500m), durante a descida, ele teve frostbite nas mãos e pés. E o sherpa certamente faleceu, pois ele teve snow blindness e nem chegou ao cume com Jak. No regresso, Jak disse que o Sherpa pediu para ele descer na frente e ele seguiria na sequência, o que não ocorreu. Com isso, ele seguiu conosco até Kathmandu e tive a oportunidade de dividir o quarto do hotel em Zhang Mo com ele.
Jak demonstrou ser uma pessoa muito forte e visivelmente estava muito debilitado. Várias queimaduras no rosto, além de uma grande dificuldade em andar e sem poder utilizar muito bem as mãos devido ao frostbite. Realizar todo o trajeto do camp 2 até o basecamp naquelas condições é um feito para poucos. São mais de 30km em condições de frio extremo e pouco O2 (muito pouco, aproximadamente 40% do O2 do nível do mar), sem falar na falta de água e comida. Felizmente ele sobreviveu. E Greg checou também a gravidade do frostbite e disse que provavelmente não precisaria de amputação, com exceção de um, ou dois dedos da mão. Ao final, após a avaliação em Kathmandu, Jak não precisou de amputação, mas precisaria de uns 3 meses para recuperação.
Voltando para Kathmandu
O retorno à Kathmandu ocorreu sem muitos problemas. Os mesmos checkpoints de documentação dos chineses estavam presentes. Num deles, o de Nyalam, os motoristas fizeram uma parada anterior para aguardar a troca de turno, pois a fiscalização seria grande e estávamos voltando numa configuração diferente da que estava no nosso visto, pois tínhamos um visto de grupo, porém Olivier já tinha voltado e Jak estava sozinho, fora do nosso visto.
Pernoite em Zhang Mo( Tibet) e no dia seguinte prosseguimos para Karhamandu, chegando ao hotel Yak&Yeti às 16h30 (horário do Nepal).
Mais 3 dias em Kathmandu antes que o retorno ao Brasil ocorresse. Na verdade, foi necessário alterar a minha passagem.
O porquê da face norte? Talvez o principal fator tenha sido a inspiração das primeiras expedições ao Everest, em 1921, 1922 e 1924 terem sido realizadas pelo lado do Tibet, após a autorização de Dalai Lama, em 1920. E principalmente pelo fato de em 1924 Edward Norton ter atingido a incrível marca de 8570m sem O2 suplementar, feito que perduraria por quase 30 anos. Somando-se a isso, o lado norte é mais seguro, sem muitos riscos de avalanche e seracs como a Khumbu Icefall e o trecho entre o camp 3 e camp 4 do lado sul. Certamente muitos devem de concordar que o lado norte é mais exigente fisicamente, porém mais seguro com certeza. A imprevisibilidade da mãe natureza é menor.
O lado negativo é que não há a possibilidade de um resgate por helicóptero, como acontece no lado nepalês, pois ainda há alguns problemas com as autoridades chinesas para solicitar e autorizar tal apoio. Isso realmente pesa um pouco e ficou notório quando Olivier (o suíço do nosso time) teve que ser evacuado no lombo de um Yak, do IBC para o basecamp, devido a problemas de altitude (HACE).
E muitos hão de convir que o lado sul apresenta um visual muito mais surpreendente, ao realizar o trekking no vale do Khumbu. Realmente é uma região muito bonita, contrariando o lado do platô tibetano. Mas da próxima vez, talvez eu suba pelo norte e desça pelo sul... Quem sabe…
O próximo ano será especial para Makalu (8463m e quinto maior pico do mundo) e com certeza ele está nos planos, preterindo Everest. E acredito que o Manoel Morgado estará indo para lá também. Mas muita coisa pode mudar... Aguardemos a próxima temporada.
Grande abraço!
Axel |