Uma Pedra no C�u
Texto: Denio Moreira Jr - Foto: Raquel Coelho
7 de fevereiro de 2014 - 13:40
 
 
 
  • Foto: Raquel Coelho
    Uma Pedra no C�u Foto: Raquel Coelho
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    Raquel Coelho e Denio Moreira Jr." Foto: Raquel Coelho
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    Com Wally Berg que organizou toda a expedi��o. " Foto: Raquel Coelho
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    Denio recebendo a ben��o do Lama Geshe." Foto: Raquel Coelho
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    Raquel recebendo a ben��o do Lama Geshe." Foto: Raquel Coelho
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    O Lama Geshe � uma figura m�stica do budismo tibetano, reencarna��o de grandes Lamas do passado, o terceiro, abaixo de Dalai Lama, na hierarquia budista." Foto: Raquel Coelho
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    A Pedra, a nossa miss�o." Foto: Raquel Coelho
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    A caminho do acampameto base." Foto: Raquel Coelho
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    Nosso acampamento." Foto: Raquel Coelho
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    Recebendo instru��es." Foto: Raquel Coelho
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    O belo visual do Acampamento Base." Foto: Raquel Coelho
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    Raquel e Denio e o Lobuche na foto ao lado." Foto: Raquel Coelho
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    Madrugando na sa�da de ataque ao cume." Foto: Raquel Coelho
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    Miss�o cumprida, a Pedra no cume do Lobuche." Foto: Raquel Coelho
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    Raquel e Denio com a Pedra no cume do Lobuche." Foto: Raquel Coelho
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Uma Pedra no C�u Foto: Raquel Coelho

 

Há alguns anos atrás havia escalado o pico Lobuche, na cadeia do Himalaia, bem em frente ao Everest, um pico em torno de 6.200m, uma escalada mista, rocha e gelo, com cordas fixas, pico este, muito utilizado como aquecimento para escalar o próprio Everest.

Naquela escalada, tinha como companheiros George Carabetta, amigo americano de outras escaladas, Megan Carney, bicampeã mundial de ski radical, que no ano anterior havia tentado ser a primeira mulher da história a descer o Everest esquiando, e nosso climbing sherpa, Dasona, um dos super sherpas da equipe de Wally Berg, quem organizou a escalada.

Foi uma aventura incrível, marcada em minha memória pela primeira vez que me deparei com uma tempestade de raios no cume de uma montanha, uma experiência aterradora.
Sim, porque a gente está alto na montanha usando crampons, que são garras de ferro com pontas afiadas encaixadas nas botas, para fixar no gelo, e ainda com picaretas de gelo de ferro, nas mãos, ou seja éramos todos verdadeiros para-raios ambulantes. Sustos a parte, deu tudo certo!

Agora, anos depois, tendo minha esposa Raquel como companheira, resolvi escalar novamente o Lobuche. Mais uma vez, Wally Berg organizou tudo, e conseguiu trazer o Dasona, a tempo de ser meu climbing sherpa, e designou Mingma, um jovem sherpa de voz de tenor, para ser o climbing sherpa da Raquel.

O Dasona, desceu de helicóptero direto do Shispagnama (Tibet), para integrar nosso grupo, vindo de onde acabava de trabalhar numa bem sucedida expedição para escalar um dos 14 cumes acima de 8.000m.

Veja bem que luxo, nossa pequena expedição contava nada mais nada menos do que uma equipe com a experiência de 16 cumes de Everest: Dasona 10, Ming 2 e o Wally 4!

O plano era o seguinte, íamos fazer nossa aclimatação junto com um grupo de trekking do Wally ao
campo base do Everest, e depois a gente ia separar do grupo, para fazer a aproximação e atacar o cume do Lobuche.

Então aconteceu uma história curiosa que quero compartilhar.

É muito comum que as expedições aos vários cumes que rodeiam a região do Everest, conhecida como região de Kumbu, sejam antecedidas por uma visita ao Lama Geshe, o líder espiritual da região para a sua benção.

O Lama Geshe é uma figura mística do budismo tibetano, reencarnação de grandes Lamas do passado, o terceiro, abaixo de Dalai Lama, na hierarquia budista, sendo muito conhecido e extremamente respeitado por toda a comunidade local, e por alpinistas do mundo todo.

Ele teve um grande derrame cerebral há poucos anos atrás, e entrou num estado quase irreversível, quando foi levado para Nova York, mediante contribuições de alpinistas do mundo todo, onde seu filho que é médico nos EUA, reside e milagrosamente recuperou-se e voltou para seu pequeno monastério no Himalaia, onde continua firme como um coco!

O Wally ajustou para que ele nos recebesse, para abençoar nossa escalada, e lá fomos nós, com o Sidar do Wally, Temba, traduzindo para nós as palavras do Lama.

Ele contou histórias de suas conversas com o Dalai Lama acerca dos tempos imemoriais de quando o Himalaia era fundo do mar, e quando um terremoto com o choque das placas tectônicas fez surgir a montanha mais alta da terra - Chomolumgma - a Deusa Mãe, como é conhecido o Everest na linguagem local.

A benção termina com um ritual de mãos dadas com ele, um a um, quando ele dá uma batida de cabeça com cabeça, um toque surdo de crânios.

O ambiente onde nos encontrávamos era totalmente místico, e o Lama falando com sua voz rouca e grave, quando para minha surpresa ele me chama, e fala: "Você que vai ao cume do Lobuche, tenho uma missão para você."

Eu gelei - como assim?

O Temba traduzindo as palavras do Lama Ghesh explicou que ele contava que os antigos fizeram o que tinha que ser feito, esculpiram pedras com orações e as espalharam por todo o Kumbu, mas que hoje, os jovens não fazem isso mais e o Lama queria que eu levasse para ele uma pedra, com inscrições de orações, e a depositasse no cume do Lobuche.

O Lama saiu da sua sala de audiência, foi lá dentro e voltou com a pedra nas mãos, me entregou, e nós dois com ambas as mãos dadas, selamos a missão com o "tuc" seco do encontro de nossos crânios.

Sai de lá bem assustado, e todo mundo ficou meio surpreso com o ocorrido.

Pois bem, pus a pedra em um bolso interno do meu casaco e partimos rumo ao Lobuche.

O Wally Berg, inesperadamente deixou o grupo dele de trekking aos cuidados do seu sidar Temba e foi conosco, eu, Raquel, e nossos climbing sherpas, rumo ao campo base do Lobuche. Isto não estava combinado, e achamos incrível, ter o Wally, pessoalmente, liderando o grupo.

A seguir, subimos para o campo base avançado, onde vivemos a tensão da noite anterior à escalada, íamos partir às 2h da manhã. Eu lá, insone, de cabeça quente com a responsabilidade de chegar até o cume, com a pedra do Lama no bolso...

Ás duas da manhã eu e a Raquel estávamos prontos no frio e no escuro, ao lado da barraca do Wally, que tinha tossido a noite toda, sofria com a danada da "Kumbu cough", uma tosse que chega a quebrar costelas de uma pessoa.

De repente, ouvimos a voz do Wally - no seu tom de líder, voz com tibre de locutor: - "Denio, Raquel, are you ready?"

Yes! respondemos em coro e ele tirou a cabeça para fora da barraca e disse junto com o brilho do flash de sua câmara : "quero uma foto de vocês pois vou acompanhar pelo rádio, boa sorte!

Partimos, no escuro, algumas horas depois, conectamos as cordas, eu com Dasona e Raquel com o Mingma, e escalamos a sessão de rochas, a seguir, quando o dia amanheceu, já estávamos no gelo, onde nos clipamos às cordas fixas.

Horas mais, e finalmente o cume! Sensacional, o Everest bem em frente, o céu de um azul quase negro, por causa da altitude e eu e a Raquel super emocionados.

Concentrado, tirei do casaco a pedra do Lama Geshi, a amarrei em bandeiras de oração e solenemente a depositei no cume do Lobuche.

Chamamos o Wally pelo rádio, comunicamos estar no cume, e ouvimos em resposta o tradicional: "Good Job, Guys!" e iniciamos a descida, alegres, cansados, mas muito felizes e eu muito aliviado de ter cumprido a missão do Lama Geshe.

Então falei com o Dasona, "Bem, Dasona, cumpri a missão do Lama Ghese!" ao que ele respondeu : "Muito bom, porque senão você ia ter que voltar, até cumprir" - Eu falei, "Ah Dasona, ia ser fogo, porque tenho outras montanhas que quero ir.", ao que ele respondeu, "Você não entendeu bem: você ia reencarnar tantas vidas quantas necessárias, até você cumprir a missão que o Lama te deu..."
É... eu pensei: o buraco era mais embaixo!!!!