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Verdadeiro caminho espiritual? Sadhu ou não sadhu?
Fotos: Manoel Morgado |
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Foto 1 - O céu do Khumbu
Foto 2 - Cenas da trilha
Foto 3 - Festival em Temboche
Foto 4 - Criança sherpa
Fotos: Manoel Morgado
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Depois da nevasca
Fotos: Manoel Morgado |
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Everest no por do sol
Fotos: Manoel Morgado |
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Inicio de mais um trek ao campo base e eu mesmo me surpreendo com a felicidade que sinto cada vez que chego aqui. Seria de se esperar que após 20 anos trilhando esses mesmos caminhos meu entusiasmo por este lugar diminuísse. Mas, o contrário acontece. A cada vez mais apaixonado eu fico por aqui.
Olho nos rostos sorridentes das pessoas que encontro na trilha e leio bondade nos seus sorrisos. Uma bondade não corrompida pelo interesse ou egoísmo tão comum em outros lugares. Paro para conversar com um menino de 13 anos e ele me diz em nepalês que esta indo para Namche Bazaar e que demorará 5 horas para chegar lá. Para nós serão dois dias de caminhada. Ele se deslumbra com o fato de eu poder falar sua língua e com o tamanho de minha mochila. Já estou em pleno treinamento para a escalada do Everest dentro de 4 meses e carrego 35 quilos, mais do que a carga normal de um carregador local. Após alguns minutos de conversa ele me oferece uma tangerina e vai embora com um sorriso nos lábios. Ele não queria nada de mim, apenas conversar. E eu recebi essa fruta como um presente especial e continuo meu caminho leve, com a mochila sem pesar em minhas costas.
Adoro este primeiro dia de trekking por ler a alegria de meus clientes ao começar a descobrir este paraíso chamado Khumbu.
Fazemos a longa subida ao monastério de Temboche e na subida ficamos sabendo que hoje terá um importante festival no monastério. Os festivais budistas não acontecem em datas fixas, variam de ano para ano e ainda assim dependem de dias auspiciosos, de modo que é praticamente impossível saber com antecedência quando eles ocorrerão. Este então é ainda mais imprevisível já que acontece muito raramente, com muitos anos se passando entre um e outro. Estamos com sorte. Alias, não só por isso. Ontem vimos um numero muito grande dos lindos danphes, o faisão real que é o pássaro nacional do Nepal. Hoje vimos um veado almiscareiro, outro animal tão tímido que não raramente vemos nos trekkings.
Chegamos ao monastério e um grande número de sherpas e sherpanis já está nas escadarias do monastério vestidos em seus melhores trajes, as mulheres com seus vestidos longos e o tradicional avental colorido e vários dos homens com suas chumbas, o traje tradicional tibetano, hoje usado apenas em ocasiões especiais. Muitos deles também usam seus chapéus parecidos com cowboys. O clima é de festa com as crianças correndo ao redor e as mulheres socializando, revendo familiares e amigos de outros vilarejos. Sentamos-nos todos nos tapetes que foram colocados no chão frio no espaço aberto que tem em frente à gompa. Dois monges tocam as enormes trombetas de 3 metros de comprimento que anunciam que a cerimônia está para se iniciar. O clima entre todos os presentes é de grande excitação. São ao redor de 200 pessoas sendo que não mais do que 10 estrangeiros. Sentimos-nos em um artigo da National Geografic. Com grande pompa entram 4 monges com seus chapéus amarelos sinalizando que pertencem à seita Gelupka do budismo tibetano seguidos do Lama principal do monastério mais importante do Khumbu. Ele se senta em um pequeno trono e outro monge chama várias pessoas da comunidade para receberem uma kata, um lenço de seda amarela que é colocado em seus pescoços. Depois disso, o Lama inicia um longo sermão em sherpa que obviamente não entendemos. Por uma hora observamos os rostos das pessoas presentes, suas expressões marcadas pelo clima severo, as bochechas vermelhas, as muitas rugas, as faces denotando devoção. Quando saímos da cerimônia sabemos que assistimos algo muito especial da qual não nos esqueceremos.
Acordamos com tudo ao nosso redor intocado, as árvores brancas e os yaks placidamente deitados com seu enorme pelo nevado. O mundo como se fosse recriado para nós. Caminhamos pela camada de neve ouvindo o suave e delicioso barulho crocante sob nossas botas. Junto com a nevasca veio um enorme frio. O tempo nos últimos dias estava feio, grossas nuvens cobrindo as montanhas e eu estava torcendo para o clima virar, esfriar, nevar. No Khumbu, nos meses de trekking, quando tem nevascas elas duram algumas horas e depois disso vem céu azul.
Caminhamos todo o dia com alguns flocos caindo e uma grossa neblina cobrindo tudo. Por vezes vemos a ponta do Ama Dablan flutuando a uma altura impossível, outras vezes não temos mais do que alguns metros de visibilidade. Chegamos a Dimboche com um vento gelado, mas para nossa felicidade em breve o céu começa a abrir e em breve temos um maravilhoso por do sol com a imensa parede sul do Lhotse vermelha. Um dia de extremos de clima, mas com um só sentimento, de gratidão por estar aqui.
Após dez dias de caminhada estou novamente subindo o Kala Patar para o por do sol com o Everest em minha frente cada vez mais impossivelmente alto a cada passo que dou. Essa e minha quadragésima terceira vez com grupos aqui e como sempre me deslumbro com o que vejo. O frio de fim de novembro entra por entre as muitas camadas de roupas que usamos, mas mesmo assim resistimos e ficamos um pouco mais. O sol já se pos, o Everest já se tornou uma chama vermelha e já se apagou. Aos poucos as estrelas começam a pontilhar o céu que aqui com já meia atmosfera abaixo de nós é de uma transparência impressionante. Finalmente descemos rumo ao calor de nosso lodge. Mesmo assim damos passos reticentes. Tudo é tão mágico, tão silencioso, tão esplendoroso que é difícil descer.
Ao caminhar no dia seguinte ao campo base do Everest penso que esta é a última vez que faço esta trilha difícil e acidentada antes de vir para escalar a montanha mais alta do mundo. Dentro de 120 dias estarei o que será sem dúvida a mais excitante, perigosa e importante jornada da minha vida. Ah, tantos anos sonhando com este dia. Agora, já com a experiência do Cho Oyu vejo com mais realidade o que me espera e sei que não será fácil, mas se o conjunto de coisas que aconteceu no Cho Oyu se repetirem, será novamente uma experiência fascinante.
Ao acabar o trekking tenho 100 dias a minha disposição para fazer o que quiser. Deste tempo apenas os primeiros dias estão decididos. Vou ao Brasil rever a família e amigos, matar as saudades das inúmeras comidas deliciosas que São Paulo oferece e divulgar minhas viagens. Depois disso ainda não sei com certeza absoluta o que farei. Tenho muita vontade de visitar o Saverio e a Sally no Hawaii, de passar mais alguns dias tendo cursos com minha mestra Tenzin na Nova Zelândia e aproveitar para fazer muitos dos lindos trekkings deste maravilhoso país e quem sabe escalar o Mount Cook e o Aspiring, ambos na Ilha do Sul. Mas, mil outras opções também são possíveis. Fazer o trekking do Rio Zanskar congelado. Ir pedalar no Norte da África com o Luis Simões, escalar o Mount Vinson na Antártida. Ah, tantas opções maravilhosas. A vida é boa! |