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Monte Roraima - 1° dia - Caminho ao Rio Ték.
Foto: André Dib |
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Foto 1 - Cume - Abaixo o lado brasileiro.
Foto 2 - Matawy.
Foto 3 - 7° dia.
Foto 4 - Gran Sabana - Cachoeira Água Fria - Silício vulcânico
Fotos: André Dib |
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Monte Roraima - Cume - Abaixo o lado brasileiro.
Foto: André Dib |
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Foto 1 - Cume.
Foto 2 - A caminho da Proa.
Foto 3 - Cume.
Foto 4 - Vista Geral.
Fotos: André Dib |
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Foto 1 - Kukenan ao fundo.
Foto 2 - Jakuzzi.
Foto 3 - Hotel Coati.
Foto 4 - Cume.
Fotos: André Dib |
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Foto 1 - Cidade de Boa Vista /RR - As margens do Rio Branco.
Foto 2 - Sapinho do Monte Roraima.
Foto 3 - Epidendrum Secundrum.
Foto 4 - 1° noite - Rio Ték.
Fotos: André Dib |
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O jipe avança pelo sinuoso caminho, cortando a Gran Sabana venezuelana. Os olhos alcançam as pequenas malocas cobertas de sapé. Então a planície se eleva abruptamente e, no horizonte, os tepuis se expõem, soberanos, determinando a paisagem. Nosso destino é o Monte Roraima. Para os indígenas, tepui significa grande montanha, e roraima quer dizer pedra ou serra verde azulada. Vamos em direção à ‘grande montanha da serra verde azulada’ e a primeira parada é na aldeia Paraytepui.
Teodoro Perez, índio de etnia pemon, despede-se dos quatro filhos, atando cerca de 20 kg de mantimentos no seu guayare, espécie de cesta usada como mochila. Ele é carregador há 15 anos e junto com o guia venezuelano Léo Tarola prepara-se para subir com nosso grupo. Sob o céu azul, a brisa fresca atenua o calor e marca o início da jornada. Pegamos a trilha e seguimos nosso caminho marcado pela vegetação baixa da Gran Sabana, bioma semelhante ao Cerrado do Centro-Oeste brasileiro com sua vegetação rasteira, pincelada pela cor negra do capim chamuscado. Aqui, as queimadas provocadas pelo pemons também são constantes e ajudam a empobrecer o solo.
Diante de nós, perenes e majestosos, estão dois grandes tepuis com seus topos aplainados em forma de platô, duas muralhas de pedra gigantes, rompendo as nuvens em direção ao céu. “São montanhas gêmeas! O Monte Roraima é o pólo positivo e o Kukenán, o negativo”, aponta Teodoro, mencionando uma expedição ao Kukenán em que os indígenas, sentindo a energia local, abandonaram a empreitada e deixaram os exploradores repentinamente. Perdidos naquela montanha maligna, nunca mais foram encontrados.
Acampamos às margens do rio Tek (pedra, na língua nativa). Aproveitamos para tomar banho nas piscinas formadas nos remansos do longo curso pedregoso do riacho, após o primeiro trecho de 3 horas de caminhada tranqüila. Acordamos sob um céu limpo e animador. A visão dos montes sem a espessa névoa que os envolvia no dia anterior é um bom presságio. Retomamos a jornada, ansiosos por alcançar nosso destino. O segundo dia de caminhada começa após a travessia do rio Kukenán (água suja, em taurepan). É uma ladeira interminável, que aos poucos vai se acentuando. A extensão a percorrer é menor, mas a subida dura é o único caminho a seguir.
Alcançamos o sopé do Monte Roraima ao entardecer. Já sem as pesadas botas, procuramos um local para o banho. A noite chega, envolvida num agradável bate papo. Com o olhar tímido, Teodoro aquece a água para o chá, enquanto nos explica a cosmogonia pemon e a sua versão sobre a origem desse tepui. De acordo com a lenda, as terras indígenas eram férteis, a caça abundante, e no lugar do Roraima havia uma grande árvore mitológica, projetando-se em direção ao céu para além dos olhos humanos, carregada de muitos frutos.
Contrariando a vontade dos deuses, que haviam orientado os pajés a não tocarem naquela planta sagrada, os ancestrais dos pemons tentaram cortar a árvore para colher tais frutos. A árvore partiu-se em duas, derrubando os frutos em florestas inacessíveis. Do tronco cortado jorrou tanta água que alagou os campos, carregando todos os nutrientes da terra e espantando os animais. Desde então os pemons foram obrigados a viver nas terras estéreis da savana venezuelana. O toco da árvore cortada permaneceu ali, em forma de montanha, para lembrar aos indígenas essa experiência do passado. E até hoje, segundo dizem, trovões e relâmpagos simbolizam a fúria da natureza pela violação cometida pelos ancestrais.
Ao amanhecer do terceiro dia, rumamos para o último trecho da subida ao platô: a rampa do Roraima, como é conhecida. É um aclive no sentido real da palavra, projetando-se sobre o flanco da escarpada parede alaranjada. Trata-se da única via para o cume, um degrau formado pelo desmoronamento das camadas mais superficiais de arenito, compondo uma grande escada de pedras soltas. A alternativa foi descoberta pelo botânico inglês Everard Im Thurn, consagrado como o primeiro a pisar no topo, em 1884, após muitas tentativas ao redor do tepui (o primeiro europeu a chegar à base foi Sir Walter Raleigh, em 1595). Os relatos de Im Thurn inspiraram o escritor Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, a escrever O Mundo Perdido.
Vencemos o desnível de mil metros em cerca de 4 horas. Chegamos ao cume sob uma fina chuva, simulando um clima sombrio e ameaçador. Envolto naquela atmosfera brumosa, o topo da montanha nos recebe misterioso, suscitando sensações contraditórias e estimulando a imaginação diante de ‘gigantes de pedra’ que se espicham até as nuvens. Como sentinelas metamórficos, aqueles mesmos rochedos testemunharam o Período Jurássico e assistiram ao lento afastamento da América do Sul em relação à África, após a cisão do antigo super continente denominado Gondwana. O Monte Roraima, da base ao topo é composto por arenitos com mais de 2 bilhões de anos, sendo considerado, por muitos estudiosos, uma das formações mais antigas da crosta terrestre. O primitivo tepui sob nossos pés nos levava, definitivamente, a outra dimensão.
Caminhamos por entre labirintos de rochas negras, pinceladas por nuvens espessas e lívidas, até um abrigo de pedra chamado pelos índios de ‘hotel’. As plantas formam pequenos jardins, agarrados ao substrato pobre e ralo na superfície das rochas. São populações únicas de plantas carnívoras, orquídeas e bromélias, muitas delas exclusivas daquele ambiente. Deixamos as mochilas no acampamento e vamos para a pedra Maveric, uma curiosa formação emergindo do platô, que marca o ponto culminante da montanha a 2.734 metros. Permanecemos assim por algum tempo, no teto daquele mundo perdido, olhando as nuvens do alto e invejando o vôo das águias...
Dormimos lá em cima e, recompostos pelo sono, partimos cedo por uma trilha pedregosa e escorregadia, mais uma vez envoltos pela névoa persistente. Seguimos em direção ao ponto tríplice, o marco que estabelece as divisas entre Brasil, Venezuela e Guiana. Andamos beirando encostas verticais, com abismos de 600 metros, sem qualquer noção de perspectiva. Então, num movimento repentino, a ‘cortina’ espessa e cinzenta se abre. A paisagem desnuda nos oferece a imensidão da Gran Sabana, lá embaixo, unindo de maneira harmônica o céu e a terra. O tepui gêmeo, Kukenán, trespassa as nuvens, mostrando-se resoluto. Os nativos o chamam de Matawí, cujo significado é “Um bom lugar para morrer”. Segundo Léo Tarola, nosso guia: “Quem sofria grandes derrotas, em suas brigas territoriais ou desilusões amorosas, precipitava-se em busca de serenidade”.
Passamos por El Fosso, enigmática depressão sobre o platô, com um grande e profundo poço embutido. Transpomos a tríplice fronteira e enveredamos por um caminho gasto e quase invisível, rumo ao inexplorado. Pisamos em terreno pouco percorrido, já que a maioria das pessoas volta a partir do marco. A vegetação se adensa, entramos em terreno quase secreto e, já no lado brasileiro, chegamos ao ‘hotel’ Coati, uma gruta onde fixamos acampamento. É uma caverna singular, esculpida pela água e pelo vento, que foram sulcando pacientemente as paredes e compondo formas diversas na rocha friável.
Chegara, enfim, o dia de atingir o outro extremo do Monte Roraima e objetivo final da viagem: a chamada Proa Norte. Em sua arquitetura excêntrica, forjada por milhões de anos, o tepui termina, ao Norte, com uma incrível saliência pontiaguda, semelhante à proa de um barco, de onde vem o nome. Com uma seqüência impressionante de grandes rochas e algumas gretas profundas, essa face é quase inacessível. Mesmo depois de conquistado o caminho ao topo, ainda levou quase um século para exploradores e aventureiros atingirem tal ponto. A façanha foi realizada em 1973 por uma equipe de alpinistas britânicos, liderados por Joe Brown.
Seguimos costurando o labirinto negro, até uma grande campina alagadiça de vegetação baixa, ornamentada por rubras e endêmicas plantas arbustivas (Bonettia Roraimae). Logo após percorremos um vasto jardim lamacento até atingir uma grande laje de pedra, onde fica a plácida nascente do rio Cotinga. Daquela altura – mais de 500 metros do degrau mais próximo – as águas se precipitam montanha abaixo, ganhando pequenos afluentes e encorpando-se na selva, lá embaixo, até se unir ao rio Branco e ajudar a compor a grande bacia do Amazonas. Cá em cima, enquanto prosseguimos, assistimos à abrupta transformação da paisagem: o jardim jurássico de bromélias e raízes dá lugar à rocha pura, abrasiva e firme. Atingimos o lendário Lago Gladys, batizado em homenagem à ficção de Conan Doyle. Alguns nativos dizem que o lago simplesmente não existe, e outros se recusam a alcançá-lo, afirmando ser um trecho suicida.
Aproveitamos o sol alto e a rara ausência de nevoeiros para insistir no percurso rochoso, cujo traçado é difícil de reconhecer pela falta dos totens – marcos de pedra empulhados por outros exploradores para apontar o caminho – ou de qualquer rastro ou vestígio de pessoas, sinalizando a direção. Atravessamos algumas fendas e chegamos a uma grande fissura. Ali o abismo aparta a Proa Norte do resto da montanha, um obstáculo respeitável, que manteve o extremo do Roraima intocado através dos tempos. Montamos o primeiro lance de rapel e descemos, um a um, até o fundo atulhado de rochedos laminosos entremeados por uma densa vegetação cortante.
Marcelo Rocha, integrante do grupo, sobe auxiliado pelo guia Léo. Escala uma grande parede lisa e inconstante, fixando as costuras – objetos metálicos de escalada em rocha – e garantindo segurança para todos. Subimos a face instável com apoio de cordas e sustentados pelos mosquetões, minúsculo amparo face ao abismo colossal. Transpomos a grande greta e seguimos ansiosos até o destino almejado, e finalmente conquistado. Um silêncio toma conta do grupo. A viagem se interioriza. O olhar flutua por sobre a neblina, novamente presente. A paisagem se dissolve, dá lugar às nuvens. Emergem questões filosóficas: por que o ser humano é tomado pela inquietude, por essa ânsia de buscar o encanto no desconhecido?
A única certeza é fazermos parte de um todo muito maior, que nunca vamos compreender e que muitas vezes tornará a nos afastar da rotina e da vida cotidiana...
Objetivo cumprido, seria o fim não fosse, é claro, o caminho de volta. Depois de alguns dias expostos às agruras da montanha, temos agora a decida diante de nós. Levamos três dias para desfazer o percurso feito em cinco, na subida. Chegamos a Paraytepui, o ponto inicial de nossa caminhada, numa tarde ensolarada, doidos por um bom banho quente e curtindo o sabor da conquista.
Na aldeia, as malocas indígenas aos poucos cedem espaço a casinhas de paredes brancas cobertas com folhas de zinco. Elas sinalizam mudanças, com seu estéril reboco caiado, suprimindo séculos de tradição em troca de um precário conceito de progresso. “Estamos perdendo nossa cultura”, refuta nosso audaz condutor. E explica que hoje em dia os mais novos não procuram mais os xamãs (líderes espirituais). Com o rosto expressivo e rosado queimado pelo sol, Teodoro complementa: “Mas todos nós sabemos que o Monte Roraima é a morada do deus Macunaíma”.
Apesar dos sinais de modernidade, os mitos ainda ecoam nos vales que entremeiam os tepuis, seja nas lendas vividas pelos pemons, seja na experiência dos homens que sem motivo aparente buscam o alto de uma montanha. Todo o ritual de preparação, o ato da subida e a busca pela imensidão nesse imenso monólito pré-cambiano nos revelam um encontro com o próprio ser e com a origem da vida. Somente por essa sensação de conquista? Ou pela transcendência?
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