REVISTA TERRA
 
Deixamos para lá a clássica trilha inca e encaramos um trekking mais longo, mais alto, mais difícil
e mais bonito para chegar à cidade sagrada de Machu Picchu. No meio do caminho, uma passagem
a 4.700 metros pela montanha "que não tem controle sobre si"
 
 
Publicado em 05/01/2009 - 09h42 - Por Henrique Skujis, de Huayraqumachay
 
 
  Salcantay, a trilha inca radical
Foto: Peetssa
   
 
  Depois de seis dias de caminhada perto do céu, a chegada a Machu Picchu
Foto: Peetssa
   
 
  O guia Juan Carlos e o xamã Machacca Pacsj: profecias sombrias
Foto: Peetssa
   
 
  Rumo ao topo da trilha, sem pressa, para suportar o ar rarefeito
Foto: Peetssa
   
 
  Cajados de madeira ou de alumínio: para proteger o joelho
Foto: Peetssa
   
 
  O lodge de Soraypampa: água quente, quarto aquecido e comida de primeira
Foto: Peetssa
   
 
  Trabalho em família em uma tarde como qualquer outra em Siaulay, a 3 mil metros de altitude. A maior parte do povo planta apenas para comer
Foto: Peetssa
   
 
  Ao longo da trilha, encontros casuais com o povo andino
Foto: Peetssa
   
 
  Logo no segundo dia, uma das imagens mais belas do trekking
Foto: Peetssa
   
 
  No penúltimo dia da trilha, encontro com o gelado Rio Santa Tereza
Foto: Peetssa
   
 
  Sente-se em um gramado de Machu Picchu e imagine que na cidade sagrada dos incas viveram mais de mil pessoas em seus 100 edifícios
Foto: Peetssa
   
 
 
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Pôr-do-sol gelado em Soraypampa. Num inesperado ritual para pedir proteção aos espíritos das montanhas, o xamã Machacca Pacsj solta na lata que um de nós vai adoecer. Olhei espantado e meio incrédulo para o guia Juan Carlos. Havíamos encontrado o sacerdote quíchua por acaso no meio do caminho do primeiro dia de trekking e apenas solicitado um passe perante os apus, os já citados espíritos das montanhas. "Vai adoecer gravemente", disparou sem dó o xamã. Ele tirava a sombria previsão após chacoalhar e espalhar pela grama úmida um punhado de folhas de coca. O vento soprava forte naquele fim de tarde. À nossa frente, o temido Salcantay, o pico mais alto da Cordilheira Vilcabamba, derradeiro reduto inca a ser conquistado pelos invasores espanhóis. No início de uma travessia de cinco dias pelos Andes peruanos, ninguém quer ouvir notícia de doença. É preciso estar com a saúde em dia para encarar os 50 quilômetros de trilhas íngremes e penosas - muitos deles acima dos 4 mil metros de altitude. Machacca jogava as folhas e deixava escapar as mais diversas profecias, nem todas agourentas, é verdade. Disse que o tempo continuaria bom nos próximos dias, por exemplo, e previu que Juan Carlos seria pai de uma menina. Mas então o velho feiticeiro pinçou outro bocado de folhas, cerrou levemente os olhos e emendou: "Não será nenhum de vocês. Mas, cuidado, uma pessoa do grupo vai ficar muito doente".

Em silêncio, seguimos para o lodge onde passaríamos a primeira noite da viagem. Dor de cabeça, perda de apetite, enjôo e insônia, eu sabia, são efeitos comuns acima dos 3 mil metros. Eu estava preparado para enfrentar esses desconfortos. Mas a intensidade da profecia do xamã naquele vale tomado pelo lusco-fusco, não nego, causou certo arrepio na minha espinha. Para chegar até ali havíamos tomado um ônibus em Cusco até o minúsculo vilarejo de Mollepata, de onde seguimos a pé, com as mochilas nas costas. Seria assim, gastando a sola da bota, que deveríamos chegar a Machu Picchu. Ao contrário do batido cartão-postal vislumbrado por quem chega à cidade sagrada pela Trilha Inca Clássica, avistaríamos o mais importante sítio arqueológico da América do Sul por uma espécie de porta dos fundos - uma paisagem tão linda quanto diferente. Nesse confronto imaginário entre o Caminho de Salcantay e a via clássica, saiba que o primeiro é mais longo e atinge maiores altitudes. Talvez por isso, ainda passe longe dos dias de pop star vividos pela cultuada e célebre rota. Sem regras rígidas e sem turbas de turistas, você pode entrar sem bater e acampar onde bem entender.

Durante o jantar, ainda um pouco assustado com as previsões do xamã, voltei ao assunto com Juan Carlos. No começo, ele desconversou. Aos poucos, abriu o jogo. "A Salcantay é uma montanha amaldiçoada", murmurou, como se contasse um segredo. "Para os xamãs, ela carrega energia negativa e não tem controle sobre si quando está nervosa", completou. Diante da minha reação - um misto de perplexidade com descrença -, o guia deu-se ao trabalho de ir até a cozinha do lodge e chamar Rudt Espinoza. "Conte a ele a história do Flavio", pediu. Contrariada, a garçonete relatou com detalhes que Flavio foi capturado pela montanha em uma noite do inverno de 1994. "Um espírito de cabelos longos, barbas brancas e roupas iguais às usadas pelos incas pegou ele. Não é lenda. É verdade. Eu conhecia o Flavio e conheço a Maribel, irmã dele, que conseguiu escapar", contou, sem abrir espaço para contestação.

Como previra o xamã, o dia amanheceu com céu azul e o pico nevado do Salcantay dourado pelo sol. Antes da travessia para o lado de lá da montanha, Juan Carlos resolveu levar nosso grupo, formado por oito norte-americanos e um indiano, para uma jornada de aclimatação ao Lago Soray. Durante o café da manhã, o guia me confidenciou que pretendia aproveitar a esticada dos 3.500 aos 3.950 metros de altura para sondar a saúde dos viajantes antes de cruzar o Paso de Salcantay, a 4.700 metros, prevista para o dia seguinte. "Henrique, quero saber se precisamos nos preocupar com as previsões do xamã", disse Juan Carlos. A estratégia fazia sentido. Naquela manhã, dois viajantes haviam se apresentado como candidatos a protagonistas das profecias de Machacca. Catherine e Sharon, operadoras do mercado financeiro em Nova York que já haviam feito vários trekkings no Tibet, sucumbiram ao ar rarefeito dos Andes peruanos. Sugadas pela cama, desistiram do segundo dia de caminhada.

Luxo nas alturas

Para fazer esta reportagem, deixamos a barraca no Brasil e nos hospedamos em quatro lodges construídos em pontos estratégicos ao longo do percurso entre Mollepata e Machu Picchu. São aconchegantes suítes com calefação, banho quente, serviço de primeira, jacuzzi a céu aberto e uma comida de lamber os beiços. No primeiro jantar, don Augusto, o chef que nos acompanharia até a última ceia, preparou de entrada uma salada de quinua (grão saboreado pela população andina há mais de meio milênio e considerado pela ONU como o alimento mais nutritivo do planeta) e o tradicional lomo saltado. Por mais interessantes que sejam as noites de sono em uma barraca, convenhamos que encontrar um lodge com jeito de hotel cinco-estrelas a cada fim de dia no meio dos Andes não tem preço. Na verdade, tem: pagam-se 2.500 dólares pelo pacote com os traslados desde Cusco, seis noites de hospedagem, pensão completa (com opção para vegetarianos), carregadores de mochilas, cavalos de apoio, além de mimos como bolsa de água quente para aquecer a cama e cuidados mais importantes, como cilindro de oxigênio 24 horas por dia. Até bebidas energéticas estão incluídas. Se para você tudo isso não faz a menor diferença, saiba que com 200 dólares dá para fazer quase a mesma viagem com uma agência escolhida nos arredores da Plaza de Armas, em Cusco. Por esse valor, prepare-se para carregar a mochila, montar a barraca e se alimentar à base de sopa e macarrão. Enfim, uma questão de estilo - e, claro, de bolso.

Tête-à-tête com a montanha

A caminhada começa com vento no rosto e sobre um terreno forrado de pedra. A proximidade da trilha com as paredes nevadas do Humantay (5.917metros) e do Salcantay (6.271 metros), duas das maiores montanhas da área, faz os viajantes insistirem em olhar para cima e não prestarem a devida atenção por onde andam. Quando a inclinação do terreno aumenta, o nova-iorquino Jonathan, esgotado, rende-se ao apoio do lombo do cavalo, animal levado justamente para servir como maca para os baleados pela altitude. Mesmo os mais inteiros, no entanto, param e colocam a mão na cintura em busca de ar para os pulmões e de trégua para os músculos das pernas. Três horas depois, um espelho de água meio azul, meio verde surge diante dos olhos. Como cenário de fundo, o imponente Humantay. Encontre fôlego para dar a volta no lago e se acerque da parte onde bóiam grandes pedaços de gelo desprendidos da montanha. O tête-à-tête com os imponentes picos nevados é a carta na manga que o Caminho de Salkantay tem para vencer o embate com a Trilha Inca. Esta, por ter sido o trajeto utilizado pelo rei, contra-ataca com maior número de sítios arqueológicos.

Duas voltas e meia na Terra

Vale dizer que, juntas, as duas somam pouco mais de 100 quilômetros de extensão, número irrisório perto dos 33 mil quilômetros de estradas (sagradas ou não) construídos pelos incas. As vias, cuja extensão seria suficiente para dar duas voltas e meia na Terra, interligava todos os cantos do império, que chegou a se estender do Equador à Bolívia. Conta a história oral (os incas não desenvolveram a escrita) que o rei, sentado em seu trono nas montanhas de Cusco, poderia comer peixe fresco, tamanha a agilidade dos mensageiros espalhados pelo império.
Números e comparações à parte, Jonathan está mal. Respira com dificuldade. Vomita. Deita nas pedras. Toma água. Vomita mais. Com a previsão do xamã a reverberar no cérebro, o experiente Juan Carlos apressa o ritmo para retornar o quanto antes ao lodge em Soraypampa.

Recuperadas, Catherine e Sharon acordaram cheias de saúde no dia seguinte. Jonathan nem tanto. Patrick, californiano radicado em Nova York, também despertou com o intestino mais pra lá do que pra cá. Parven, indiano criado no Quênia e morador de Chicago, estava forte apesar dos 61 anos de idade. Assim como sua filha, Megan, de 22. O terceiro dia é o último para possíveis desistências. Nessa manhã, o guia tem farol verde para barrar o viajante, mesmo depois dos 2.500 dólares já pagos. "A única vez que vetamos alguém foi quando apareceram duas senhoras com mais de 120 quilos", lembra Enrique Umbert Olazabal, proprietário do Mountain Lodges of Peru, empresa responsável pela construção dos alojamentos ao longo do caminho. "Na verdade, elas tiveram o bom senso de desistir antes que a gente pedisse."

Feitas as perguntas e verificações de praxe, Juan Carlos liberou a equipe inteira para o ataque ao Paso de Salcantay. Logo nos primeiros quilômetros encontramos Juan, que vive em uma pequena casa de madeira, de onde controla o entra-e-sai de turistas na montanha. Ele calcula uma média de 70 viajantes por dia nos meses de movimento (de maio a outubro), bem menos que os 500 turistas aceitos diariamente na Trilha Inca.

O dia mais penoso é também o mais bonito. A trilha segue meio espremida entre o Humantay e o Salcantay. A notícia ruim é que a impressionante visão corre o risco de sumir do mapa. O derretimento da neve nos paredões, dizem os locais, é perceptível a cada ano. Em nossa subida, demos de cara com uma avalanche - pequena, mas espalhafatosa o suficiente para merecer foto e deixar dúvida se a neve veio abaixo por conta do famigerado aquecimento global ou se não passou de uma comum acomodação das massas geladas. O deslizamento parece ter atiçado um casal de condores. Os imponentes pássaros, considerados pelos incas como mensageiros dos apus, passaram a planar lá no alto ao sabor das térmicas. O vigor das aves de quase 3 metros de envergadura serve de desculpa para uma pausa. Juan Carlos pede que todos bebam água (indispensável contra a altitude) e aproveita para contar que os condores podem viver mais de 60 anos e que muitos deles, quando percebem que lhes falta força para voar, chocam-se de propósito contra o chão em busca de um fim honroso. O guia também fala da velha briga entre os criadores de gado e os pumas da região. Assim como a onça-pintada é alvo dos pecuaristas no Pantanal brasileiro, naquele pedaço do Peru o puma precisa de habilidade para fugir das balas dos fazendeiros.

Pumas, condores e ursos de óculos

Apesar de a população do felino estar em crescimento no país, é difícil cruzar com algum deles durante o trekking. Mais raro ainda é topar com o urso andino, conhecido aqui como oso de anteojos (urso de óculos). Ameaçada por caçadores e pela destruição de seu hábitat, essa única espécie de urso presente na América do Sul corre sério risco de extinção. No Caminho de Salcantay, os animais mais encontradiços são os condores e as raposas. Não espere trombar nem sequer com lhamas, alpacas e vicunhas. Não encontramos explicação convincente, mas o fato é que os típicos camelídeos andinos não dão as caras por aqui. Já quando estiver prestes a alcançar o Paso de Salcantay, com uma ligeira falta de oxigênio a correr pelo sangue, é possível avistar meia dúzia de vacas zanzando a 4.700 metros. Não é delírio. Elas estão ali com a imperturbável calma de sempre. Siga em frente. Nesse momento, os metros são vencidos à base de pequenos passos, em um ziguezague sem fim pela encosta da montanha. O ar parece não chegar aos pulmões e as pernas bambeiam. Ninguém fala. Jonathan segue firme sobre o cavalo e os demais viajantes lutam para fazer arder a língua do xamã.

As apachetas, montículos de pedra usados para sinalizar o caminho e como local de oferenda aos apus, são o indício da chegada ao cume da trilha. As mais antigas atingem 2 metros e são enfeitadas com ossos e crânios de animais. Suporte o vento, aprecie a parede nevada do Salcantay, some sua pedra a apacheta e, claro, peça a devida proteção aos apus. As fotos também são inevitáveis. Atingir uma passagem nos Andes a 4.700 metros pode parecer moleza sabendo que tem ser humano que vira e mexe vai além dos 8 mil metros. Mas para uma dúzia de urbanóides de Nova York, Chicago, Filadélfia e São Paulo, a sensação é de triunfo. Até Jonathan arrisca pular do cavalo para a sessão fotográfica. Juan Carlos monitora a pequena caravana. Pede que todos bebam água e agiliza a descida. As próximas três horas do dia são de montanha abaixo. No meio do caminho, quem diria, don Augusto, que havia passado por nós sem deixar rastro, montou um pequeno restaurante a céu aberto e preparou um improvável e saboroso almoço no vale de Huayraqumachay, uma imensa planície repleta de lindas pedras marrons.

Mais do que nunca, cresce o desejo por um banho quente. Ao deixar para trás um grupo de mochileiros franceses, lembro de quando, em 1994 (mesmo ano da fatídica noite de Flavio), fiz a Trilha Inca com um velho amigo. Sem carregador. Apenas com mochila, barraca, saco de dormir, fogareiro e uma panela. Ri sozinho ao recordar da tempestade que arrastou nossa barraca no meio da madrugada. Sem alternativa, levantamos, enrolamos tudo e saímos andando encharcados. Agora, 15 anos depois, estava a caminho de um lodge, onde comeria do bom e do melhor e dormiria em um quarto cheio de conforto. Dois momentos inesquecíveis, como devem ser as viagens. Despertei da volta ao passado quando quase fui atropelado por cavalos em ritmo acelerado. Alberto Willca, o dono da manada, seguia no sentido contrário: de Santa Tereza, onde foi vender batata e mandioca, a Molle-pata, onde vive. "A distância não me incomoda. Só o frio", disse o agricultor vestindo uma malha fina de lã e um chinelo de dedo.

Porquinho da guiné

No lodge de Huayraqumachay, a 3.800 metros de altitude, Jonathan mostrou recuperação. Mas as profecias de Machacca Pacsj voltaram a ecoar. Sua mulher, Darci, passou a reclamar de dor de cabeça. Pior. Apareceu no café da manhã com o rosto inchado. Uma simples alergia ou algum efeito preocupante da altitude? O roteiro dos próximos dois dias era longo, mas sempre para baixo. A trilha serpenteia pelos chamados bosques nublados, onde, como brincou Juan Carlos, as estações se dividem em chuvosa e muito chuvosa. Escapamos da chuva, mas enfrentamos um chão seco, cheio de poeira - coloque na mala um lenço tipo bandana para proteger o rosto. A trilha desce ladeada por uma floresta que não difere muito da nossa Mata Atlântica: é verde-escura e recheada por uma infinidade de flores. Tem orquídeas, begônias, sálvias, lupinos, dálias, violetas, margaridas e a mais bonita de todas, o choclo dourado. Entre elas, muitos pássaros e uma infinidade de casulos de borboletas à espera do verão para vir à tona.

Antes da chegada ao lodge de Mesada, a 2.800 metros de altura, a trilha cruza o povoado de Siaulay, onde vivem seis ou sete famílias. Sou convidado a entrar na casa de Ciriana Poras. Quando não precisam tomar conta das panelas no fogo, suas mãos rápidas transformam em gorro um novelo de lã de alpaca. Crianças cheias de felicidade entram e saem da aquecida casa de madeira. Brincam com os cachorros, acariciam os gatos e tomam cuidado para não pisar nos porquinhos da guiné que circulam aos montes pelo chão de terra batida. Sentado sobre um balde, tento não queimar a boca com uma batata recém-cozida. Ciriana conta que nasceu em Santa Tereza, ao norte de Machu Picchu, mas veio para aquele fim de mundo nos Andes por amor, atrás do namorado. "Sou feliz. Vivo com quem amo. Isso faz este lugar ser o melhor lugar do mundo." Já no lodge, don Augusto havia preparado uma pachamanca, espécie de churrasco assado em um forno cavado no chão. No cardápio, vaca, cordeiro, galinha e os tais porquinhos da guiné, cuja carne tem sabor e consistência de um frango.

O destaque do dia seguinte são duas piscinas com águas sulfúricas na encosta da montanha sobre o Rio Santa Tereza. Além de ajudar a tirar a poeira do corpo, meia hora de imersão ali relaxa os músculos e revigora as energias. O pernoite acontece no lodge de Lucmabamba, a 2.100 metros. O corpo vai voltando ao seu hábitat. Inchaços, dores de cabeça, indisposições desaparecem. Mas o cansaço persiste. Tanto que na manhã seguinte, sob chuva, metade dos viajantes resolve cabular a derradeira caminhada e seguir de ônibus até Aguas Calientes. Você, caro leitor, há de ter força para essa reta final. Ela não é fácil. Começa com uma subida forte até Pattallacta, único sítio arqueológico da trilha. Parte das ruínas está tomada pela selva. A outra parte foi tão restaurada que nem parece ruína. O que vale ali é tirar a mochila das costas, escolher uma pedra como poltrona e ficar observando Machu Picchu. Sim, a cidade sagrada dos incas, construída pelo rei Pachacuti por volta de 1450, aparece ao longe entre as montanhas e sempre atrás de um vai-e-vem de nuvens. A paisagem muda ao sabor dos ventos. Difícil ir embora. Mesmo porque, conforme o sol sobe, as paredes do sítio arqueológico descoberto em 1911 pelo explorador Hiram Bingham vão ficando mais nítidas. Com a beleza de Machu Picchu diante dos olhos e com o iminente fim do caminho, é possível imaginar o motivo da fúria dos espíritos da montanha com o homem branco, que há 500 anos chegou de sola por estas bandas e colocou fim em uma história que apenas começava.

COMO CHEGAR
A LAN (www.lan.com) tem dois vôos diários a partir de São Paulo que chegam a Lima a tempo de tomar o vôo para Cusco no mesmo dia. A tarifa custa cerca de R$ 1.200. O vôo da Gol (www.voegol.com.br) até a capital peruana faz escala em Buenos Aires e Santiago e sai por R$ 1.082.

QUANDO IR
O melhor período vai de maio a outubro (cuidado com o excesso de gente em junho e julho). Nos demais meses, também é possível cruzar a região, mas se prepare para a chuva.

ONDE FICAR
Não faltam lugares para montar barraca ao longo do caminho. Você pode ir sem guias, mas por menos de US$ 200 é possível fechar um pacote com agências em Cusco que organizam a viagem com cavalos para carregar sua mochila em parte do trekking, além de disponibilizar um guia que ajuda a montar a barraca e preparar as refeições. Outra opção - mais cara e muito mais luxuosa - é, como fizemos, hospedar-se com a Mountain Lodges of Peru (www.mountainlodgesofperu.com; tel. 21 3861-9922): são quatro confortáveis hotéis em locais estratégicos da trilha. O esquema custa US$ 2.500 e inclui carregadores, cavalos, três refeições, bebidas energéticas, suítes com aquecedor, banho quente, itens de higiene...

QUEM LEVA
A Mountain Lodges of Peru (www.mountainlodgesofperu.com; tel. 21/3861-9922) organiza a viagem com traslados a partir de Cusco, hospedagem em confortáveis lodges ao longo da trilha e toda a logística. O pacote, sem passagem aérea e hotéis em Cusco, custa US$ 2.500. A Highland (www.highland.com.br; 11/3254-4999) oferece a viagem com hospedagem nos lodges e visitas a sítios arqueológicos nos arredores de Cusco. Custa US$ 4.740 já com os trechos aéreos. A Pisa Trekking (www.pisa.tur.br; tel. 11/5052-4085) tem um roteiro de nove dias com city-tour em Lima e visitas às ruínas nos arredores de Cusco.
A trilha leva quatro dias - três dos quatro pernoites acontecem em acampamento (barraca); um em hotel (em Aguas Calientes). O pacote custa a partir de US$ 2.380 e inclui parte aérea, traslados, passeios, guias, barracas e hospedagem. Outra opção é entrar em algum grupo de mochileiros formado em Cusco: contate a Super Tour (www.supertourcusco.com) e, antes de fechar negócio, verifique com atenção o que está e o que não está incluído nos US$ 180 cobrados. Se você quiser economizar ainda mais, siga sozinho até Mollepata e ali negocie com os guias da cidade, que cobram em média 25 soles (US$ 9) por dia. A comida, claro, é por sua conta.

O QUE LEVAR
Quanto menos peso você levar, menos peso terá de carregar. Mesmo se for utilizar o serviço de carregadores, evite quilos desnecessários. Mas não deixe de ir bem equipado e preparado para o frio.
ROUPA: Botas ou tênis de caminhada, meias (de preferência, sem costura), jaqueta à prova de chuva (Gore-Tex), jaqueta corta-vento, gorro, cachecol, luva, calção de banho.
EQUIPAMENTOS: Barraca*, saco de dormir*, boné, óculos escuros, protetor solar, protetor labial, lanterna de cabeça, toalha de banho (toalha-fralda), máquina fotográfica, binóculos, canivete, mapa, kit de costura, *cilindro de gás butano/propano, fósforo*, tabletes purificadores de água*, panela de alumínio* e talheres*.
FARMÁCIA: Dificilmente você vai escapar totalmente ileso dos efeitos da altitude. Dores de cabeça, náusea, insônia e falta de ar são as conseqüências mais comuns do ar rarefeito. O melhor remédio é a aclimatação, já que as chances de você sofrer com a altitude são proporcionais à velocidade com que você sobe. Bolhas nos pés e dores musculares são comuns em caminhadas. Evite estrear calçados e use meias adequadas. Leve analgésico, folha de coca, acetazolamida (reduz os efeitos da altitude), relaxante muscular, antiinflamatório, micropores/esparadrapo, linha e agulha para bolhas, repelente e papel higiênico.