REVISTA GO OUTSIDE
 
De um chalé ecológico perto da Grande Barreira de Coral a uma casa de hóspedes de luxo em um rancho de ovelhas, novos refúgios na savana australiana estão energizando o turismo na terra dos cangurus
 
 
Publicado em 31/01/2009 - 14h13 - da redação
Texto: Katie Arnold
 
 
  PARAÍSO: O arquipélago de Whitsunday, na costa central de Queensland, base de saída para a Grande Barreira de Coral
Foto: Divulgação
   
 
  MAPA
Foto: Divulgação
   
 
  Marcus Rufino subindo com ascensor.
Foto: Divulgação
   
 
 
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A AUSTRÁLIA É UMA TERRA DE OTIMISTAS: Sei disso porque meses atrás peguei carona em um teco-teco que não era muito maior que um carro compacto. O piloto, Ian Fargher, estava nos levando de seu rancho de ovelhas nos montes Flinders até Adelaide, a capital do estado chamado Austrália do Sul. Sob nós, montanhas erguiam-se em ângulos enviesados, e o terreno coberto de arbustos raquíticos estava salpicado de cangurus. Como prometido, lá estava o autêntico outback, como é chamada a savana que cobre grande parte da Austrália. À medida que seguíamos para o sul, sacolejando ao vento no Cessna Syhawk II de 1969 — um mosquito avantajado, com uma única hélice —, Fargher olhou para mim, tirou as mãos do manche, e disse com a maior confiança, “Tudo bem, é sua vez de pilotar”.

Isso foi no fim da minha visita de dez dias e eu já tinha aprendido algumas coisinhas. Quando se está a milhares de quilômetros de casa, atravessando oceanos, fuso-horário e uma massa de terra de 7,8 milhões de quilômetros quadrados, quase completamente desértica, o senso de humor ajuda. Aprendi também que, na Austrália, uma história muito bem contada ganha, sempre, da verdade mundana. Acreditem em mim quando digo que pilotei aquele avião em todo o caminho até Adelaide.

Sendo ao mesmo tempo um país, um continente e uma ilha, a Austrália é uma terra de bizarros extremos — de desertos desolados a florestas tropicais e belas praias. Também é o lar de algumas das faunas nativas mais exóticas do mundo: cangurus puladores, coalas dóceis, e, se você estiver atravessando o Parque Nacional dos Montes Flinders no final da tarde, emus pernudos tão numerosos quanto os cervos na Nova Inglaterra. Quase do tamanho dos Estados Unidos e com uma população de 21 milhões (um pouco mais que o estado brasileiro de Minas Gerais), a Austrália, ou Oz, como é apelidada, é uma vasta extensão de emoções naturais e um impressionante espetáculo de espécies de animais esquisitos.

O outback da Austrália e sua vida nativa sempre foram grandes atrativos, mas até recentemente o país não dispunha de uma quantidade suficiente de acampamentos luxuosos e serviços de guia para oferecer uma verdadeira experiência de safári. Agora, com a chegada de diversas pousadas pequenas, mas chiques, em suas regiões mais distantes, a Austrália está se tornando uma nova versão da África, onde é possível ir de teco-teco de um ponto turístico ao outro, mergulhando na natureza sem sacrificar conforto ou estilo. Mas a melhor coisa da Austrália, é claro, são os australianos: irremediavelmente animados, simples e sempre prontos para uma aventura (por mais duvidosa que esta seja). Converse com estes anfitriões e, antes de perceber como, você estará participando de uma missão para reunir ovelhas ou ajudando a empurrar um tecoteco para fora da garagem.

Fui para a Austrália em 2007 para conhecer pessoalmente a emergente cultura do safári no país. Desenhei uma rota que passava pela costa nordeste e a Grande Barreira de Coral, pelo outback próximo a Sydney, e pela costa e interior da Austrália do Sul. Viajei de helicóptero e teco-teco (em uma das vezes com um piloto com cara de bebê que mal parecia ter idade para dirigir, quanto mais para navegar com segurança no meio de uma ventania), entrei em um transe de felicidade induzido por cangurus no banco da frente de um jipe e sobrevivi ao mais árduo desafio motorizado — a rotatória — dirigindo um bugue elétrico na faixa da esquerda (na Austrália impera a mão inglesa).

Nas ilhas Whitsunday, no estado de Queensland, um capitão de barco de 19 anos chamado Jack, com enormes óculos dourados e tranças rastafári louras curtidas no sal do mar, conduzia nosso catamarã por uma baía agitada. Mas não demorou a aparecer uma lancha, e Jack passou o timão para mim. “Chegou minha carona”, disse, pulando para a outra embarcação e me deixando velejando sozinha. Por cima do ombro, ele assegurou, daquele jeito bem australiano: “Você vai ficar bem”.

Essa atitude relax dos australianos perante a vida é uma adaptação ao meio-ambiente: o sol do hemisfério Sul é forte demais, o ar é limpo demais, e o horizonte é amplo demais e repleto demais de possibilidades para alguém conseguir se manter pessimista por muito tempo. Este é, afinal, o mais antigo dos continentes, uma resoluta relíquia que já fez de tudo milhares de vezes, mas se recusa a desaparecer. Australianos que adoram a vida outdoor não se desencorajam com o fato de que algumas das serpentes mais venenosas do mundo rastejem por essas terras, nem que o mais terrível torturador dos mares — uma água-viva conhecida como vespa-do-mar — patrulhe as águas em exércitos assassinos que os nativos chamam de bities (picadoras).

Um dia, durante o café da manhã, eu e o gerente de uma propriedade chamado Doug Loeb começamos a conversar sobre as criaturas de Oz. Um ex-executivo de marketing de Sydney, ele é um perfeito exemplo da atitude do povo australiano: de dia é um cowboy bronzeado, que usa um colete de couro de ovelha e botas empoeiradas; de noite, veste uma roupa branca de chef e prepara pratos gourmet de canela de cordeiro. Naquela manhã, antes de uma caminhada por uma trilha ao longo do riacho Goobang, fiz uma sabatina com Doug para saber o que devo fazer caso pise em um graveto que se revele uma víbora assassina à espreita. “Ah, não se preocupe”, disse ele. “Ela vai ouvir você chegando e sair do seu caminho”.

Mas e se ela não sair? Nesse caso, Doug sugere que eu faça o que um rancheiro local fez quando foi picado: fique completamente parada, deitada no chão por 12 horas, para evitar que o veneno seja bombeado até o coração, matando-a na hora. Isso parecia tão provável quanto, bem, pilotar um avião eu mesma, mas o sorriso de Loeb era tão confiante que não pude evitar acreditar nele.

 

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