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Nota rápida sobre a chegada
Foto: Maristela Colucci |
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18/11/2008 - Nota rápida sobre a chegada
Exatamente às 10h43 do dia 21 de novembro, Beto Pandiani e Igor Bely completaram a Travessia do Pacífico, chegando à Austrália depois de mais de 8 mil milhas velejadas desde o Chile.
Nos próximos dias, confira aqui os relatos de ambos sobre esse incrível desafio.
Abraços
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Perto de um lugar chamado longe
Foto: Igor Bely |
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18/11/2008 - Perto de um lugar chamado longe
Nem só de brisa vive o homem, mas sem nada de brisa fica difícil... Estamos há dois dias nos arrastando para a Austrália. Ainda faltam 500 milhas e foram necessárias 48 horas para andar apenas 200. O sol está nos castigando; nem mesmo os dois guarda-sóis nos salvam, pois o reflexo na água e o calor que passa pelo tecido nos assa. À tarde o sol vem bem na cara e os dias estão quase sem nuvem. O lado bom de tudo isso é que pelo menos o BBB não está sendo forçado, vai deslizando devagar por um mar quase de azeite.
A nossa alimentação está ótima e o consumo de água, dentro do previsto.
As noites têm sido os melhores momentos, pois fica bem fresco, tem uma lua cheia enorme, e o mar está mexendo muito pouco. Se tudo continuar assim vamos chegar em Bundaberg no dia 21, assim espero. O que tem me surpreendido é a quantidade de peixes e pássaros. Ontem recebemos pela primeira vez na viagem toda a visita de golfinhos, que ficaram nadando bem na proa do barco.
Acho que neste trecho o pior está sendo lidar com a ansiedade... Quase completando a viagem, um final assim lento é um teste e tanto!
Sol, sol e pouco vento. Neste exato momento estamos em plena calmaria, "rastejando", como costumo falar. A água está azul, linda, cheia de peixes voadores, mas confesso que nunca fiquei tão ansioso com uma chegada. Faltam 350 milhas, metade do caminho desta última perna, e realmente nunca estivemos tão próximos da Austrália. Acabou de passar um avião sobre nós, que inveja, pois ele ia na mesma direção. Ontem tivemos um bom vento, que durou umas 15 horas. Ficamos bem animados achando que o vento estava se estabelecendo, mas foi um engano. As noites têm sido boas para descansar do sol e sempre tem uma brisa, nada excepcional. Sonho em amarrar o BBB no píer do clube em Bundaberg, mas por enquanto é só um sonho.
Não tenho muito a dizer, mas peço que torçam por bons ventos para nós.
Beto Pandiani
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A chegada à Nova Caledônia
Foto: Maristela Colucci |
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13/11/2008 - Sprint final
Aqui estamos finalmente na Nova Caledônia. Com certeza há muitos lugares que poderíamos visitar por aqui, mas o que está realmente nas nossas cabeças agora não é o que a Nova Caledônia pode nos oferecer. Nós estamos mesmo é com a cabeça nas 700 milhas que nos separam da costa da Austrália. Todos os dias, aliás várias vezes por dia, checamos a previsão do tempo. Mas nada muda... nada de vento previsto para os próximos dias, que depressão... tivemos tanto vento em travessias passadas e logo agora não temos mais!!! O que acontece é que a temporada dos furacões está chegando e isto faz com que os ventos alísios deixem de soprar. Se continuar assim, vamos ter que remar muito! Na verdade existe um pouco de vento a umas 100 milhas ao norte, o problema é que o lugar onde queremos chegar na Austrália fica para o sul. Se rumarmos para o norte teremos que passar por várias barreiras de coral... complicado!!
Provavelmente a gente vai acabar saindo dentro de 2 dias mesmo com o pouco vento. Vamos ter que ir fritando ao sol até o Pierre encontrar uma brecha no tempo para a gente.
Estou tentando bolar um sisteminha para instalar uns remos no Bye Bye Brasil, quem sabe a gente ganha uns dias!!
Abraços
Igor Bely
Quinta-Feira, 06h14
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A chegada à Nova Caledônia
Foto: Igor Bely |
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10/11/2008 - A chegada à Nova Caledônia
A ansiedade estava alta, meus olhos não desgrudavam do horizonte, queriam ver terra. Àquela altura já deveríamos ver, mas havia uma neblina que escondia o nosso destino, a Nova Caledônia, a tão sonhada ilha que há três meses trocamos por Vanuatu por motivos muito fortes. Depois de abortar Iles des Pins, que fica no sul da ilha principal, rastejamos com a travessa frontal quebrada e solta até Vanuatu.
A situação toda foi muito frustrante e por isso desta vez eu estava muito cauteloso. Na saída de Vanuatu tivemos um pequeno problema na caixa de leme que nos fez perder uma hora. Depois, aproamos o BBB para cá e mais nada foi capaz de nos deter. Parecia que Vanuatu tinha umas garras que queriam nos pegar.
Foram dois dias de ventos favoráveis, sendo que nas primeiras 24 horas andamos muito bem, depois o vento foi caindo, caindo, até acabar, bem perto da chegada. Foi somente muito próximo da barreira de coral da parte norte da ilha que avistamos terra. O vento, muito caprichoso, acabou bem na entrada do passe. Por sorte a maré nos puxou para dentro, e por uma água turquesa muito transparente começamos a navegar dentro da gigantesca piscina que circunda a Nova Caledônia. Fomos recebidos por golfinhos, tartarugas, um peixe espada enorme e um tipo de cobra de água salgada que, muito curiosa, nos rodeou por um bom tempo.
Estes dois últimos dias no mar foram os mais quentes de toda a viagem. A nossa sorte foi ter comprado dois guarda-sóis para esta etapa. Mesmo assim, o reflexo do sol é perigoso. Nossas roupas, feitas pela Santa Constância com proteção anti-UV, fizeram a diferença, mas não abrimos mão do protetor solar da Coppertone. Como não temos cabine, aqui por estas latitudes o sol é um grande problema.
Velejei pensando que estas podem ser as últimas milhas da viagem e, por isso, estou vivendo cada momento intensamente. As noites estão lindas, com muitas estrelas cadentes, uma meia lua clara que nos faz companhia até uma hora da madrugada. Depois, tudo fica muito escuro e o céu, repleto de pontos luminosos.
Depois da calmaria da passagem pela entrada do anel de coral, ficamos esperando o vento por mais de cinco horas, para enfim chegarmos em terra. Abortamos a chegada em Koumac, no lado oeste da ilha, e fomos a duras penas até Poingan, outra opção mais ao norte. Lá, nos esperavam a Maris, o Pepe, a Tatiana, da TV Record, e o Regis, tio do Igor. Chegamos em uma bela praia em frente a uma pequena pousada com alguns turistas. Havia ainda uma rede de TV local nos esperando.
O BBB está consertado, estamos satisfeitos, mas a verdade é que, neste trecho de Vanuatu até aqui, o barco não passou por nenhum teste de verdade, pois o mar esteve muito gentil, inacreditavelmente liso.
Agora temos alguns poucos dias aqui na NC para explorar a ilha, descansar um pouco, preparar o barco e aguardar a meteorologia boa para a partida.
Até breve.
Beto Pandiani
Segunda-Feira, 20h11
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Enfim, partindo de Vanuatu
Foto:Maristela Colucci |
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06/11/2008 - Enfim, partindo de Vanuatu
Uma noite dessas, voltando para o hotel, decidi pegar um tipo de van-táxi que circula aqui em Vanuatu. O trajeto é sempre uma surpresa, pois, na maioria das vezes, você não vai direto para onde quer ir. Quase todos os motoristas são muito engraçados e, depois de descobrirem que sou brasileiro, põem-se a conversar sobre futebol, perguntam sobre a vida no Brasil, enfim, eles são muito curiosos em relação à nós.
Há dois dias peguei um motorista que, no meio do caminho, perguntou se eu me incomodava se fôssemos pegar sua filha na escola. Disse que não e lá fomos nós buscar a menina. Uma graça de garota, muito educada, olhar esperto, e dava para ver o amor e carinho do pai por ela.
Outro motorista perguntou para onde eu queria ir, expliquei e ele foi para o lado oposto. Logo depois, parou a mini van, pegou outro passageiro e levou-o morro acima; pegou ainda outra passageira e só então rumou para o meu destino inicial. Ontem foi a vez de entrar no carro de um religioso que ouvia pelo rádio o sermão de um pastor. O som estava tão alto que podia-se ouvir a uma quadra de distancia. Era quase um trio elétrico fanático.
São estas coisas que fazem Vanuatu ser Vanuatu. Hoje, no mercado central, conhecemos um baiano que trabalha aqui no Ministério da Saúde. Ele confirma que este é o país do povo mais feliz do mundo, porém comentou com a gente que acha o pessoal um pouco devagar... Imaginem, se um baiano acha que o pessoal é meio devagar...
Pois bem, depois de todo o estresse da preparação, o barco está pronto e flutuando bem aqui na frente do nosso quarto. Ancoramos o BBB ontem e hoje fizemos todas as burocracias restantes. Partiremos amanhã bem cedo com destino à Nova Caledônia. Vamos velejar 300 milhas e chegar a Koumac, uma pequena vila no norte da ilha. Temos uma excelente previsão de tempo: dois dias de ventos com força de 10 a 15 nós de leste a sueste. Vamos experimentar o barco depois de todos os consertos. Estou muito tranquilo, mas cansado com a longa espera para voltar ao mar. Tanto o Igor como eu queremos muito chegar à Austrália.
Teremos a companhia de uma lua crescente e tímida na saída, mas no trecho para Bundaberg ela estará cheia e iluminando o nosso caminho.
Um grande abraço a todos.
Beto Pandiani
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Tanna, uma luz no fim do túnel
Foto:Maristela Colucci |
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97° dia de Expedição - 04/08/2008 - Tanna, uma luz no fim do túnel
A noite estava estrelada, muitas estrelas no céu exatamente como nas noites sem lua quando velejávamos por este imenso Pacifico. Na caçamba da caminhonete vínhamos pulando, chacoalhando como um filhote de canguru na barriga da mãe. Cangurus não saem da minha cabeça, Austrália, como quero chegar na maior ilha do planeta! Vamos chegar!
Maristela, Pepe e eu estamos voltando do Yasur, o segundo maior vulcão do mundo em atividade. Estamos em Tanna, uma das ilhas do arquipélago de Vanuatu, o país que tem o estigma de ser o lugar de gente mais feliz do mundo. Eu vinha escutando música e me questionando sobre a felicidade, sobre toda a trajetória da viagem, sobre as pessoas que amo e lembrando-me de um telefonema que recebi alguns dias atrás da equipe de São Paulo. Eu vinha sorrindo por dentro.
O lugar é muito simples, as pessoas vivem em um mundo à parte, em uma vida onde a única preocupação é a alimentação. Será que posso chamá-los de pobres? Acho que não. Miséria, nunca vi, rusticidade, sim. Podemos chamá-los de primitivos, talvez. Mas de onde vem tanta alegria, tanta felicidade?
Viemos a Tanna porque todos insistiram conosco para visitarmos o vulcão Yasur, e foi tão impressionante que fizemos o duro trajeto dois dias seguidos. São duas horas pulando de 4X4 por uma estrada de terra horrível que corta a ilha, subindo uma serra para descer do outro lado onde fica o vale do vulcão. No caminho, íamos passando por pequenos vilarejos com casinhas de palha. Há muita gente vivendo por todo o interior da ilha. Aqui vivem 25.000 pessoas, e o que nos impressionou desde que chegamos a Tanna é que todos fazem questão de acenar, dar um sorriso. Já viajei muito e nunca vi gente tão doce, tão amável, sorridente e tão feliz. Desde um velho até uma criança, todos têm a mesma atitude. Acho que está impregnado na genética. Nós que vivemos nos grandes centros urbanizados e "civilizados" nos perguntamos: Onde mora a felicidade? O que precisamos para sermos felizes?
Ora, ora, dentro da nossa prepotência em chamá-los de primitivos damos morada para a ignorância, pois somos um bando de insatisfeitos, que busca no consumo desenfreado e nos valores materialistas a felicidade. Os anos vão passar e talvez um dia vejamos o quanto caminhamos para o lado errado. O máximo que conseguimos fazer é olhar para nosso próprio umbigo.
Na primeira visita ao vulcão, eu vinha ansioso, pois pelas fotos e relatos íamos conseguir ficar a poucos metros da cratera e ver o vulcão em plena atividade. Há alguns anos subi o vulcão Vila Rica, no Chile, e no topo debrucei-me na borda da cratera. Ali vi aquele caldeirão incandescente em atividade, foi inesquecível, mas, aqui, foi incomparável. Quando, da estrada, avistamos o vulcão bem ao longe no outro lado do vale, pudemos ver uma imensa coluna de fumaça subindo, e de tempos em tempos seguia-se outra explosão com mais fumaça. Passada uma hora a nossa caminhonete estava chegando na base do vulcão e havia mais outros quatro carros com mais visitantes. Assim que descemos do carro, já no final da tarde, os guias nos deram lanternas e jaquetas. Fazia muito frio e ventava estranho para uma latitude como a nossa.
Subimos pela encosta e, ao chegar ao topo, fomos surpreendidos por uma grande explosão. Vimos subir bem à nossa frente pedras imensas de lava que eram cuspidas para o alto e jogadas longe. A maioria caía novamente na encosta da cratera, algumas outras iam um pouco mais longe, mas no lado contrário ao que estávamos. À medida que escurecia o espetáculo ficava mais grandioso, como fogos de artifício em uma noite de ano novo. As explosões faziam o chão tremer, o som era alto e muito violento, e ainda recebíamos uma lufada de ar nos nossos rostos. Difícil descrever o que vimos, mas recomendo a todos ver no Flicker as maravilhosas fotos que a Maris fez. O Pepe também captou em vídeo imagens que certamente vão impressionar a todos. Ficamos lá no topo por uma hora, assistindo a um espetáculo de pedras laranjas incandescentes voarem a uma velocidade de 300 quilômetros por hora por cima das nossas cabeças. Ficamos tão impressionados que decidimos voltar no dia seguinte, encarando mais quatro horas de chacoalhadas na pequena e sinuosa estrada que corta a ilha de Tanna.
No segundo dia o Yasur estava muito nervoso e as explosões ainda mais violentas e barulhentas. Em uma delas, uma pedra foi lançada exatamente no caminho que havíamos feito 15 minutos antes para subir a encosta do vulcão. Foi o suficiente... Batemos em retirada bem assustados. Não dá para dar chance ao azar, e afinal já havíamos visto o bastante. Algo inesquecível, muito forte. Aquele tipo de situação que te faz perguntar depois de algumas horas: será que foi verdade?
Esses dias em Tanna foram ótimos para dar uma relaxada em relação ao barco. Como vocês viram, passamos por várias situações-limites onde quase perdemos o nosso querido Bye Bye Brasil. Conseguimos chegar, mas perdemos a confiança no barco. E o que fazer agora? Foi o que nos perguntamos. Ficamos nos últimos dias tentando encontrar uma solução para o final da viagem. A primeira idéia foi terminá-la na Nova Caledônia e evitar uma longa travessia para a Austrália. Principalmente porque nesta época o vento predominante é o sudeste, e como este ano as frentes frias estão muito fortes, fica difícil encontrar um período de seis dias com mar calmo. O Bye Bye Brasil não iria resistir.
Acabar na Nova Caledônia seria fazer mais que 90% da travessia, mas deixaria para sempre um gosto amargo na boca, e a viagem ficaria marcada para nós como algo incompleto. Mas, como ir contra o bom senso, contra tudo aquilo que sempre regeu nossas decisões? Foi então que veio a idéia de rumar para o Norte, procurando ventos mais favoráveis e, depois, velejando para Oeste, poderíamos chegar em Solomon Islands, um grupo de ilhas colado em Papua Nova Guiné, já quase no norte da Austrália. Desta forma teríamos cruzado o Pacifico todo, e em termos de longitude teríamos cumprido nosso objetivo. Começamos a procurar informações sobre Solomon Islands e as notícias não eram muito animadoras... Fala-se que não é um lugar muito seguro, que tem muita burocracia e poucas opções para parar.
O Igor insistia em dizer que ele tinha um sentimento estranho em relação ao barco, que algo poderia acontecer em uma travessia longa, mas que para subir para Solomon ele se sentia mais confortável. Eu fiquei dividido, pois não queria terminar a viagem assim, mas confio na minha intuição e também confio no Igor. Aliás, nos damos tão bem que nunca tivemos atrito em nenhuma decisão. Temos um jeito semelhante de encarar os momentos difíceis, somos ambos sempre bem conservadores. Acabamos tomando a decisão de consertar o barco, trocar os parafusos e seguir viagem para o Norte.
Conseguimos finalmente na última quinta-feira, dia 31 de julho, tirar o barco da água. Todo este atraso porque o único lugar de Port Vila que podia fazer isso estava com o trator quebrado. Imediatamente depois de puxar o catamaran da água começamos a desmontá-lo. Três horas depois o Igor conseguiu retirar o parafuso quebrado de dentro do casco e, se tudo corresse bem com os reparos, em três dias o Bye Bye Brasil poderia voltar ao mar.
Voltamos ao hotel cansados e despencamos na cama, pois o outro dia ia começar cedo. Meu sentimento em relação à decisão que tomamos me trazia uma angústia muito grande, mas eu não podia ir contra meus princípios. Se eu tivesse tomado atitudes impensadas no passado, certamente não teria terminado nenhuma das cinco viagens anteriores. No fundo, o que fazemos é administrar riscos, e ir para a Austrália agora seria tomar um risco muito grande. Não há duvida que poderíamos chegar, mas também poderíamos ter que acionar um resgate e abandonar o barco no meio do mar. O prejuízo de um resgate seria muito maior do que terminar a viagem em Solomon Islands.
Foi neste momento que constatei que os grandes amigos fazem a diferença, e que uma equipe de pessoas conscienciosas pode acender uma luz. Estava dormindo, mas no Brasil acontecia uma reunião da qual participavam o Dega e o Elton, coordenadores do projeto, o Dudu, diretor do filme e dono da produtora ST 2, o Doro, assessor de imprensa, e o Mark e o Aluisio, ambos da Matos Grey, agência que cuida da comunicação da viagem e da minha carreira. Dentro deste grupo de amigos, dois velejadores, sendo que o Mark havia passado dois anos em um veleiro com a família exatamente nesta região. Eles me ligaram no meio da madrugada e, pelo telefone, todos me deram apoio para qualquer que fosse a minha decisão, dizendo que estariam ao meu lado, mas sugeriram uma nova possibilidade para a viagem: parar o projeto agora, fazer uma revisão detalhada no barco e esperar até outubro, quando a meteorologia estiver mais adequada, os ventos mais calmos e tudo mais estável. Estamos no inverno e as frentes frias estão em plena atividade. Na semana passada houve ventos de até 170 quilômetros por hora na Nova Zelândia, e por três vezes as frentes chegaram à Nova Caledônia, coisa que não acontecia há muito tempo. Achei a idéia bem razoável pois, além de tudo, o Igor e eu estávamos muito imersos nos últimos acontecimentos e assim fica difícil tomar uma decisão. Acordei o Igor e contei-lhe sobre a nova idéia, à qual ele não reagiu bem, porque em setembro ele vai recomeçar seu último ano de Engenharia em Lyon, na França.
No outro dia, bem cedo, voltamos ao barco para iniciar a montagem já com os novos parafusos. A nossa falta de confiança em relação ao barco vinha de um fato: por duas vezes ele velejou muitas milhas sem um parafuso, trabalhando de maneira errada, sendo que na última vez velejou com a travessa frontal solta e os cascos fora de esquadro. Isso poderia ter comprometido a estrutura do barco. Algo pior poderia acontecer sem nenhum aviso. Pois bem, quando começamos a mexer nas travessas o Igor percebeu um início de trinca, quase imperceptível a olho nu, exatamente no lado oposto ao que quebrou quando chegávamos em Mangareva, no ano passado. Resumo da ópera: a travessa poderia quebrar mesmo se fossemos para Solomon Islands. A decisão estava tomada: vamos parar a viagem para recuperar a travessa, da mesma forma que fizemos na Polinésia Francesa, e daqui a dois meses voltaremos para Vanuatu. Ficamos muito felizes em descobrir a trinca, pois antecipamos uma quebra. Não que eu não queira velejar agora, mas no final pude ponderar as duas opiniões, o mal estar do Igor e meu, e a posição do pessoal no Brasil. Foi muito importante também receber um telefonema do Stefan, amigo de longa data e presidente da Red Bull. Ele nos deu apoio total qualquer que fosse nossa decisão, mas pediu que analisássemos todas as alternativas. Foi bom também receber o apoio de outro amigo, o Fabio Boucinhas, do Yahoo Brasil, que como velejador também entende perfeitamente o que estamos vivendo.
Sendo assim a Austrália continua viva dentro dos nossos corações, não vamos desistir, vamos fazer de tudo para chegar onde nos propusemos chegar. Uma viagem como esta mostra claramente como é difícil transitar por esta linha tênue que separa a responsabilidade da ousadia, a intuição do desejo. Vivenciamos mais uma vez a experiência de sermos humildes e reconhecermos os nossos limites, como um alpinista que abre mão de chegar ao cume para poder voltar vivo para casa. Felizmente ainda não esgotamos nossas possibilidades. Sinto-me aliviado e leve. Vamos voltar e dar tudo que temos para chegar à Austrália. Esta é uma promessa que faço para mim mesmo e para todos que estão torcendo por nós.
Quero deixar registrado aqui que em breve gostaria de gritar "Terra à vista! Austrália!", e dar um abraço no meu grande companheiro Igor.
Beto Pandiani
Segunda-Feira, 21h07
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Vanuatu
Foto:Maristela Colucci |
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89° dia de Expedição - 27/07/2008 - Vanuatu
Olá a todos. Faz quase uma semana que estamos aqui em Port Vila. Por incrível que possa parecer ainda não nos recuperamos plenamente..... acho que o problema é mais mental do que físico, se bem que a Maris fez cara feia ao nos ver chegando bem magros. Já demos a volta na ilha e o que mais nos surpreendeu foram os habitantes. Não encontramos uma pessoa que não nos falasse oi ou desse um aceno com a mão! Depois de passar dois dias comendo e dormindo, voltamos ao barco para avaliar tudo, pensar e ver quais seriam as soluções. Para extrair os pedaços de parafusos que estão dentro do casco é preciso desmontar o barco, o que implica tirá-lo da água. O único estaleiro da região que pode nos tirar da água não pode nos ajudar antes de segunda-feira. Já tiramos o mastro para adiantar o trabalho, mas fica impossível estabelecer um cronograma agora, pois antes de desmontar o barco não é possível saber a gravidade da quebra. Qualquer que seja o conserto, o barco nunca será tão forte como antes, pois ele ficou dois dias trabalhando de mau jeito e isso deve ter fragilizado o barco inteiro. Às vezes me pergunto o quão seguro é, para nós, voltar a navegar em alto mar com este barco..... Por isso decidimos consertar da melhor forma que pudermos e ir até a Nova Caledônia, que é perto daqui, e lá avaliar a capacidade do barco de continuar a nos transportar com segurança. Estou estudando muito a nossa situação com o Pierre, porque agora sabemos que o barco não pode mais agüentar tempo forte. Temos uma perna de quase 800 milhas da NC à Austrália e todos sabemos que não é fácil ter 6 dias consecutivos de ventos moderados e favoráveis. Fico lembrando da noite antes de chegar aqui, quando achamos bom preparar a balsa salva-vidas. Fazer isso é uma experiência que não desejo a ninguém, é uma coisa que te faz compreender realmente que a situação quem sabe chegou longe demais. Felizmente não tivemos que usá-la, mas até quando vamos ter esta sorte? O que VOCÊS acham??? Abraço a todos,
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No fio da navalha
Foto:Maristela Colucci |
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87° dia de Expedição - 25/07/2008 - No fio da navalha
Amigos, caros amigos, desta vez foi por pouco que o barco não foi para as cucuias, literalmente.
Vocês devem estar se perguntando: ué, esses dois malucos não deviam estar em Île des Pins, na Nova Caledônia? Como foram parar em Vanuatu, como escreveu a Maristela?
Como falava no meu último diário, o vento estava vindo de frente e o mar, de lado. O barco pulava muito, as ondas cresciam e quebravam na lateral, forçando-o, e ele trabalhava de um jeito que eu não estava gostando. Pois bem, faltando ainda dois dias para chegar na Nova Caledônia novamente o parafuso da travessa frontal quebrou, deixando somente um parafuso para segurar um dos cascos no meio daquele mar que só piorava. Logo percebemos que o barco não ia agüentar mais velejar naquela direção, então consultamos as carta náuticas no nosso notebook e procuramos onde parar velejando naquele ângulo, com vento de popa. A única opção era Port Vila, em Vanuatu. Bom, ainda bem que tínhamos alguma terra na nossa única opção de caminho... Mas ela estava a 250 longas milhas de distância... Dois dias em um ritmo lento, porém mais seguro.
Diminuímos as velas e começamos a velejar para cá sem saber nada sobre este lugar tão remoto. A Maris e a Debora, minha esposa, estavam saindo de São Paulo para nos encontrar na Nova Caledônia quando foram avisadas sobre as mudanças dos planos. Depois de tantas quebras, mau tempo, cronogramas alterados por burocracias, a viagem novamente está sofrendo outro atraso, que sina. Um bom sinal quem sabe para evitar situações piores, mas o fato é que ficamos muito desanimados e muito inseguros em relação ao barco.
Durante a noite deixamos o Bye Bye Brasil bem lento, com pouca vela. Passei uma das piores noites da viagem, pois sabia que se rompesse o outro parafuso estaríamos em uma situação de muito risco, com sérias chances de perdermos o barco. Fiquei na minha barraca ouvindo todos os barulhos, criando outros e imaginando como seria perder o barco.
No outro dia o vento aumentou um pouco e o mar também, nos forçando a velejar em um dos bordos com o mar um pouco de lado, e foi nesta hora que uma enorme onda estourou na lateral do Bye Bye Brasil, produzindo um enorme barulho. Imediatamente senti o barco ficar solto, todos os cabos de aço que sustentam o mastro afrouxaram e o Igor deu um pulo para ver o que tinha acontecido na travessa frontal. O outro parafuso também estava quebrado e a travessa correu uns 20 centímetros para o lado. O barco estava preso somente pelo cabo de spectra e a qualquer momento tudo podia ruir. Igor rapidamente amarrou um cabo no estai frontal para dar um pouco de tensão. Diminuímos as velas, tiramos a buja e esperamos o pior, pois ainda faltavam mais de 100 milhas para chegar.
A tarde se arrastou e quando começou a anoitecer realmente nos preparamos para o pior: um pedido de resgate, caso tudo quebrasse. Tiramos a balsa salva-vidas para fora e deixamos todos os equipamentos de emergência à mão.
À noite ficamos de plantão, com lanternas na mão, conferindo os outros parafusos que ainda sustentavam o lado oposto da travessa frontal. Os barulhos eram horríveis, cada hora aparecia algum som diferente, ou pelo menos parecia diferente, uma sinfonia macabra. A mente lutava entre dar espaço ao pior ou ser otimista e acreditar que era possível se arrastar até Port Vila.
Felizmente o vento e o mar caíram muito, deixando para nós uma esperança. Poderíamos chegar se o vento não aumentasse. Foi o que aconteceu e, por volta das 10 horas da manhã começamos a ver a ilha. Chegamos às 16:00 h debaixo de um pé d'água, rebocados por um veleiro americano que entrava na Baía de Port Vila. Felizes e aliviados, conseguimos salvar o barco. Dupla felicidade, pois reencontrei minha mulher e a Maris, que chegaram na mesma hora. Cumprimos todas as burocracias e estacionamos o catamaran no Iate Clube.
Estes foram os piores momentos da minha vida em um barco. Não corremos risco de vida, mas o barco escapou por muito pouco; é quase um milagre estarmos com ele aqui. Agora temos um desafio enorme pela frente, que é consertar o Bye Bye Brasil e seguir viagem para a Austrália.
Volto em breve para contar o que vai acontecer. Desculpem-me por não ter dado noticias antes, mas precisava de 48 horas sem fazer nada, somente descansando.
Abraço,
Beto Pandiani
Sexta-Feira, 06h34
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Nota rápida
Foto:Maristela Colucci |
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84° dia de Expedição - 22/07/2008 - Nota rápida
Chegamos a Vanuatu ontem. Beto e Igor, muitos dias de mar depois de partir do Tahiti, com as escalas imprevistas que vocês acompanharam por aqui. Eu, muitas horas de vôo - e escalas previstas! - depois de partir de São Paulo. Conectados pelo telefone satelital, eu estava numa corrida louca para tentar pegar a chegada deles a Port Vila. Quarenta minutos me impediram. Do aeroporto me dirigi imediatamente ao porto, onde avistei o Bye Bye Brasil ancorado na bóia de quarentena de Vanuatu, onde eles receberam a visita dos oficiais locais. Correndo, consegui posicionar-me no yacht club e registrar a vinda deles desta bóia para a praia. Encontrei-os mais magros, abatidos, muito felizes e aliviados por chegar a salvo depois de tumultuados acontecimentos, que eles mesmos contarão a vocês aqui. Abraços, Maristela Colucci Terça-Feira, 22h57
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Pulando como cabritos
Foto: Igor Bely |
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81° dia de Expedição - 19/07/2008 - Pulando como cabritos
Depois de amargar um dia e meio com fracos ventos e baixar a nossa maravilhosa média, o vento voltou, mas voltou na direção mais incômoda para um veleiro, meio na cara. Temos que conviver com as ondas na cara, esguicho de água salgada e tudo o mais que está totalmente úmido ou molhado.
O bilhete para Île des Pins, nosso destino na Nova Caledônia, está caro. Fico preocupado com o barco, que não pode mais quebrar. Ontem voou para o mar a nossa última bussola, agora velejamos pelo GPS e pela direção do vento e posição do sol.
Faltam apenas 350 milhas, mas a ansiedade está grande. Escrever aqui para vocês é muito difícil, pois a cada onda o barco sobe e desce e eu acabo digitando errado, fica parecendo o samba do crioulo doido. Mas estamos animados e com ótimo astral.
Quando chegarmos, conto tudo com detalhes.
Acompanhem nossa chegada pelo mapa e torçam, pois precisamos de pensamentos positivos.
Um abraço
Beto Pandiani
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Blog duplo: Igor e Beto :-))
Foto: Igor Bely |
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55° dia de Expedição - 23/06/2008 - Blog duplo: Igor e Beto :-))
Lá se foi a última noite de verdade, o último café da manhã decente, as últimas horas em que a gente pode estar sentado sem ter que usar uma das duas mãos para se segurar.
Ontem passamos 3 horas trabalhando no barco para acertar os últimos detalhes. Pequenas coisas que só podem ser ajeitadas um dia antes ou no dia mesmo da saída, não sei porque, mas é assim!!! Hoje só falta encher algumas garrafas de água, acabar de fechar as nossas malas pessoais e comprar as frutas para que o BBB e seus dois tripulantes estejam prontos para voltar ao mar.
Ontem à noite falei com o Pierre, ele me disse que devemos ter ventos favoráveis durante pelo menos 4 dias. Se isso for confirmado vamos andar bem e possivelmente passaremos das ilhas Cook em menos de 5 dias.
São mais de 2500 milhas em linha reta..... será a mais longa das nossas travessias! Lembro que quando partimos de Viña Del Mar para Rapa Nui eram 2200 milhas e saímos de lá com muita apreensão, quase com medo, poderíamos dizer. Desta vez não, nada de medo, é quase como se estivéssemos saindo para uma velejada de 1 ou 2 dias.
A nossa rota começa com 700 milhas com rumo 270 graus até passarmos por cima das ilhas Cook, depois temos que mergulhar um pouco, outras 700 milhas, para passarmos debaixo do arquipélago de Tonga e finalmente 1000 milhas de novo com rumo 270 graus para chegar na Nova Caledônia. FÁCIL. Com certeza vamos ter alguma surpresa durante a travessia, alguma coisa imprevisível, mas torna o que a gente está fazendo uma aventura de verdade!
O que sim, temos certeza, é que vamos ter que brigar com o sol durante 3 semanas. Temos toneladas de protetor e 2 guarda-sóisl que esperamos poder usar nos dias de pouco vento.
Prometo que o dia em que a gente usar o guarda-sol no meio do Pacífico eu mando uma foto!!
abraços a todos
Igor Bely
Ontem, domingão, foi dia de pizza aqui também. Aliás, testamos muitas pizzas pelo caminho. Já de saída de São Paulo, no ano passado, quando rebocávamos o barco, paramos na BR 101 para comer uma pizza de strogonoff, depois vieram as pizzas em Con-Con, Ilha de Páscoa, Mangareva (Atomic Pizza, ao lado de um antigo abrigo nuclear), em Fakarava e em Papeete.
Estamos reunidos aqui em Moorea na casa de um novo amigo, o Jean Pierre, um velejador de hobie cat que ficou sabendo da viagem pela mídia local e entrou em contato conosco via e-mail oferecendo-se para nos hospedar. Não sabemos mais o que fazer para agradecer tamanha gentileza, apoio e carinho.
Sábado de manhã saímos de Papeete e cruzamos para Moorea logo antes do meio dia. Finalmente o Tahiti ficou para trás, e saímos com todas as honras, pois um barco da marinha francesa nos acompanhou até a saída dos recifes levando o cinegrafista Dudu, que estava a bordo para documentar. Com vento favorável e sol voltamos a navegar no Bye Bye Brasil. Ufa! Depois de um mês, já ficamos enferrujados.
A nossa estadia em Papeete foi mais uma vez no Sofitel, graças ao nosso amigo Steeve Morin. Muito obrigado, Steeve, e beijos para a Sandra e a Camilla. Nos dois dias em Papeete aproveitamos para fazer as últimas compras, reforçamos a despensa e ainda compramos dois guarda-sóis. Não agüentei e comprei também uma poltrona inflável! Não sei direito para que, mas pode ser boa para sentar em cima do trampolim em dias mais calmos. Vai ficar engraçado este Bye Bye Brasil, com cadeiras de plástico, guarda-sol e poltrona inflável de piscina.
Falamos com o Pierre, nosso meteorologista, e temos excelentes condições para sair hoje. Esta semana está especialmente boa, com ventos de sudeste- leste todos os dias variando de 17 a 12 nós. Não podia ser melhor. Vamos passar ao largo de Bora-Bora, e depois de uns cinco dias chegaremos no través das Ilhas Cook. Esta será a maior etapa da viagem, temos 2.500 milhas (4.500 km) até Nova Caledonia, que fica distante 800 milhas da costa da Austrália. Vocês vão poder nos acompanhar por esta longa travessia de aproximadamente 20 dias.
Agradeço a todos que nos ajudaram a chegar até aqui.
Nos vemos todos os dias aqui no nosso blog.
Um grande abraço
Beto Pandiani
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Recomeçar a contar o tempo
Foto: Maristela Colucci |
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53° dia de Expedição - 21/06/2008 - Recomeçar a contar o tempo
Amigos da travessia, acordem, aí no Brasil são três horas da manhã, mas aqui ainda são oito da noite. O Bye Bye Brasil está pronto para partir neste próximo sábado, dia 21 de junho.
Não é mentira, estou com o meu visto para a Austrália na mão para a Nova Caledônia também. O que aconteceu é que depois de alguns dias parados por aqui resolvemos voltar ao Brasil para tirar os vistos em São Paulo e ainda assim fomos vítimas das burocracias consulares. Não posso reclamar, pois ainda assim fomos bem atendidos. O que eu não esperava era voltar ao Brasil e deixar o barco em Papeete, flutuando no píer da marinha.
Chegamos aqui no dia 18 à noite e nos dois dias seguintes nos dedicamos a deixar o Bye Bye Brasil pronto para partir novamente. Depois de alguns dias no Brasil dormindo muito bem, me peguntei: Por que não tenho um travesseiro no barco? Que tolice não ter pensado nisso antes. Pronto, agora já temos dois travesseiros a bordo. E por que também não ter um guarda-sol para nos proteger do calor? Amanhã antes de sairmos vou comprar um. Como vocês podem perceber, o barco está ficando avacalhado. De um barco high-tech ele vai lentamente se transformando em uma casa flutuante, com cadeiras, quarda-sol, colchonetes, travesseiros, varal... e assim vai.
Papeete continua a mesma, muito calor, chove bastante, muito trânsito, muitos veleiros e muita vida nas ruas do centro. O barco, por ter ficado vários dias parado, está muito sujo. Os cascos estão impregnados de algas marinhas. Amanhã, em Moorea, vamos pular na água para esfregá-los e deixar o BBB lindo novamente. Para a nossa saída teremos todas as honras da casa: a marinha francesa vai nos acompanhar até a saída de Papeete, levando a bordo o Dudu, que vai filmar o petit bateau rouge. Está convidada também a imprensa local. O Bye Bye Brasil está bem famoso por estes lados.
Com esse atraso todo de quase trinta dias nós encontramos uma maneira de compensar, mas que vai nos custar bastante. Vamos velejar de Moorea, que fica a apenas quinze milhas de Papeete, até a Nova Caledônia. Serão 2.500 milhas direto, mais do que a distância entre Viña del Mar e Ilha de Páscoa, nosso maior percurso até então. Esperamos chegar em vinte dias. Vai ser um grande desafio velejar tantos dias sem parar. O que pensar, o que fazer com tanto tempo disponível? Que situação inédita, pois vivendo em um mundo onde as pessoas não têm tempo para nada, onde tempo virou um bem tão valioso e raro, estamos aqui diante de um desafio: O que fazer com o tempo?
Estou levando comigo três livros, um deles é o novo livro do Torben Grael que foi escrito pelo meu amigo Murillo Novaes e conta a história da regata volta ao mundo, a Volvo Ocean Race. Espero que tenhamos boas condições de mar e eu consiga ler.
Fizemos um reforço na comida. Compramos cositas diferentes, entre elas várias latas de peixe em conserva. Já que não conseguimos pegar nada no mar, vamos de lata. A nossa isca já nadou mais de cinco mil milhas e nada. Ela nada, nada e nada!!! Que destino, comer peixe enlatado com tanto peixe debaixo de nós. Pois é, a vida é assim, irônica. Muito peixe, mas ao mesmo tempo nenhum; muito tempo e nada para fazer com ele. Talvez seja este mesmo o segredo. Deixar o tempo se encarregar do que vamos fazer e se vamos comer enlatados ou não.
Música: Tom Jobim
Prato do dia: Ratatouille
Beto Pandiani
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Tahiti, impressões
Foto: Maristela Colucci |
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37° dia de Expedição - 05/06/2008 - Tahiti, impressões
Vindos do atol de Fakarava, numa rápida travessia de 2 dias, Beto e Igor encontraram na praia do Hotel Sofitel, em Papeete, além da equipe e da imprensa local, sorridentes dançarinas polinésias. Tratava-se de uma recepção calorosa e extremamente espontânea das funcionárias do hotel - do pessoal da lavanderia e camareiras às atendentes do restaurante, estavam quase todas lá, cantando, dançando, celebrando os bravos velejadores. Durante nossa estada no hotel - um dos apoiadores do projeto -, recebemos tratamento especial, pontuado por uma intimidade não disponível aos demais hóspedes. Foi assim que travamos um contato não usual com os taitianos, um povo de sorriso fácil, mas ao mesmo tempo gênio forte, guerreiros que são na sua essência.
Com uma pequena pausa na expedição por questões burocráticas, pudemos explorar um pouco a ilha-símbolo da Polinésia Francesa.
Papeete fervilha de carros, motinhos e trucks - os ônibus locais, estilo "jardineira" - e, inacreditavelmente, há trânsito por aqui. Mas Papeete é apenas, digamos, um "bairro" do Tahiti. A ilha reserva surpresas para aqueles que se dispõem a sair do centro e explorá-la de verdade. Há picos com mata bastante densa, uma das ondas mais famosas no mundo - Teahuppo -, o singelo Museu Gauguin e ainda um admirável jardim botânico onde se destacam as flores de Lótus.
Voltando a Papeete, temos o Museu da Pérola e uma igreja protestante com um culto interessantíssimo aos domingos, quando as mulheres comparecem em peso com seus trajes e chapéus brancos, além do tradicional mercado central. Ali, vende-se de tudo um pouco, desde comida - peixes, carnes e produtos regionais como a fruta rombutan, fava de baunilha e o tubérculo taro - até os coloridos pareôs, passando por todo tipo de souvenir, sendo o óleo Monoi (para corpo e cabelos) o mais típico.
Três curiosidades:
- na antiga cultura polinésia o primeiro filho de uma família era criado como mulher, tivesse ele nascido menina ou menino. Assim, seguindo a crença de que o primogênito devia cuidar da casa e da mãe, surgiam os mahus, homens afeminados ("terceiro sexo") muito bem aceitos na sociedade daquela época. Acreditava-se inclusive que eles eram seres superiores, por possuir as virtudes de homens e mulheres. Hoje, infelizmente os mahus estão associados à prostituição e são mais comumente identificados como raeraes (travestis).
- Tiare é a palavra taitiana para designar flor, mas é também como todos se referem à Gardenia tahitensis, a florzinha branca que é endêmica do Tahiti. Ostentar uma flor - normalmente gardênia ou hibisco - atrás da orelha é uma tradição para este povo. As mulheres comprometidas usam-na do lado esquerdo e, as solteiras, do direito. Já os homens costumam usá-la com as pétalas fechadas, numa atitude mais masculina. Os colares de boas vindas também são feitos com essas duas flores. Beto e Igor ganharam tantos ao chegar aqui que quase sufocaram.
- a tatuagem acompanha a vida dos polinésios desde os primórdios. No início, era tida como um talismã que trazia proteção e poder ao usuário. Sua confecção era um ritual do qual participava toda a comunidade, em celebração, evocando bons fluidos ao tatuado. Sim, era feita com materiais arcaicos, como dente de tubarão e machadinha, entre outros. Quem gosta do assunto não consegue passar incólume por estas paragens... Da nossa equipe, só escapou o Betão!
O Bye Bye Brasil ganhará o mar novamente em poucos dias.
Até breve,
Maristela Colucci
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Atraso em Papeete
Foto: Maristela Colucci |
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22° dia de Expedição - 21/05/2008 - Atraso em Papeete
Viagens como a Travessia do Pacifico requerem um certo planejamento e bastante pesquisa. Antes de partir para o mar em um barco sem cabine, muita coisa tem que ser pensada. O grau de riscos de uma viagem está ligado ao nível de detalhamento a que se consegue chegar. Temos que tentar prever o que é quase impossível de imaginar... Mas o imponderável é algo inerente à vida, então nos lançamos ao nosso empreendimento prontos para lidar com o que vier pela frente.
Para viajar com segurança é preciso um bom suporte de meteorologia, tecnologia de ponta, procedimentos de segurança, experiência, um bom time, e por aí vai. O Igor e eu começamos a falar sobre esta viagem no meio de 2005 e, de lá para cá, o projeto foi nascendo e a cada dia novos fatos foram sendo levantados. Assim, fomos imaginando situações e criando soluções para minimizar os riscos. A Maris entrou no projeto não só como fotógrafa, mas também como chefe da equipe de terra. Ela é uma pessoa muito ligada e está a todo minuto fazendo observações muito relevantes.
Pois bem, chegamos em Papeete, no Tahiti. Nada mal, já velejamos 5 mil milhas e tudo está indo bem, apesar das quebras e atrasos no cronograma - ou por falta de vento, ou por mal tempo. Isso nos dá uma auto-confiança muito grande, pois já fizemos mais da metade da viagem, sem nenhum acidente.
Na sexta-feira passada, dia 16 de maio, a Maris teve um estalo e foi pesquisar algumas coisas sobre nossas próximas escalas. E apareceu dizendo ter descoberto que a Nova Caledônia, território francês, exige visto para brasileiros, e que ela não sabia ainda como íamos conseguir o visto no Tahiti. O pior: o programado era tirar o visto para a Austrália na Nova Caledônia. Ou seja, numa sexta-feira à noite, descobrimos que poderíamos ter que parar a viagem por problemas burocráticos que poderiam ter sido evitados caso soubéssemos que precisaríamos deste visto francês. Por exceção, o único território francês que exige visto para brasileiros é a Nova Caledônia. Resumo da ópera: vamos ter que esperar 10 dias os vistos saírem para prosseguirmos viagem.
Mas as coisas não acontecem por acaso; tudo tem um porque, na minha opinião. Na semana passada dei uma olhada na previsão meteorológica para Tonga, Fiji e Nova Caledônia e percebi o quanto a meteorologia está esquisita por lá. Muito vento contra e forte, e ainda na semana retrasada houve um furacão passando pela região. A estação dos furacões está no final, já não era para ter mais tempestades na região, mas o clima anda tão maluco que este ano os ventos alíseos ainda não se restabeleceram. Dentro do nosso planejamento inicial, estaríamos na região justamente quando os ventos de leste e nordeste estivessem soprando favoravelmente. Como ainda não estão, esperar alguns dias não é um mal negócio. O Pierre Larsnier confirmou ao Igor que realmente as condições não estão normalizadas ainda, mas que daqui a alguns dias tudo deveria voltar aos eixos.
Imprevistos aconteceram em todas as outras cinco viagens passadas, e sempre soubemos entender o recado. À primeira vista a notícia cai como uma comida indigesta, depois tudo começa a se encaixar e finalmente entendemos o porque de tudo.
O barco está guardado na Marinha Francesa e pronto para zarpar assim que tudo for resolvido.
Um abraço a todos
Menu do dia: ratatouille
Música do dia: David Gilmour
Beto Pandiani
Quarta-Feira, 22h07
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Surpresa em Papeete
Foto: Maristela Colucci |
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19° dia de Expedição - 18/05/2008 - Surpresa em Papeete
Não dá para dar moleza com o vento, que ele apronta. Vínhamos chegando em Papeete, no Tahiti, onde tínhamos que estar pontualmente às 11:00 h porque teríamos jornalistas nos esperando na praia do hotel. Pois bem, durante a última noite vínhamos com ótima velocidade. Para não chegar no escuro, novamente baixamos as velas para segurar o Bye Bye Brasil, que estava mais que ansioso para chegar, tinha lá suas razões.
Quando amanheceu o dia o Igor e eu ficamos pensando em entrar e ficar parados dentro da barreira de corais esperando a hora certa para chegar. Bobeamos e entrou uma nuvem enorme anunciando mudanças no tempo. Não choveu, mas acabou o vento e nós, a apenas cinco milhas de distância, ficamos boiando e vendo o tempo passar. Com muito esforço nos arrastávamos a cada lufada de vento. Para ajudar, o vento ficou contra e a maré estava vazando, ou seja, quase não avançávamos. E a Maristela me mandando torpedos no telefone me dizendo que a imprensa local já ia chegar.
O Igor foi remar, pedimos carona, mas nada adiantava muito. Até que depois de algum tempo já dentro da barreira um casal de americanos foi sensível e nos deu um reboque de alguns preciosos minutos, nos deixando perto do hotel. Dali para frente, remamos, rezamos por rajadinhas e acabamos chegando 45 minutos atrasados. Tudo bem, nada mal... Quando olhamos para a praia, já exauridos por causa do calor e do cansaço, vimos umas 20 mulheres taitianas vestidas a caráter dançando na praia e nos esperando. Foi muito emocionante chegar com uma recepção tão linda como aquela.
Encalhamos o Bye Bye Brasil na praia e mal pisamos na areia uma enxurrada de fotógrafos e câmeras vieram para cima de nós. As taitianas nos saudaram colocando vários e vários colares de flores nos nossos pescoços, de tal forma que mal dava para olhar para frente. Eu devia estar parecendo um coqueiro com os meus 1.98 de altura. Elas dançaram para nós, numa cerimônia muito amorosa e graciosa. Depois respondemos aos jornalistas e enfim pude reencontrar a Debora, a Maris e o Pepe.
Almoçamos com o Steeve Morin, o diretor do Sofitel, que foi muito gentil conosco. Depois de tudo, um banho de água doce.
Estes dias aqui em Papeete serão dedicados à manutenção do barco. Na próxima segunda-feira partimos para a estrada novamente. Vamos para Moorea, Raiatea e Bora Bora, dizem, o paraíso na terra.
Quero agradecer ao Sofitel pela estadia, ao Steeve, à Sandra, sua esposa e à linda Camila, a filha do casal. Hoje eles são aqui a nossa família. Muito obrigado a minha querida "irmã" Maristela, que sempre vai à nossa frente preparando a nossa chegada e muitas surpresas. Um muito obrigado ao especial Pepe, sempre de bom humor e fazendo um trabalho incrível. À Debora pelo carinho e a importante presença aqui na nossa chegada.
O Igor e eu estamos especialmente muito felizes, pois chegamos ao cronograma do ano passado. Devíamos ter terminado a viagem aqui, mas com a quebra da travessa encurtamos a etapa em 2007. Aqui, "pagamos" o que devíamos, agora vamos ganhar milhas para oeste, na direção da Austrália.
Um grande abraço
Beto Pandiani
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Fakarava, dias e noites.
Foto: Igor Bely |
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13° dia de Expedição - 12/05/2008 - Fakarava, dias e noites
Fakarava foi um lugar mágico e inesperado. Nunca havia parado em um atol, salvo o Atol das Rocas, na costa do Brasil, que é muito pequeno se comparado a este. Você olha o dia todo para uma lagoa enorme sem fim; é impossível ver o outro lado. Suas águas
vão de um azul esmeralda até um azul mais profundo, mas sempre com muita transparência.
A vila está situada numa estreita faixa de terra. Há uma rua bem pavimentada que vai de norte a sul. Lá vivem mais ou menos duas mil pessoas e a principal atividade do atol é o turismo de mergulho. Quem gosta de mergulhar não pode deixar de ir a Fakarava. Como todos os lugares que visitamos, Fakarava é um lugar caro e com poucos recursos. Frutas nos mercadinhos é coisa rara, o único restaurante só abre três vezes por semana à noite. E tudo fecha muito cedo, pois a vida nos Tuamotos é para ser vivida de dia, segundo eles.
Existem umas sete pousadas mais descoladas e um hotel mais luxuoso, o Maitai Dream, mas mesmo assim o serviço deixa a desejar. O lugar e as pessoas valem muito a pena. Fomos muito bem recebidos, mesmo com o episódio do roubo, que acabou com final feliz. A Maris e o Pepe foram roubados antes de nós chegarmos; levaram tudo: dinheiro passaporte, computador, máquina fotográfica. Os dois ficaram dois dias num super baixo astral, mas a polícia encontrou o ladrão e, devagarzinho, ele foi devolvendo tudo. Foi um caso raro, pelo que pareceu, e a comunidade local ficou muito constrangida.
Bom, pelo menos lá não havia a centopéia assassina. O que havia à noite era um barulhinho até bem alto que nos intrigava. Achávamos que era um pássaro morando no telhado ou no forro da pousada. Fomos saber que eram as lagartixas. Demos muita risada, pois nunca soubemos que lagartixa fazia um barulho tão forte. A verdade é que na última noite uma delas passou em cima de mim andando no teto e parou. Aí começou a fazer um barulho diferente, como um ronco. Pois é, a safada dormiu e ficou roncando em cima da minha cabeça. Estava só esperando ela cair na minha cara. Moral da história: perdi o sono e fiquei olhando a lagartixa dormir.
Partimos ontem às 10:00 h com vento bom e favorável. Estamos indo para Papeete, finalmente. A tarde foi tranqüila e a noite também. Agora são 6:30 da manhã e faltam 130 milhas do total de 250. Vamos continuar andando bem se o vento se mantiver. Pela primeira vez na viagem temos a companhia de outro veleiro, que está avançando paralelo a nós, indo provavelmente para o Tahiti também.
Um abraço a todos.
Trilha sonora: David Gilmour
Prato do dia: frango com cereais e purê de batata
Beto Pandiani
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Bye Bye Brasil na lagoa. Atol de Fakarava.
Foto: Maristela Colucci |
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12° dia de Expedição - 11/05/2008 - Mergulhando em Fakarava
Aqui estamos no sexto dia de estadia em Fakarava e já nos preparando para sair de novo ao mar.
Sexta à noite organizamos, com a ajuda da prefeitura, uma palestra no campinho de esportes aqui do lado da nossa pousada. Falamos sobre a nossa viagem pelo Pacífico e também sobre o fato de só termos energias limpas (solar e hidráulica) no nosso barquinho. Isso os interessou muito, pois nos últimos anos o governo local está incentivando bastante o uso de energias limpas. No final, saímos do palco para dar lugar ao que deveria ter sido a cerimônia da nossa chegada e que afinal não deu certo porque chegamos à noite: 20 músicos e bailarinas dando um show tipicamente local.
A Maristela e o Pepe aproveitaram estes dois últimos dias menos corridos para me levar mergulhar com eles. Os mergulhos acontecem perto das passes porque é onde ficam os grandes peixes e tubarões. Aqui o fundo é coberto de corais que abrigam milhares de peixinhos multicoloridos. Hoje fizemos um mergulho no qual nos deixamos levar pela correnteza que entra no atol. Não é necessário bater perna, pois a corrente te leva e você vai passando entre montanhas de coral. A sensação é de estar voando e, se a gente levanta a cabeça, vê no contra-luz dezenas e dezenas de tubarões esperando que algum peixinho dê uma bobeada (eu não sou peixinho!!).
Amanhã de manhã partimos para o Tahiti. São 250 milhas e a previsão é de ventos fracos... Lá vamos nós de novo boiar e torrar no meio do Oceano Pacífico.
Igor Bely
Domingo-, 04h53
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Entre as crianças.
Foto: Maristela Colucci |
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9° dia de Expedição - 08/05/2008 - Entre as crianças
Ouvi dizer que aí no Brasil está frio, pelo menos no sul do país. Vocês não imaginam o quanto este lugar é quente, mesmo com o ventinho do mar se ele parar, vamos assar. Ontem foi o dia das crianças aqui no atol, pois o trabalho da escola da turminha era sair da sala de aula e ir com os professores visitar o Bye Bye Brasil. Colocamos o barco estrategicamente em uma pequena praia para facilitar o acesso.
Olha, dá uma satisfação poder mostrar algo tão diferente para uma criança. Dá para ver nos olhos a excitação, a curiosidade e, vai saber que sonhos podemos despertar dentro dos corações daqueles seres. O Igor logicamente conduziu as respostas às perguntas que elas iam nos fazendo e elas, por sua vez, iam anotando tudo para o trabalho escolar. Dá vontade de fazer algo com crianças quando voltar ao Brasil, principalmente porque nossas crianças andam tão carentes de carinho, respeito e educação.
O barco a vela abre um espaço para a educação ambiental na cabeça dos pequenos. Queremos salvar o planeta, então vamos educar quem está chegando, pois só uma nova consciência pode mudar o rumo em que estamos indo.
Não sei se já contei a vocês, mas Fakarava é patrimônio da Unesco, e existe uma forte consciência de preservação dos corais por aqui. A comunidade local, ao tomar conhecimento da nossa presença aqui, nos convidou a fazer uma palestra na próxima sexta-feira para toda a população e também para os hóspedes de todos os hotéis, que serão convidados. O Igor e eu não somos ambientalistas, digo, tecnicamente, mas como o barco tem muitas soluções de energia usando apenas recursos da natureza - como energia solar, do vento e o próprio movimento o barco -, isso chamou a atenção de todos. Que bom que está dando esse tipo de resultado, pois ao invés de ficar pregando isso ou aquilo, é melhor mostrar que com imaginação e criatividade podemos encontrar muitas soluções para a nossa vida moderna.
Hoje o dia foi dedicado a uma pequena exploração pelo atol. Com a Maris e o Pepê a bordo navegamos para o lado sul durante umas duas horas, passando por lugares onde a água ia do verde turquesa ao azul mais profundo. Paramos em uma pequena ilha lá no meio do mar de dentro, um lugar com milhares de corais e muita vida marinha e pássaros. Lá mesmo fizemos um piquenique. Descemos na ilhota e nos deliciamos com umas latinhas de atum e cavalinha. A volta foi com vento mais forte e uma luz linda já no final da tarde. Amanhã a turma vai mergulhar no sul do atol, onde a principal atração são os tubarões. Como não sei mergulhar, vou fazer outra coisa. Calma Dona Ivonette, seu filho vai ficar em terra. Saudades, um beijo.
Trilha sonora: Buddy Guy.
Cardápio: Pizza. Acreditem, até aqui tem pizza delivery.
Abraço a todos.
Beto Pandiani
Quinta-Feira, 13h31
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Chegada a Fakarava
Foto: Maristela Colucci |
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7° dia de Expedição - 06/05/2008 - Fakarava com emoção
Dizem que a noite de Fakarava é muito agitada, a melhor de toda a polinésia francesa. Então, o Igor e eu decidimos chegar à noite, já direto no bafon! Não precisa muito para entender que estou sendo um pouco irônico, pois o pior horário para se chegar a um atol é à noite... Suas entradas são verdadeiras arapucas, com pedras por todos os lados.
Esta foi uma travessia de seis dias e meio, um pouco longa para as 750 milhas que percorremos: ficamos sem vento dois dias, sem piloto automático por duas noites. Se tem uma coisa que me deixa sem paciência é a falta de vento, ainda mais quando o sol castiga, o que tem sido uma constante aqui neste trecho do Pacífico. Alguns detalhes salvaram o bem-estar a bordo e como sempre estão ligados ao cardápio. Ganhamos do nosso amigo hospedeiro de Mangareva, o Bruno, alguns grapefruits, cocos, bananas e maçãs. Comer algo fresco é uma coisa mágica no nosso barco, e saborear umas bananas no fim de tarde é um momento de grande prazer.
Houve duas noites muito especiais nesta viagem, foram as noites com pouco mar e pouco vento, quando fiquei deitado na asa lateral do barco ouvindo música e olhando para o céu. Nunca havia olhado para o céu durante tanto tempo e tão relaxado. Com calma, pude ver passar vários satélites. Estrelas cadentes, foram centenas, em várias direções, tamanhos e brilhos com intensidades diferentes. As nebulosas de estrelas são espetaculares! E imaginar que o que conseguimos ver é o passado, e que talvez algumas destas estrelas não existam mais. Que imensidão é esta que torna o que achamos ser vasto, um oceano, por exemplo, uma gota de água no nada.
Não precisamos falar de religião para falar de Deus, mas vendo toda esta natureza que é regida por uma inteligência, fica difícil imaginar que tudo isto tenha sido feito para nunca compreendermos o porquê, quem somos, para onde caminha a consciência humana. Não é muito inteligente pensar que em uma simples vida consigamos alcançar a compreensão de tudo isso... Se muitas vezes nem conseguimos nos entender, quanto mais a vida. Bom, turma, como vocês estão vendo, estas questões acabam vindo à tona quando a gente tem tempo para ficar com a gente mesmo, e aqui o que não falta é tempo para reflexões.
Voltando ao último dia de viagem, começamos a ver coqueiros lá pelas 10 da manhã. É isso mesmo, coqueiros, porque terra aqui não tem, são corais a algum tufo verde. O atol é enorme, tem uns sessenta quilômetros de comprimento por uns vinte de largura. Vínhamos pelo Sul e nosso esquema de entrada era pela parte Norte, ou seja, passamos o dia contornando Fakarava em uma velejada memorável: navegamos bem colados na baixíssima fileira de pedras e corais que separa o mar de fora e a grande piscina verde do lado de dentro do atol. Ver o fundo do mar, os corais alaranjados do anel do atol, o verde do mar de dentro, os inúmeros pássaros tentando abocanhar os peixes voadores, essa foi a rotina do dia.
Com o decorrer do tempo o Igor e eu começamos a projetar a nossa chegada, que já não tinha mais como ser com a luz do dia. Para complicar ainda mais, ia coincidir com a maré vazante. Quando a maré vaza, a água sai do atol pela pequena entrada como se fosse um rio, com muita velocidade, provocando ondas e um mar cheio de rodamoinhos. Assim mesmo, fomos insistentes e continuamos. O vento caía de intensidade para em seguida voltar a soprar um pouco mais forte, nos deixando inseguros quanto à entrada.
Na parte norte do atol, já no final do dia, pegamos um mar muito atrapalhado por causa da forte correnteza e, depois de umas duas horas, chegamos próximo à entrada. O Igor, que fez uma navegação impecável, permanecia atento ao GPS e à carta náutica, me passando as coordenadas. E eu ia tentando arrancar a melhor performance do Bye Bye Brasil, fazendo-o navegar o mais rápido possível. No escuro, você passa a navegar mais com o sentimento e a sensibilidade, pois não tem referências visuais do vento nem das velas. Concentrei-me ao máximo e, pelas luzes de balizamento da entrada, avançamos. Quando chegamos a meia milha da entrada sentimos a força da corrrente e o Bye Bye Brasil começou a corcovear, pulando e lutando para vencer a força das águas que saíam de dentro do atol. De cima da asa, o Igor ia me cantando a velocidade pelo GPS: "Vai, Betão, estamos andando a meia milha por hora, agora caiu, estamos parando, não sei se vai dar, espera, agora foi para uma milha, caiu de novo, melhorou..." E assim ficamos uns vinte minutos lutando para passar por um lugar que venceríamos em minutos se as condições fossem mais adequadas. Mas os dois estavam muito apressadinhos para chegar e, de teimosos, temos muito. Ufa, passamos, foi quando vimos as balizas ficando para trás, e aí foram mais duas horas até chegar ao píer principal da cidade. Lá estavam a Maris e o Pepê nos esperando, fazendo a sinalização com lanternas. A alegria de chegar faz apagar imediatamente toda a dificuldade, que não foi pequena.
Para ficarmos mais animados: passamos a metade do Pacifico; estamos agora mais perto da Austrália do que da América do Sul. Vamos dar uma relaxada, mergulhar nos corais e produzir imagens lindas que vocês vão poder ver todos os dias. Não percam.
Trilha sonora da viagem: Eric Clapton. Muito bom depois de ler sua autobiografia a bordo...
Cardápio da semana, o campeão: Miojo lamen com atum em lata.
Um grande abraço a todos,
Beto Pandiani
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Nossa partida de Mangareva
Foto: Hervê |
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1° dia de Expedição - 30/04/2008 - Assando nos Trópicos
Bom dia, amigos, E la nave va, como diria Fellini.
Um sol de rachar cocos, também serve para assar girafas e moglies. Passadas as primeiras 48 horas a vida começou a voltar ao normal aqui no Bye Bye Brasil. Na primeira noite os nossos dois pilotos automáticos quebraram e acabou sobrando pra gente ficar no leme a noite toda. Claro que eu e o Igor ficamos cansados no outro dia e ainda tínhamos que continuar a velejar debaixo de um calor infernal. Sem fome, porque fiquei mareado, as coisas não ficaram boas. O dia foi longo e me perguntei que diabos eu estava fazendo da minha vida...
Mas nada como o tempo. Na parte da tarde o nosso superengenheiro Igor Bely se enfiou na toca dele e desmontou os dois pilotos, na tentativa de salvar pelo menos um. Depois de três horas o danado conseguiu e, para nosso alívio, pudemos sonhar com o iglu. E eu que já reclamei aqui no diário do sarcófago de girafas, entrei nele às 18:00h, quando o sol baixou, e só saí quando ele voltou a brilhar. Assim como os dias, as noites são longas, entrecortadas por sonhos e delírios. Nem sei dizer por onde ando, mas sonho em reencontrar meu amor Débora, meus amigos Maris e Pepê, chegar em Fakarava. Assim, a noite passa, olhando as estrelas que são infinitas e a lua que só chegou bem fininha lá pelas três da manhã, deixando o mar um pouco prateado. A água passa por baixo do barco, que anda e anda sem parar, às vezes mais, às vezes menos, e por onde a vista alcança vê-se água.
Este é um mundo controverso, pode-se ter a sensação de liberdade, como de aprisionamento, uma prisão cercada de água, ou uma ampla vastidão de espaço vazio para voar, navegar, delirar, sentir ou mesmo esquecer.
Hoje o Igor falou com o Pierre, nosso meteorologista, teremos bons ventos por dois dias, aí o vento vai cair um pouco, acho que vamos torrar. O Igor está neste instante lendo e eu parei meu livro para escrever. Leio a autobiografia do Eric Clapton, muito boa, principalmente para aqueles que estão perdidos com drogas e álcool.
Esperamos chegar em Fakarava no próximo domingo.
Dega, nosso querido e competente chefe de projeto em São Paulo, pode enviar o outro piloto automático. Obrigado.
Prato do dia: macarrão
Música: Spain tocada por Paco de Lucia, Al de Meola
Abraços,
Beto Pandiani
Quarta-Feira, 22h33 |