Yellowstone no inverno
da redação, Thiago Bahia
6 de janeiro de 2011 - 10:37
 
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Yellowstone, nos EUA, foi o primeiro parque nacional a ser criado no mundo. Em 1872, a simples ideia de se criar uma reserva ambiental para o mero uso público era algo um tanto absurdo. A ideologia da época pregava que terras eram nada mais que propriedades privadas a serem exploradas com fins lucrativos.

Para nós, aventureiros, ainda bem que a ideia pegou, pois logo surgiram mais parques nacionais como Yosemite, Sequoia, Grand Canyon e inúmeros outros ao redor do mundo.
Eu tive o privilégio de passar 4 dias nesse último Ano Novo, explorando essa jóia natural que é quase do tamanho da metade do estado brasileiro de Sergipe. Já havia visitado o parque no verão, mas agora é inverno e a região realmente se transforma radicalmente. A temperatura pela manhã gira em torno dos -15°C, isso mesmo, 15 negativos. Como diz a sabedoria dos aventureiros de carteirinha: "só passa frio quem não está preparado. Quem não leva o equipamento apropriado". Com isso em mente, eu já vim preparado para enfrentar qualquer parada nesses 4 dias. O que me surpreendeu mesmo foram as experiências que passei, para isso, não há preparação alguma que seja suficiente.
Nesse lugar pude presenciar o fenômeno chamado "Diamond Dust" ou "Poeira de Diamantes". Quando a temperatura chega em torno dos -20°C, a umidade do ar congela e ao invés de virar neve, o que podemos ver é uma maravilhosa chuvinha de micro cristais, que caem levemente ao chão. Os raios do sol, ao refletirem nesses cristais, fazem parecer que realmente o que está caindo é uma "poeira de diamantes". A palavra espetacular é pouco para descrever tal fenômeno.
Yellowstone no inverno é um lugar incrivelmente dramático. Cachoeiras congeladas, geysers lançando água fervendo a mais de 40 metros de altura, matilhas de lobos perseguindo bisões, águias carecas (bald eagles, a ave símbolo dos EUA) roubando o peixe recém pescado pela família de "otters" (Otters são primas das nossas ariranhas). A camada de neve espessa que cobre o parque é interrompida apenas pelas milhares de termas que existem por lá. Estas são tão quentes que não só derretem a neve ao seu redor, como também derretem rochas, formando piscinas naturais de lama que fervem e borbulham, emitindo um som único e um cheiro forte de enxofre no ar. As cenas que presenciei nestes últimos 4 dias parecem ter saído direto de filmes como Senhor dos Anéis ou qualquer outro que mostra cenas de um mundo mágico e alienígena.

Onde fiquei? O meu acampamento base foi proporcionado pelo pessoal do Yellowstone Expeditions. Este é o único acampamento permitido dentro do parque nesta época do ano em que tudo congela. Trata-se de cabanas chamadas Yurts. Esta é uma palavra de origem Mongol e são barracas feitas de Madeira e peles de animais. No acampamento base existe umas 12 Yurts, de mais ou menos 3 metros por 6 metros, que podem acomodar 1 ou 2 pessoas. Há também 2 Yurts maiores interconectados, onde se encontra uma cozinha e um refeitório. Estes 2 yurts servem como espaço social e comunitário, um lugar onde os residentes temporários dos pequenos Yurts, como biólogos, fotógrafos e aventureiros perdidos como eu, se encontram para tomar um chocolate quente, comer e contar suas estórias diárias. E uma atmosfera super aconchegante e acolhedora, gente de várias partes do mundo, porém com uma única mentalidade, de estar alí curtindo aquele lugar mágico e aproveitar cada instante.

Como se locomover no interior do parque? O modo mais rápido e comum é por meio dos "Snow Coaches". São vans de 12 passageiros que ao invés de pneus têm uma esteira circulante tal qual os tanques militares.
Há também os "Snow Mobiles" que mais parecem um jet-ski para a neve. O modo de transporte que eu mais usei foi o "Snow Shoes" ou sapatos de neve e também os esquis.

O parque do Yellowstone leva o apelido de "O Seringuete da América do Norte", pois abriga uma quantidade enorme de animais. Dentre eles vou ressaltar os mais impressionantes a meu ver:
Os gigantescos Ursos Grizlies, que podem pesar 500 kilos e medir de altura em torno de 4 metros. A população no parque: 600 animais.
Os Lobos selvagens, que podem pesar até 70 kilos. A população no parque: 100 animais.
Os Leões da Montanha, também chamados de Pumas, podem pesar até 100 kilos. A população no parque: 100 animais.

Com tantos predadores de grande porte soltos por lá, sempre levava comigo uma pistola calibre 45, uma vez que a legislação permite e eu agradeço.

São raros os encontros letais entre homem e bicho. porém no verão passado dois visitantes foram mortos por ursos dentro do parque. Um sofreu ferimentos graves e morreu em seguida. O outro foi consumido por inteiro por um urso Grizlie e somente suas botas foram encontradas. No inverno assume-se que os ursos estão hibernando. Mas meu guia, o Arden, diz que semana passada encontraram pegadas de Grizlies nos arredores do famoso geyser chamado Old Faithfull. O processo de hibernação nos Ursos se deve mais à disponibilidade de comida que às temperaturas baixas. Se há comida farta durante o inverno, alguns ursos optam por não hibernar. Como os rebanhos de alces e bisões são grandes e os lobos, vira e mexe, abandonam carcaças, sempre há comida para os ursos.

Uma noite, ao regressar para o acampamento base, demos de cara com uma matilha de lobos. O Arden a identificou como sendo a matilha de nome "A matilha do Canyon". Eram 5, sendo 3 deles negros. Estávamos dentro do Snow Coach e os lobos caminhando pela estrada. Passamos uns bons 20 minutos na presença desses caninos magníficos. Um deles chegou bem pertinho da porta do carro e nos olhou bem sério. Eles são grandes sim e impõem respeito, porém não me aparentaram essa fera terrível que Hollywood nos mostra. Contudo, não arrisquei abrir a porta para filmar.

Festejamos o ano novo nos Yurts comunitários, com direito a champanhe, vinho, carne de bisão e sorvete feito na hora pelo nosso guia e proprietário do acampamento, o Arden. Após a celebração, o Bill, um gringo lá de Minesota exclama: "Aí galera, quem quer ir esquiar?". Primeiro gargalhadas, pois pensávamos que ele estava brincando. Depois veio o silêncio, quando notamos que o convite era sério. Foi quando eu quebrei o silêncio e disse: "Se você está falando sério, eu topo!" Um outro lá se animou e disse que também iria. Depois, mais um outro... resultado, reunimos quase todos os residentes e, preparados com esquis, rádios e lanternas na cabeça, saímos rumo à escuridão. Éramos um grupo de 7. A trilha era por uma mata fechada e nós íamos em fila indiana. O termômetro marcava -17°C, não havia lua e eu só podia ver até onde o feixe da minha lanterna barata alcançava. Havia um bom espaço entre a pessoa na minha frente e a que vinha atrás. O silêncio era ensurdecedor, só mesmo quebrado pelo suave barulho dos meus esquis cortando a neve e o som da minha própria respiração. Por vezes pensei ter visto o vulto de um lobo pelo canto do olho. Já antecipava, na próxima curva, encontrar a mesma matilha que havia visto na noite passada, não tão distante dalí. No entanto, seguia em frente, sem medo. O medo precede a decisão. Quando decidi aceitar o convite do Bill, já tinha deixado o medo do desconhecido para trás. Dalí para frente só me restava encarar a decisão feita e seguir adiante, confiante no meu equipamento, minha condição física e conhecimentos adquiridos em quase 2 décadas de aventuras. Além do mais, Arden não iria nos deixar partir se realmente o risco de vida fosse alto. Terminamos o nossa jornada em 2 horas, sem quaisquer imprevistos. Eu, exausto e suado, mas com um sorriso imenso e ciente de que este talvez tenha sido o melhor ano novo de minha vida. Esquiando de noite, numa mata fechada, no meio do grande Yellowstone e porque não dizer também, cercado por lobos, entretanto, apesar de os não ter visto, algo me disse que eles estavam sim nos observando, curiosamente, à distância.
Infelizmente não tenho imagens noturnas pois a câmera que poderia levar na trilha não faz boas imagens no escuro, porém, como de costume, segue o vídeo resumo da aventura no Yellowstone.
Convido vocês para conhecer um pedacinho desse lugar incrível que visitei. Desculpem-me minha narração ser em inglês, o meu português anda um tanto enferrujado.
Um grande abraço a todos. Um feliz 2012, que este ano nos traga muita saúde, alegrias e aventuras também.
Thiago Bahia