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Namche Bazaar é uma concha onde todas as casas veem umas as outras. Casas simples mas de um colorido vivo e alegre. É um emaranhado de ladeiras, ruas e becos atravessados. Foi a desorganização mais organizada que já vi.
Namche é a água do degelo que corre na ladeira central fazendo barulho de cachoeira, é o pastor que empurra seus iaques ladeira acima aos gritos, é o porteador que se escora na calçada alta para descansar o pescoço, é o menino fardado que usa a mesma calçada para ver seu livro e atestar que não fez a lição de casa e pensar numa desculpa para o professor, é o vendedor escorado na porta a espera do cliente, é o escalador que entra na lojinha para procurar algum equipamento que esqueceu de comprar na cidade grande e se surpreeende por encontrar fácil, é o tilintar da marreta do artesão esculpindo a pedra para a construção, é o cachorro que silenciosamente teima em acompanhar o mochileiro ladeira abaixo e fica desconfiado quando o caminhante olha para ele, é o vendedor que abre a loja atrasado e corre para colocar as mercadorias na calçada, é o bando de iaques que sobe a ladeira tocando seus chocalhos avisando que a rua é estreita e a prioridade é deles, é o sol que chega de mansinho iluminando o cume das montanhas para só depois iluminar a base, é o helicóptero que quebra o silêncio trazendo alguns apressados que não gostam ou não estão com tempo para caminhar, é a gralha que mesmo parecendo assustada vem na calçada caçar grãos e restos de comida, é a loja de produtos originais com as últimas novidades em tecnologia surpreendendo a todos, é a lojinha “nós que fez” vendendo até autógrafo do George Mallory e se precisar ele manda fazer um do Edmund Hillary, é o turista que se arrasta ladeira acima ofegante que dá 3 passos e se escora nos bastões para respirar, é o caminhante que desce ladeira abaixo com olhar de despedida, é a nuvem que chega escondendo o sol e trazendo de volta o frio como se a noite estivesse voltando, é o estrume de iaque na calçada esperando que alguém o recolha para secar e usar como fonte energética, é o sapateiro sentado no chão que costura o solado de uma bota velha furada, são os iaque que curtem preguiça enquanto o dono fala no celular, são as duas mulheres de roupas multicoloridas que se encontram no meio da rua e conversam alegres e dão gargalhadas como se fossem ricas e de fato são porque sabem viver, é o escalador que volta do Everest e desce a ladeira melancólico, olha prá trás e vê tudo isso e tem a certeza da volta no próximo ano e se esforça para não esquecer estes detalhes pensando em escrever um artigo para compartilhar com os amigos, e na saída faz uma última parada no pórtico, olha para trás mais uma vez e faz duas fotos, baixa a cabeça e segue ladeira abaixo no rumo do destino que ele mesmo traçou.
Para quem gosta de lugar único, este é o lugar. Ah o endereço? Namche fica na esquina do mundo, um pouquinho antes do Everest.
Rosier Alexandre
www.rosier.com.br
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