Volta por cima rumo ao topo do mundo
Entrevista: Rafael Duarte
11 de abril de 2014 - 1:00
 
 
 
  • Foto: Ant�nio Carlos Soares
    Roman Romancini fez parte da primeira expedi��o brasileira a chegar ao cume do Aconc�gua no inverno (Aconc�gua Winter Summit), com Rodrigo Raineri, Vitor Negrete e Ant�nio Carlos Soares. Foto: Ant�nio Carlos Soares
  • Foto: Ant�nio Carlos Soares
    P�r do sol durante a expedi��o Aconc�gua Winter Summit. " Foto: Ant�nio Carlos Soares
  • Foto: Ant�nio Carlos Soares
    No Aconc�gua." Foto: Ant�nio Carlos Soares
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Roman Romancini fez parte da primeira expedi��o brasileira a chegar ao cume do Aconc�gua no inverno (Aconc�gua Winter Summit), com Rodrigo Raineri, Vitor Negrete e Ant�nio Carlos Soares. Foto: Ant�nio Carlos Soares

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Era um dia feliz como qualquer outro de treinamento. Roman Romancini, empresário de 39 anos, descia a estrada da Floresta da Tijuca após um pedal de preparação para a expedição de seus sonhos: o Monte Everest. Um obstáculo que quase tirou sua vida no pé da montanha o obrigou interromper os planos. Um carro entrou em seu caminho. A força do impacto mudou o rumo das coisas e o projetou para uma nova situação inesperada.

De lá para cá, foram três cirurgias, sendo duas ortopédicas e uma oncológica. Ele perdeu massa muscular e ganhou massa metálica: quase 1,5 kg de titânico. Duas barras intramedulares “que mais parecem um cabo de vassoura”, segundo o próprio, e dois parafusos maiores que seus dedos da mão.

Com este cenário, a maioria dos seres humanos teria desistido do sonho, esquecido a montanha, se deixado transformar por algo que o acaso apresentou. Mas Roman não é um ser humano qualquer. É um superhomem que serve de exemplo de caráter e de vida a amigos, colegas e familiares que o cercam. É o herói de Daniela, sua esposa, e de seu casal de filhos: Giulia e Vitor.

Neste dia último dia 06 de abril, Roman conquistou oficialmente uma de suas maiores glórias da vida: a recuperação plena. Foi o dia em que ele, mais forte que nunca, deu início à sua tão esperada saga ao topo do Everest (ele aproveitará a viagem e buscará o cume do Lhotse também).

Confira a entrevista com este montanhista com 22 anos de experiência e que deu a volta por cima para realizar seu sonho (com cobertura daqui do Extremos). Ele dará o primeiro passo já como vencedor. Mas, como de hábito, busca ir além.

Está chegando o dia deste desafio que espera realizar há muito tempo. Como você se sente na véspera da partida?

RR: Os dias que antecedem a partida são uma verdadeira confusão. Entre todos os preparativos, tanto no trabalho quanto em relação à expedição, e a panacéia de sentimentos, há uma grande confusão sentimental entre a ansiedade da ir e a dor de deixar para trás tudo que mais amamos. Partir sem duvida é a parte mais difícil de qualquer expedição!!! Mas como dizem: sonho sem ação é alucinação...

Você superou uma lesão séria que quase te tirou este sonho. De onde você sacou forças para não apenas se recuperar dos ferimentos, mas atingir sua melhor forma física para conquistar a maior montanha do mundo?

RR: Sem duvida, estar pronto para embarcar e no dia seguinte ter que recomeçar a partir de uma cama de hospital foi uma dura e dolorosa lição de vida. A família foi fundamental nesta jornada. Somos capazes de ir muito além que imaginamos. Não houve um dia sequer nestes últimos 3 anos que eu não acordasse e pensasse em meus filhos. Não conseguir suportar a idéia de não poder brincar com o Vitor e a Giulia. No minuto seguinte olhava para o espelho e dizia para mim mesmo: "Everest, mais um dia! Um passo de cada vez em sua direção." Não houve um dia sequer, mesmo nos mais desesperados momentos, que eu não desse esse passo a frente, por menor que fosse.

Em algum momento você achou que subir uma montanha nunca mais seria possível?

RR: Ainda na sala de emergência do hospital, o cirurgião que viria a me operar, após examinar as inúmeras imagens de Raio-X, me perguntou: "você corria?" Respondi que sim, para treinar para expedições. Descrente ele me disse que eu provavelmente nunca mais conseguiria correr. Agarrei-o pela camisa e disse: não só voltarei a fazer maratonas como escalarei as maiores montanhas deste planeta!

Não, nunca achei que não poderia mais escalar montanhas. Era uma questão de tempo e determinação. E eu tinha ambos...

Você faz fisioterapia há anos. Qual a importância deste acompanhamento para a sua recuperação?

RR: Todos deveriam fazer fisioterapia. Principalmente a preventiva. O Barrica ( Alyson Mateus) me colocou de pé novamente e o Cabra (Alessandro Sena) me botou para correr ultramaratonas. Sem eles nada disso seria possível. Foram literalmente centenas de horas com esses mestres. Cheguei a fazer 6 horas por dia para voltar a andar. Hoje continuo fazendo sempre que os treinos exigem um pouco mais.

Em que momento você se deu conta de que seu momento havia chegado novamente?

RR: Vim planejando este momento minuciosamente nos últimos anos. Precisei criar as condições adequadas no trabalho, de saúde, familiares, financeiras, enfim, um trabalho hercúleo de alinhar os astros. E as peças foram encaixando-se. Em dezembro, quando consegui realizar um grande projeto profissional, soube a que a janela de oportunidade finalmente havia chegado.

Como você se preparou física e espiritualmente para este desafio?

RR: Tem mais de 20 anos que venho construindo a competência para isso. Fisicamente não é muito diferente dos treinos de qualquer esporte de endurance (resistência), fases de intensidade, outras de volume outras de ambas. O acidente e o câncer me ajudaram muito no lado emocional e espiritual. Não sou a pessoa muito espiritualizada no sentido religioso, mas tenho as minhas crenças que certamente foram reforçadas pela dureza destes anos. Ter a Dani como companheira foi, é e sempre será a minha maior força espiritual. Mas não há segredo, somos capazes de tudo, para tanto basta querer o suficiente!

Qual a importância que a chegada ao cume nesta expedição tem para você?

RR: O cume é apenas metade do caminho! Importante é voltar para casa ! Depois da paternidade, certamente pisar nos cumes do Everest e Lhotse será de longe o maior desafio que já tive, principalmente considerando que a largada foi na cama do hospital. Sair da cama para o cume será sem dúvida a minha maior jornada.

Que lições você aprendeu com este seu período de reabilitação? Que dicas daria para alguém que passou por uma situação parecida e ainda sonha com a montanha?

RR: Foram inúmeras lições. Das mais profundas às mais pragmáticas, passando pelas óbvias que esquecemos sem perceber. Tive a chance de analisar a minha vida em todas as suas dimensões sob um perspectiva de perda total. Me perguntei qual seria meu legado, como pai, filho, marido, profissional, atleta, cidadão, amigo, etc... caso tivesse morrido. Obtive uma foto da realidade nua e crua. Em seguida me perguntei o que gostaria de ter deixado. Incrível como o dia-a-dia nos distancia dos nosso princípios e sonhos, mesmo sem percebermos. Tomei a decisão de corrigir tudo aquilo que não era intersecção entre as duas fotos. Seguramente está foi a maior lição.

Apenas um conselho: Love The Life you Live, Live The Life you Love !!!

O que você espera deste grande desafio?

RR: Por mais simplista que pareça, espero voltar inteiro. Sei dos riscos envolvidos e tudo que espero e ser capaz de continuar buscando desafios ainda mais interessantes.

Quando você voltar desta expedição, considerará que realizou o maior sonho da sua vida?

RR: A vida é deliciosamente cheia de surpresas e ainda tenho um longo caminho pela frente, sem falar na minha megalomania. Não posso dizer que será o maior sonho de uma vida, mas sem duvida uma grande realização até então.