Extremos
 
COLUNISTA PEDRO ALEX
 
Poesia do Equilíbrio
Texto: Pedro Alex
22 de agosto de 2014 - 15:11
 
 
Pedro Alex

Vou à Ouro Preto desde que me conheço por gente, no entanto, apesar de conhecer os encaixes mais meticulosos das pedras de paralelepípedos nas suas ruas, ainda sou tocado pela beleza ímpar dessa cidade. Minha sensibilidade insiste em querer traduzir numa linguagem poética esse choque de estética que é provocado pelo contrataste de sua arquitetura colonial destacada no fundo montanhoso. Essas montanhas que fizeram os melhores arquitetos equilibrarem casarões nas encostas, ao mesmo tempo que faziam um esforço enorme de fazer desse equilíbrio uma verdadeira obra de arte. Para mim é impossível não pensar Ouro Preto através desses três códigos: montanha-equilíbrio-poesia. Ouro Preto é a poesia do equilíbrio nas montanhas, em muitos sentidos.

A despeito da sua historicidade, creio que ainda existe todo um lado para ser descoberto dessa cidade, e toda uma poesia acontecendo pela sua beirada. Essa cidade poderia ser convertida facilmente na Chamonix brasileira, guardada todas as proporções. Seu entorno é o verdadeiro paraíso para quem gosta de trekking, hiking, trail running, escalada e mountain bike. Esse potencial ainda é pouco explorado por seus visitantes. Mas, a galera local já está mandando muito nos esportes outdoor. Fico muito feliz ao chegar e ver que está florescendo cada vez mais uma cultura de montanha. O festival OuroBoulder, de escalada, já é um sucesso, trazendo gente de várias partes do mundo para se dependurar nos desafios impostos pela natureza, literalmente conseguindo na unha acomodar o corpo num balé com as rochas. A prática do Mountain Bike é mais antiga e a muito tempo acontecem grandes competições na região, o que influenciou uma galera na prática desse esporte.

A despeito desses grandes eventos, o dia-a-dia da galera local é uma mescla da boemia estudantil com esportes outdoor. Aquela velha cultura underground que floresceu em algumas regiões do mundo, como o Yosemite e seus hippies escaladores, Chamonix e o alpinismo minimalista, floresce a seu modo nessas ladeiras. Aqui, a galera anda forte de bike, escala em alto nível e comemora tudo depois tomando uma cervejinha. Chamo de underground, pois, a energia que rola não é o exibicionismo de uma técnica, mas sim um jeito simples de se relacionar com a natureza, uma forma meio moleque de brincar nesse playground. Ou seja, algo que, de uma forma ou de outra, questiona sistemas fixos de regras, transforma a simplicidade em algo belo.

A beleza que outrora inspirou artistas na arte do equilíbrio para criar suas obras de arte, hoje inspira jovens de alma sedenta pela aventura a se arriscar numa verdadeira arte do corpo que o esporte ao ar livre proporciona. Assim que me sentia quando descia o downhill alucinante da trilha do visual. A poeira branca que marca com sutileza o caminho a ser seguido nos rock gardens da descida, muitas vezes, era a única referência para o olhar aguçado que busca o melhor caminho para fazer uma verdadeira arte do equilíbrio, em duas rodas. Qualquer erro pode te levar a provar o gosto dessa fina poeira nos lábios - o que provei, é claro -, mostrando que a falta de técnica nesse tipo de terreno pode custar caro. Mas, por outro lado, cada desafio superado, com o incentivo daqueles mais experientes, nos transportava diretamente para a infância, no qual viver era brincar no desconhecido. Como crianças, gastávamos tempo tentando acertar a linha de uma descida e comemorávamos cada acerto com a mesma alegria de quem ganha presente no natal. O esporte não era, apenas, aquela velha caretice que tenta segregar o prazer da prática por uma busca de superar limites com disciplina militar, mais que isso, era a liberdade de fazermos aquilo que mais amamos da forma mais simples possível e desprendida.

Andar de bike era como fazer poesia – liberdade pura. Por isso, não víamos problema nenhum em parar em Lavras Novas, no meio do treino, para tomar uma cervejinha bem gelada e comemorar o prazer de estarmos ali. De quebra, fomos recompensados com uma lua cheia gigante que auxiliava as nossas headlamps a iluminar o caminho, deixando tudo mais bonito. Aliás, beleza é o que não falta a essa região, assim como natureza e lugares para entrar em contato com ela.

Às vezes, tenho a impressão que é impossível separarmos a arte do esporte. Arte pode ser esporte em muitos sentidos, mas quero precisar um sentido para essa associação. Penso que a arte e o esporte outdoor tem em comum, para além de toda a estética de movimentos plásticos e difíceis, é essa possibilidade de nos tornar livres, pessoas capazes de perceber e transformar as coisas mais simples em algo belo, de encontrar nas trilhas a possibilidade de subverter esse mundo de medo que nos criaram. Ampliar as possibilidades da existência, da relação com nós mesmos e com os outros, sobretudo. Foi exatamente isso que encontrei naquele final de domingo, com uma Lua maravilhosa no céu, cercado de amigos andando de bike.

Foi exatamente isso que me motivou a encontrar essas associações difíceis – pra não dizer malucas – entre montanha, equilíbrio e poesia. Esse texto é o devaneio provocado por um dia genial, nessas montanhas que cresci, essas mesmas que insistem em chocar minha sensibilidade e desafiar meu físico. Mas é também uma contribuição para a iniciativa da galera de Ouro Preto, que criou dentro do espaço virtual um portal do mountain life style que essa cidade exala. Concluo dizendo que estou duplamente feliz: primeiro pelo pedal irado, com os amigos, num dos melhores picos de MTB do país; e segundo, por ver que existe um esforço e uma iniciativa crescente de transformar e divulgar esse paraíso outdoor que é Ouro Preto, democratizando para todos os apaixonados por aventura aquilo que conhecemos a muito tempo. Já que nossos governantes insistem em demonstrar que no plano da política a democracia é quase impossível, nós, subversivos que somos, devolvemos que democratizar é nosso lema. Bora galera, venham socar a bota nessas trilhas, Ouro Preto é nosso!



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• OuroBoulder, acessar: http://www.ouroboulder.com/
• Trilhas de Ouro Preto, acessar: http://www.socabota.com.br/