Extremos
 
COLUNISTA PABLO BUCCIARELLI
 
Coragem pra Viajar (Viver)
 
Texto: Pablo Bucciarelli
16 de janeiro de 2015 - 09:45
 

Pablo Bucciarelli na esta��o ferrovi�ria de Vladivostok ap�s viajar mais de 10 mil quil�metros por toda a R�ssia nas rotas Transiberiana e BAM em Agosto de 2014
 
  Pablo Bucciarelli
"A palavra coragem é muito interessante. Ela vem da raiz latina cor, que significa "coração". Portanto, ser corajoso significa viver com o coração. E os fracos, somente os fracos, vivem com a cabeça; receosos, eles criam em torno deles uma segurança baseada na lógica. Com medo, fecham todas as janelas e portas – com teologia, conceitos, palavras, teorias – e do lado de dentro dessas portas e janelas, eles se escondem. O caminho do coração é o caminho da coragem. É viver na insegurança, é viver no amor e confiar, é enfrentar o desconhecido. É deixar o passado para trás e deixar o futuro ser. Coragem é seguir trilhas perigosas. A vida é perigosa. E só os covardes podem evitar o perigo – mas aí já estão mortos. A pessoa que está viva, realmente viva, sempre enfrentará o desconhecido. O perigo está presente, mas ela assumirá o risco. O coração está sempre pronto para enfrentar riscos; o coração é um jogador. A cabeça é um homem de negócios. Ela sempre calcula – ela é astuta. O coração nunca calcula nada."— Osho, em “Courage: The Joy of Living Dangerously”

Subitamente, no acumulado da vida, me peguei de surpresa pensando nas inúmeras experiências que tenho vivido. As viagens tomam grande parte do meu tempo. Sou viajante, viciado nessa coisa de explorar destinos, preparar roteiros e utensílios de viagem para minhas aventuras. Sou aficionado por mapas, e por isso, quando estou diante de um deles, realmente fica difícil conter o sorriso já que o mergulho é certo. Viajar é minha forma de subversão ao sistema. Sinto que tenho a missão de difundir a energia, a de realizar sonhos, não apenas ficar com pensamentos vagos. Nas palavras do fundador da Psicologia Analítica, o suíço Carl Jung: “Quem olha pra fora, sonha. Quem olha pra dentro, acorda”. É bem isso. Eu realizo, e assim levo comigo uma legião de pessoas realizadoras que me fazem mover a roda ainda mais veloz e forte. Eu acredito no movimento. O amor é um deles, é a grande força motriz da vida. Mover-se sempre e sem olhar para trás. Viver o presente intensamente para desfrutar a experiência. Meu sorriso não sai do coração, pois estou em constante pesquisa sobre essa tal felicidade. Coragem é uma questão de sobrevivência. Viajar pelo mundo, olhando para dentro. Trabalhar o ego, as dilacerações do espírito que corroem as relações, torna-se uma necessidade à medida que queremos viver uma vida de paz. Mas, não a paz inerte, em silêncio, sem conflitos, sem busca. A paz que reside na harmonia das relações. Paz de sentimento. Para isso, é preciso guerrear muito. Sou guerreiro da paz!

Viajar é um exercício de coragem. São inúmeras as situações de desafio que podemos nos colocar quando saímos em viagem. Andarilhos se desgastam com a rota. Viajantes se expõem em contato com outras culturas. A arte de comunicar-se não se restringe apenas ao domínio de muitos idiomas. Dispor-se ao risco está intrinsicamente ligado à busca interior. Mas, qual é o risco? Arriscar-se é muito relativo. Eu, quando estou detido na minha cidade, sem perspectivas de viagem, sem nenhuma aventura em vista, sem planos, torno-me um ser aflito, ansioso, deprimido, e então a paranoia bate à porta. O risco de cair doente torna-se iminente. Busco ajuda naquilo que me torna melhor, muitas vezes na única coisa que me aproxima do estado completo de felicidade, um mapa, um destino qualquer. Sou viciado em viagens incomuns, daquelas que as pessoas proíbem num simples olhar. “Você não acha perigoso?” “O que você vai fazer nesse lugar?” “Você vai sozinho?” ...

A vida é um grande exercício de coragem. A vida é uma grande viagem. Sou um desses sonhadores que idealiza a vida como um grande encontro de seres em crescimento, que de vida em vida estão unidos pelo avanço compulsório. Muitos caem no caminho, outros são mais lentos, tem aqueles que se atrasam. Desfruto de uma visão amplificada que me permite enxergar além do horizonte. A era de Aquário bate à porta, mas faltam ainda alguns séculos para 2600 d.C.. No entanto, meu espírito já transborda entendimento e compaixão. Minha felicidade está intimamente ligada à felicidade dos outros, especialmente daqueles que compartilham minha trajetória. São os momentos de comunhão que fazem meu caminho ainda mais valioso.

Tenho viajado muito nos últimos anos. Conhecer outras culturas e pessoas tem feito de mim uma pessoa mais serena. Paciência nunca foi meu forte. Sou ansioso dado meu instinto explorador, talvez porque tenho pressa em chegar lá, naquela era tão especial. Mas, vendo os asiáticos, sua calma depois de milênios de muitos conflitos, aprendi que o mergulho interior é a chave do merecimento para acessar o portal. Muitos querem ver o que tem do outro lado, muitos querem o atalho, muitos querem respostas imediatas. Eu quero viver para descobrir, mas somente quando eu for merecedor. Passo-a-passo eu caminho em territórios remotos. Remonto minha história, na medida em que também construo uma nova linha do tempo para futuras gerações. Saúdo meus ancestrais, mas celebro as novas relações. No entanto, não perco de vista minha origem, bem guardada no meu templo sagrado, no coração que resguarda meu impulso pela aventura.

Em julho de 2014, depois de um breve planejamento, fui para a Rússia com vários projetos. O principal deles era o de realizar a viagem de trem pela maior ferrovia do mundo, a Transiberiana, com quase dez mil quilômetros de percurso. Também, queria aproveitar para subir uma montanha, de preferência alguma bem sedutora, levando na bagagem meu estilo de como fazer as coisas: leve, rápido e de modo selvagem. Sem dominar o idioma, sozinho e com a cabeça aberta para mudar os planos fui para um país de cultura e localização bem distante da nossa. Tive inúmeras surpresas positivas, como uma onda de karma me levando para um círculo virtuoso de acontecimentos dos quais nunca poderia imaginar. Se eu não me arriscasse, nunca descobriria a capacidade e força que possuo em me comunicar e lidar com as adversidades, diria hoje com outros olhos, apenas pequenos obstáculos.

Certa ocasião Osho afirmou: “Sempre permaneça aventureiro. Por nenhum momento se esqueça de que a vida pertence aos que investigam. Ela não pertence ao estático; Ela pertence ao que flui. Nunca se torne um reservatório, sempre permaneça um rio.”

Sou viciado na emoção, mas a razão nos leva mais longe. Planejar uma viagem é um processo racional que culmina na partida. Nessa atmosfera galáctica de expansão da consciência, prefiro as mirações às alucinações. No segundo semestre de 2013, entre altos e baixos, conheci uma comunidade alternativa, independente e autossustentável, no sul do país. Ao ingressar num de seus templos, bem simples, diga-se de passagem, senti uma energia boa no ar. Fui me harmonizando com o ambiente e percebi algo familiar. Senti as vibrações da montanha, do círculo de fogo de ancestrais indígenas, me sintonizei com as orações espiritualistas sem apego ritualísticos ou dogmas de alguma religião pré-estabelecidas e, sobretudo, senti bater forte um desejo de trabalhar mais a fundo as mazelas interiores. Estou falando de abertura, coragem, disposição e conhecimento. Não podemos dar o passo seguinte se ainda carregamos dentro de nós valores mistificados de assuntos que não estudamos. São fundamentos que guiam nosso espírito a mundos mais evoluídos, apesar do onirismo. Estou falando de experiências ancestrais.

Viajar não se limita ao mundo exterior. Minhas maiores viagens, as mais intensas e verdadeiras foram de fato para dentro do subconsciente. Nele vi todo o meu potencial. Depois da descoberta, me coube realizar ainda mais no mundo carnal. Continuo a busca porque ela é infinita, mas agora expandi os horizontes de exploração. Sou explorador por natureza.

Os mapas me revelam segredos. Além dos limites territoriais e a geografia, o relevo desperta o desejo de subir as montanhas mais recônditas. A literatura também suscita sinais reveladores, não somente de lugares, mas provindos da história. Viver um romance literário antes de embarcar numa nova jornada me permite mergulhar profundamente na tradição daquele povo. É como estar naquele tempo remoto passado, ou como viver a mesma sensação quando passara os olhos sobre as páginas de renomados escritores. Fico aqui pensando o que o escritor norte-americano Paul Theroux experimentara na sua viagem ferroviária pela Ásia ao passar pelo Passo Khyber, entre o Afeganistão e o Paquistão, nos idos de 1973. Ou o que Jack Kerouac, um dos principais expoentes da geração beat dos Estados Unidos, pensou ao pegar sua primeira carona sem destino com seu amigo Neal Cassady na década de 1940 na U.S. Route 66. Imagine viajar para a selva Alasquiana pela Stampede Trail e dormir uma única noite dentro do ônibus mágico abandonado, um International Harvester K-5 ano 1946 de número 142 do sistema de trânsito de Fairbanks, última morada de Alexander Supertramp, pseudônimo do andarilho norte-americano Christopher McCandless, que ali residiu por aproximadamente 119 dias no ano de 1992 até a derradeira noite estrelada em total devaneio, quando morrera de fome vítima de latirismo a partir da ingestão das sementes da batata selvagem Hedysarum alpinum, aparentemente inofensiva? Esses são os prazeres e riscos do viajante explorador, viver algo novo, mas que possa ter uma conexão com as suas experiências passadas. Tanto na literatura como na arte, abrindo caminhos.

Estar conectado é uma forma de aproveitar melhor a experiência. Sentir a energia de cada momento, de cada pessoa, em cada conversa, em cada cenário... O vento batendo na face, o cheiro das flores do campo, a rugosidade do terreno na montanha ou o deslizar do gelo, os olhares dos pacatos nativos, o gosto da erva na floresta, o sabor do chá sagrado, o som dos tambores xamânicos, o maracá soando forte noite adentro, a fogueira que reluz o poder da sua magia, todos os momentos que se eternizam em si nas lembranças de tantas viagens.

Os centros de energia da Terra, os chacras, são às vezes motivos de busca de muitos peregrinos. Na sua busca espiritual, esses buscadores acabam por refazer rotas apenas para tocar um desses lugares especiais de concentração de força. Às vezes repetimos costumes porque é mais fácil, mais simples, outras vezes porque existem modelos, padrões que muitos querem seguir, ocultamente uma forma de acomodação. Porque eu deveria criar um novo caminho, uma nova rota, explorar um novo conceito ou destino? Inovação não é um atributo confortável de se carregar, porque causa conflito. Mas, nem sempre essa acomodação está na disciplina do destino, pode se manifestar na forma de viajar, de se vestir, de falar... Porque eu deveria ser autêntico? Na verdade, o ser autêntico não pensa em ser autêntico, ele o é e não segue líderes, religiões ou costumes. Habitua-se ao papel de guiar aqueles que estão na mesma sintonia buscando dentro da sua esfera de afinidade alguma luz. Mas, se necessário for, segue o caminho sozinho, sem dilemas ou aprisionamentos afetivos. Uma pessoa feliz não precisa de religião, não precisa de nenhum templo artificial. Para ela, todo o universo é um templo, como dissera Osho.

Sair pelo mundo sempre foi minha sina. Mais cedo ou mais tarde, sairei para sempre, sem volta e sem laços. Se tiver que fazê-lo sozinho não será um problema, pois o mundo me reserva surpresas a cada dia, e quanto mais eu me exponho, mais me encanto com a energia do movimento. O mundo pertence a todos!

Numa das obras mais completas da literatura Brasileira, Guimarães Rosa escreve sobre coragem, e numa das passagens mais sublimes deixa sua epígrafe com o seguinte relato:

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada. O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor." A gente quer passar um rio a nado, e passa: mas vai dar na outra banda é um ponto muito mais em baixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso? Dói sempre na gente, alguma vez, todo amor achável, que algum dia se desprezou... Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."— Osho, em “Courage: The Joy of Living Dangerously”

Numa das obras mais completas da literatura Brasileira, Guimarães Rosa escreve sobre coragem, e numa das passagens mais sublimes deixa sua epígrafe com o seguinte relato:

Não quero ser como os Rapa Nui, que na prisão do seu espaço, na limitação do seu tempo, esgotaram suas reservas até definharem na morte, até desnutrirem sua paz, e tiveram que viver em conflito no final de seus tempos, cegos pela fé dogmática, escravos de sua ignorância. Praticavam como único exercício da sua rebeldia – ou devoção, uma competição a nado até uma ilhota, a Motu Nui na costa da Ilha de Páscoa, com fins de encontrar um ovo de andorinha-do-mar como prova de valentia, para em seguida retornar à ilha e escalar o penhasco com o ovo intacto. O vencedor era nomeado o novo homem-pássaro, Tangata manu. Meu mundo é maior, maior até que esse chamado Terra. Citando Clarice Lispector, “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”

Xavier Rudd, um multi-instrumentista australiano, pouco conhecido no mundo pop, e um grande espírito libertário, tem me inspirado nos momentos de criação e numa de suas canções fala dessa sensação de liberdade, quando aportamos em território distante e alheio – preservei seu formato original:

Here other people they won't see me sad And if I'm happy they won't share my happiness For this is peacefulness that won't be shared For it's time for the spirit It's time unsaid This peacefulness that won't be shared For it’s time alone Silence beating down Silence all around And I'm peaceful At least for now Silence beating down— Xavier Rudd, em “Silence”

Saudade eu sempre terei da minha morada, dos meus rebentos, das minhas paixões, mas o que dizer desse espírito de liberdade que reside no meu peito. Se eu não puder partir, mesmo que a intenção ao final seja a de retornar, não serei completo. Paul Theroux em seu livro The Great Railway Bazaar fala desse sentimento: “Toda viagem é circular. Fui puxado pela Ásia, fazendo uma parábola num dos hemisférios do planeta. Depois de tudo, a grande excursão é só uma forma de inspiração para o homem voltar pra casa.” Ele ainda afirma: “Viajar é um ato de desaparecimento”. Os nômades, os ciganos, os ermitões, todos eles não deixam de amar sua terra, seu povo, sua família, mas precisam partir num determinado momento, e sem olhar para trás seguem seu caminho. Amyr Klink partiu muitas vezes, isolando-se muitos meses, distanciando-se de tudo e todos, ao viver suas aventuras, mas voltou para compartilhar da felicidade real com sua família, como diria Christopher McCandless em seus últimos dias de vida.

Pensar é uma forma de atrasar o processo, portanto sigo sabiamente os conselhos do guru indiano Osho que em seus muitos discursos falou da arte do saber viver o presente. Não pensar ajuda a minimizar o sofrimento, pois muitas vezes se nos detivermos no efeito do ato, nas consequências de uma ação, muito provavelmente não faremos nada, não moveremos e ficaremos estagnados na inércia.

O conflito é um devir. O filósofo grego Heráclito de Éfeso no século VI a.C. disse que nada neste mundo é permanente, exceto a mudança e a transformação. Para o filósofo alemão Nietzsche, o conflito produz um devir, porém esse não se caracteriza como síntese, o devir preconizado por Nietzsche a partir de Heráclito, provém mediante a diferenciação e a separação que se engendram na disputa. O devir nada mais é que um conceito filosófico que significa as mudanças pelas quais passam as coisas. O movimento, a busca, o caminho, o explorar, a mudança, a expansão da consciência, a revelação... Tudo isso gera conflito, portanto mudança. Como diria Gabriel de Tarde, sociólogo francês, “A verdade é que a diferença vai diferindo, e que a mudança vai mudando, e que, ao se darem assim como fim de si mesma, a mudança e a diferença atestam seu caráter necessário e absoluto”.

Ao final, toda essa questão de movimento, de viajar, do partir, do explorar, acaba recaindo no prazer que a alteridade proporciona, ou você pensa que essa é uma fábula sobre altruísmo? Todo ser humano é, por natureza, vaidoso. A minha reside na alteridade. Ser diferente é meu modo de ser. E por isso, vivo me arriscando. Minha exposição é constante, e se pensar ou tiver fraqueza, não vivo. Não estou preocupado com a opinião alheia, vivo minha vida intensamente e realizo tudo aquilo que desejo. Ao meu lado estão aqueles que compartilham o sentimento e seguem o caminho juntos. A sintonia é natural quando há afinidade, se não trocamos a trilha sonora, e pedimos carona em outra caravana. Falando nisso, lembrei-me de um poeta bem familiar...

“É melhor ser alegre que ser triste Alegria é a melhor coisa que existe. É assim como a luz no coração.”— Vinicius de Moraes, em “Samba da Benção”

Nessa luta da entropia contra a vida, sugiro sempre que a ação prevaleça ao pensamento! Viver o fluxo, manter o movimento, reverter a energia negativa com vibrações de boa fé, formular novos desafios, promover a celebração e cultivar o elogio, trazer para si a responsabilidade, ser positivo, amar livremente e sem fronteiras, romper com a dor e sorrir sempre... Esses são meus pequenos lemas e com tudo isso, desejo a todos um ano de 2015 cheio de energia para viajar e viver! Aho!

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