Cansado de informação superficial ou incorreta sendo divulgada nas duas décadas em que trabalho com jornalismo de Aventura, até mesmo por algumas mídias especializadas e fabricantes, há alguns anos decidi produzir um documento esclarecedor e de fácil compreensão sobre vestuário para Atividades ao Ar Livre, buscando ser ao mesmo tempo preciso, objetivo e abrangente. Como ainda hoje ocorre muita confusão sobre este tema, dei uma atualizada nesta longa pesquisa e nas próximas semanas a republicarei aos leitores do portal Extremos em cinco capítulos.
Se para um profissional por vezes é difícil escolher o que vestir em uma aventura, imagina para quem está começando?
Independente se você vai escalar na isolada Groenlândia ou passear com a família em Bonito, pode apostar que parte do sucesso de sua viagem dependerá da roupa que você irá usar. Acredite, da mesma forma que por estar com as roupas adequadas realizei com prazer atividades em condições extremas nos Alpes ou na Patagônia, por outro lado, também já vivenciei situações de alto risco ou grande desconforto em simples caminhadas pela Serra do Mar, apenas pela falta de vestuário apropriado.
Para decidir qual a roupa ideal é preciso conhecer o básico sobre os materiais utilizados na confecção das peças e as principais tecnologias do mercado, para um balanço entre os prós e os contras de cada produto. Com estas informações, nos próximos textos explicarei de forma simplificada o famoso Sistema de Camadas, para então dar dicas valiosas na hora de escolher a melhor roupa para a sua aventura.
Para começar, vamos apresentar...
OS PRINCIPAIS MATERIAIS
Dentre os materiais mais utilizados nas roupas para Aventura estão as revolucionárias fibras sintéticas e os biodegradáveis algodão, seda, lã, pluma e mais recentemente o bambu, cada qual com suas propriedades e recomendações de uso.
Uma das maiores inovações da indústria têxtil foi a criação dos TECIDOS SINTÉTICOS, puros ou mesclados com outros materiais (os bicomponentes), produzidos com microfilamentos à base de polímeros sintéticos de poliéster, poliacrílico, polipropileno e náilon (poliamida).
Existem 3 tipos de fibras sintéticas, a celulósica (rayon, acetato, viscose), a plástica (em geral do petróleo, como o poliéster) e a mineral (raramente usada na indústria têxtil).
Em geral, os sintéticos apresentam várias vantagens em relação aos tecidos naturais, especialmente quando “combinados” ou submetidos a modernas tecnologias: excelente capacidade térmica, secagem rápida, pouco volume, alta resistência, conforto e fácil lavagem.
Alguns sintéticos, além de não ficarem “carregados” com a água do suor, pesam metade do peso da lã e possuem excelente desempenho no transporte do suor para o exterior do tecido. E assim como a lã, já existem até fibras sintéticas que mantém as suas características de isolamento térmico mesmo quando molhadas.
As desvantagens dos sintéticos variam de tecidos para tecidos, por exemplo: alguns criam mais pilling (as famosas “bolinhas” que se formam em algumas roupas) que o tradicional algodão.
A ciência avança, mas em geral os sintéticos ainda não alcançaram o conforto do algodão e o poder térmico da lã ou da controversa pluma.
O ALGODÃO ainda se mantém como um dos materiais mais confortáveis, relativamente leve e fácil de lavar. Além de ventilar razoavelmente bem, quando molhado em dias quentes ajuda o corpo a se resfriar com a água que evapora.
Porém o seu uso não é recomendado para atividades físicas, principalmente como Camada Interna, pois ele absorve em suas fibras o suor e pode até mesmo multiplicar o seu peso com a umidade. Quando encharcado, perde a suas propriedades térmicas e demora a secar, esfriando o corpo e tornando-se desconfortável.
Porém o seu uso não é recomendado para atividades físicas, principalmente como Camada Interna, pois ele absorve em suas fibras o suor e pode até mesmo multiplicar o seu peso com a umidade. Quando encharcado, perde a suas propriedades térmicas e demora a secar, esfriando o corpo e tornando-se desconfortável.
Porém o seu uso não é recomendado para atividades físicas, principalmente como Camada Interna, pois ele absorve em suas fibras o suor e pode até mesmo multiplicar o seu peso com a umidade. Quando encharcado, perde a suas propriedades térmicas e demora a secar, esfriando o corpo e tornando-se desconfortável.
Apesar de absorver muita água, a SEDA seca rápido. Bastante leve e confortável, em dias quentes ajuda a esfriar a pele através da evaporação e, em dias frios, mantém o corpo seco e aquecido. As fibras produzidas pelas lagartas da seda possuem grande resistência, mas perdem em durabilidade para os tecidos sintéticos.
Já a LÃ possui uma ótima capacidade térmica, produzindo calor mesmo quando molhada, pois as suas fibras não se deformam quando encharcadas, conservando as microcâmaras de ar de sua estrutura.
Além de possuir baixa retenção de suor em suas fibras, mantendo-se confortável mesmo com a umidade das atividades físicas, requer pouco calor para secar.
A lã ainda possui uma ótima resiliência, a famosa “memória”, capacidade de retornar à sua forma original mesmo após uso excessivo.
Como principais desvantagens, apresenta maior volume e peso que os tecidos sintéticos e a sua produção é proveniente de questionáveis métodos de criação animal, alvo de muitas ONGs e ambientalistas.
Agora em se tratando de isolamento de calor e capacidade de compressão nada se compara à leve e polêmica PLUMA (ou duvet, down, pena de ganso, etc.) com suas excepcionais qualidades térmicas e memória – retorna à sua forma mesmo após receber uma pressão de 80 mil vezes o seu peso.
Bem cuidada, tem vida útil superior às fibras sintéticas (até quatro vezes mais), podendo chegar a 10 anos. Só não pode molhar... uma peça de pluma molhada não servirá para nada no frio, ficará pesada e será difícil de secar. Também são mais difíceis de lavar.
Mas com certeza os contras da pluma são o seu custo e a tortura com os pobres gansos. É, caso não saiba, basicamente são “micropenas” com núcleo central bem pequeno e filamentos numerosos e delicados, que recobrem o peito, a barriga e as dobras abaixo das asas dos gansos e as melhores plumas do mercado (como as endem, de origem alemã) são arrancadas na marra destas aves. Para cada 300 gramas de plumagem são necessárias cinco “depenadas” por ano!
Além de tão caras, nem “a melhor aventura do mundo” compensa tamanha maldade. Felizmente milhares de consumidores começaram a boicotar produtos e marcas que utilizam a pluma.
A cada dia que passa, ouvimos falar de alternativas verdes ou “menos impactantes”. Afinal, nenhum processo de fabricação industrial, para atender a demanda mundial de produtos (alimentos, bens domésticos, transportes, etc.), consegue ser 100 % ecológico.
Evoluindo a cada dia, encontramos o algodão biológico e fibras naturais produzidas com algas ou cânhamo, vantajosas em sustentabilidade ambiental quando comparadas às culturas de pinus, acácia e eucalipto, mas infelizmente incipientes para dar conta da demanda global.
Na vanguarda da revolução têxtil, principalmente quando falamos de produtos ecológicos, apresentam-se as 100% biodegradáveis fibras de BAMBU. Segundo os especialistas em consumo sustentável, “diante dos processos de produção têxteis tradicionais” – que consomem elevadas taxas de água e energia, ameaçam os lençóis freáticos com os seus dejetos químicos ou necessitam de grandes áreas de plantio – o bambu ganha espaço por sua versatilidade, competitividade e por ser uma ótima alternativa para a nossa dependência das monoculturas florestais: não necessita de pesticidas em sua produção, seu crescimento é muito rápido (atinge sua maturidade em 3 anos), sua propagação é espontânea (dispensa plantio na mesma área por 100 anos e se renova sem a necessidade de replantio), é pouco exigente quanto aos tipos de solo e clima, gera mais oxigênio que as árvores de mesmo porte e ainda favorece a fixação do homem no campo, ao contrário do pinus que possui ciclos de plantio e corte de até 20 anos.
Com cerca de 1,2 mil a 1,5 mil espécies nativas, os tecidos feitos de bambu ainda apresentam outra grande vantagem, além de não amassarem e oferecerem alta maciez e sensação de frescor (boa absorção da umidade e até 2 graus a menos durante o uso, comparado com outros tecidos), ainda por cima possuem bioagentes naturais antirraio ultravioleta e antibactéria (“bamboo kun”) que se mantém ainda ativos na estrutura molecular das fibras após a sua produção (segundo cientistas japoneses, mesmo após 50 lavagens e sol contínuo). Resultado: roupas que ajudam a proteger o usuário dos raios nocivos do sol e sem o desagradável odor do suor, com óbvia economia de água e energia e a possibilidade de viajar com menos peso e volume na mochila (menos roupas para mais dias).
Mas cuidado, nem toda peça de bambu possui tais propriedades ou com tais níveis de eficiência, daí a necessidade de buscar marcas confiáveis (qualificadas e preocupadas com fabricação com poluição minimizada), algo mais difícil de encontrar nas grandes redes varejistas. Afinal, nem todos os produtos de bambu comercializados são ecológicos, alguns inclusive geram mais impacto nos processos de produção que as danosas culturas de pinus e eucalipto!
De forma geral, para quem sonha com um mundo sustentável com efetivo mínimo impacto, pesa o uso de qualquer produto proveniente de esforço involuntário (ou maus tratos) de animais e neste quesito ganham pontos os produtos sintéticos de boa procedência. O dinheiro é seu, a escolha é sua... e a sua consciência também! Bom investimento!
Márcio Bortolusso é montanhista e documentarista de Aventura, Natureza e Cultura Regional (www.photoverde.com.br).
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