Nesse artigo, gostaria de homenagear Manoel Morgado, o autor de Sonhos Verticais, montanhista e guia de trekking. Esse gaúcho de 57 anos nasceu na pequena e pouco conhecida Farroupilha, uma cidade industrial da Serra Gaúcha. Mal saberia eu que, 24 anos mais tarde, eu nasceria no mesmo hospital.
Os leitores do Portal Extremos conhecem bem os feitos de Morgado. Brasileiro mais velho a escalar o Everest. Segundo brasileiro a completar a escalada da mais alta montanha de cada continente. Mais de 20 anos de experiência como guia de trekking aos campos-base das principais montanhas do Himalaia. Quero, nesse texto, apresentar a cidade onde tudo começou e a paixão que alimentamos em comum pela vida outdoor.
Farroupilha é uma cidade de 70 mil habitantes, situada entre as famosas Bento Gonçalves e Caxias do Sul, na Serra do Rio Grande do Sul. O mais incrível é que nossa cidade não tem fama nem tradição em produzir viajantes, nômades ou aventureiros. Guardando profundas tradições italianas, a formação em torno do seio familiar é tão forte que praticamente sufoca toda tentativa de se viver longe dela.
Eu mesmo não conhecia a figura do Morgado até sua aparição na National Geographic. Ainda lembro-me quando folheava as páginas da edição de dezembro de 2010 quando, subitamente, fui fisgado por uma entrevista feita com um brasileiro que havia recém conquistado o Everest. Maravilhado com sua história, busquei informações mais profundas e foi aí que descobri, com grande curiosidade, que era meu conterrâneo.
Comecei a tentar contato por e-mails. Mas foi somente em março de 2012, justamente num intervalo entre suas expedições, que obtive as primeiras respostas. Em uma breve visita ao Brasil para o lançamento de seu livro, em São Paulo, Morgado me conheceu e, também surpreso com minha história e meu amor pelos esportes de aventura, escreveu:
“Quer dizer que Farroupilha produziu dois aventureiros-atletas? Que legal! Muito obrigado por suas carinhosas palavras. Fico feliz que vai ler meu livro. Boa sorte, Marcelo. Siga sempre seus sonhos, seu coração. Espero que um dia possamos nos encontrar em alguma montanha. Depois me conta o que achou do livro. Grande abraço.”
Manoel Morgado
Talvez a forte tradição familiar de Farroupilha justifique a incredulidade de Morgado em crer que ambos nascemos e fomos criados lá. Naquela mesma semana, comprei o Sonhos Verticais. Queria conhecer um pouco mais as conquistas e a vida desse novo herói farroupilhense, apesar de serem raros os que tenham ouvido falar dele em sua própria cidade natal. Prometi que mandaria uma resenha assim que terminasse a leitura. E concluí o último e-mail relevando que gostaria muito de, um dia, poder trabalhar ao seu lado. Em seguida, ele partiu, para cumprir mais uma temporada junto a seus clientes. Conforme prometido, segues abaixo meus comentários sobre seu livro.
Nele, seus diários de campo nas escaladas ao Cho Oyo e ao Everest foram sabiamente transformados em um texto agradável, recheado de curiosidades sobre o montanhismo e as dificuldades enfrentadas nessas montanhas. Todos os obstáculos foram vencidos por uma incrível admiração que ele alimenta por esses lugares. Morgado revela esse amor com a mesma pureza de quando se aventurava pelos parques de Farroupilha, durante a infância. É emocionante.
Em muitas passagens, o autor cita a filosofia budista, que prega a prática de uma profunda atenção no mundo presente de forma a evitar a dispersão da mente em fatos passados ou que ainda não ocorreram. Essa habilidade foi adquirida em cursos de budismo realizados no norte da Índia e revelaram-se fundamentais para que ele extraísse o máximo de experiências e aprendizados dessas escaladas. Uma sabedoria que poucos montanhistas sabem desfrutar, totalmente cegos pelo objetivo do cume.
No final, capítulos deliciosos sobre a sabedoria budista aplicada em nossa vida, um mini-dicionário de termos técnicos e inspiradoras imagens da expedição completam a obra com chave-de-ouro. Não há quem não trema na cadeira ao deslumbrar o mundo a partir de seu ponto mais alto. Essa sensação foi compartilhada aos leitores através de uma foto panorâmica imperdível, tirada durante um momento de céu claríssimo, no topo do Everest. É possível ver o trajeto até lá, e a extensão impressionante de picos menores brotando do platô tibetano. Particularmente, outra fotografia que me encantou foi aquela tirada dos montanhistas em fila, presos às cordas fixas e ostentando suas poderosas máscaras de oxigênio e down suits vermelhos, cujo avanço sincronizado das passadas dava à cena o mesmo ar épico das grandes aventuras humanas.
Enviei a ele a resenha completa. Em um último e-mail, escrito da varanda de um apartamento na ilha grega de Kalymnos, onde Morgado está praticando escalada em rocha, ele revela:
“Caro Marcelo.
Agora foi minha vez de ficar emocionado. Muito obrigado por tudo, pela resenha tão favorável ao livro, pelas palavras tão carinhosas sobre a minha pessoa, por teu empenho em entrar em contato comigo e por me mandar teus comentários sobre o livro. Como já te disse antes, espero que possamos nos ver em alguma montanha em breve, afinal não é a toda hora que Farroupilha produz apaixonados por montanhas. Abraços e boa sorte.”Manoel Morgado
Aos leitores dos Sonhos Verticais, aguardem. Vem muita novidade por aí. E parabéns ao Manoel Morgado, pela coragem de correr atrás de seus sonhos. Concluí que esse, talvez, seja o seu maior legado. Quero compartilhar com os leitores do Portal Extremos o orgulho que sinto em ser seu conterrâneo. Conforme escrevi a ele em um dos e-mails, “você não é apenas meu ídolo, mas o herói de uma nação inteira faminta por sonhadores.” |