Extremos
 
COLUNISTA MANOEL MORGADO
 
Do mar à montanha e de volta ao mar
 
texto e fotos: Manoel Morgado
4 de setembro de 2016 - 09:51
 
Equipe preparada para a escalada do Kilimanjaro.
 
  Manoel Morgado  

Em final de julho, depois de 3 meses no mar entre Martinica, Granada e Bonaire, a bordo do Good Karma, chegou a hora de voltar às montanhas para guiar dois grupos, um no Elbrus e o outro no Kilimanjaro, um logo após o outro. A Kathy foi para o Chile para visitar sua família e amigos e nos separamos em Bonaire para reencontrar-nos 25 dias depois de volta a Bonaire.

Cheguei em St. Petersburg no mesmo dia do grupo, 13 pessoas das quais metade do grupo já havia viajado comigo. Foi um gostoso reencontro com os que já conhecia e uma grande afinidade imediata com os que acabava de conhecer. Depois de um dia já éramos um grande grupo de amigos, coisa muito comum entre os grupos de montanha onde a os interesses comuns fazem com que as pessoas se sintam próximas com muita rapidez.

Depois de um dia de passeio por St. Petersburg voamos para Mineraly Vody no outro extremo do país, na fronteira com a Geórgia. De lá seguimos por terra para Terskol, nossa base nos próximos 3 dias. Ali começamos nosso processo de aclimatação com uma caminhada a 3000 metros e no dia seguinte a 3700 metros. Estávamos prontos para subir para os famosos barrels, nossa acomodação na montanha para os próximos 4 dias. A grande surpresa foi chegar aos barrels este ano. Estavam completamente renovados, muito mais confortáveis e espaçosos.

Neste mesmo dia subimos até 4200 metros e no dia seguinte até 4700 metros.
Tivemos um dia de descanso e treino de uso de crampons e ice axe e estávamos prontos para o dia de cume. O processo de aclimatação estava concluído e todos se sentiam bem e confiantes.

As 3 da manhã seguimos em dois snow cats, tratores com tração para a neve, que deixou parte do grupo a 4700 metros e o restante optou para começar a escalada a partir de 5100 metros. A noite estava linda, sem vento e com muitas estrelas e ao redor das 5 da manhã assistimos deslumbrados um magnífico nascer do sol com a sombra do Elbrus se projetando nos vales. Algumas horas mais tarde 10 dos 13 clientes estavam no topo da montanha mais alta do Europa!

Tanzânia.   A primeira vista do Kilimanjaro.
 

De St. Petersburg voei para o aeroporto internacional de Kilimanjaro com escalas em Dubai e Nairobi. Em Arusha, nossa cidade base para a escalada do Kilimanjaro, encontrei com os 8 clientes que guiaria ao topo da África. Mais uma vez conexão imediata.

Por 5 dias subimos em direção ao Kilimanjaro propriamente dito já que só se está no Kili apenas no dia de cume, o restante dos outros seis dias são de aproximação e volta. Mais uma vez a aclimatação cuidadosa fazendo o Kili em 7 dias, ao contrário de muitas outras empresas que fazem em 6 ou até em 5 dias, rendeu ótimos resultados. Tivemos 100% de cume considerando que a borda da cratera já é o cume ou um dos cumes. Na volta o grupo já começou a planejar a viagem do próximo ano...

Um longo voo me levou do Kilimanjaro a Mombasa, de lá a Istanbul e Miami. Ao chegar uma péssima notícia, meus dois duffles com todo meu equipo de montanha não chegaram. Não me preocupei muito já que nesses 30 anos de viagens constantes apenas por duas vezes isso tinha acontecido e mesmo assim no dia seguinte já tinha recebido minhas malas. Desta vez seria diferente... agora que escrevo já se passaram 12 dias e as malas ainda não apareceram... com o que calculo acho que tem ao redor de US 7.000 de equipamento nelas...

A outra preocupação era de como encontraríamos o Good Karma. Mas essas eram infundadas já que o encontramos perfeito, sem nada de mofo que era um de nossos medos com ele fechado por 25 dias em um ambiente bastante úmido. Testamos um por um todos os sistemas e todos funcionaram sem problema algum.

Passamos os próximos 15 dias fazendo alguns trabalhos no barco (sempre tem coisas para fazer, consertar ou melhorar), mergulhando bastante nas águas cristalinas de Bonaire, um dos melhores lugares de mergulho do Caribe, lendo e conversando com os outros velejadores.

Bonaire foi colonizado pela Holanda e hoje é uma municipalidade deste país. Não tem aquele mesmo sabor de Caribe dos outros lugares que passamos, pelo contrário, seu pequeno centro é bem europeu e quase não tem vida própria dependendo 100% do turismo. Seu interesse inicial para os holandeses foi a produção de sal e como ponto de parada a caminho das outras colônias. Para o trabalho das salinas trouxeram escravos. Também trouxeram burros como meio de transporte de cargas e estes burros, com a chegada dos carros acabaram tornando-se selvagens e abandonados. Há alguns anos criou-se uma ONG para abrigar alguns desses burros selvagens e hoje este centro toma conta de 600 deles. Uma manhã alugamos uma motinha, passamos no supermercado, compramos muitas cenouras e fomos passear pela grande área do centro alimentando os burros mais magrinhos. Super divertido, mas algumas vezes até um pouco amedrontador pois ao sentir o cheiro das cenouras de repente estávamos rodeados de dezenas de bocas abertas em nossa direção.

     
 

Uns dias depois saímos com nossos vizinhos, um simpático casal de escaladores, ele neo zelandês e ela austríaca mas que mora na Nova Zelândia há 15 anos, para fazer snorkeling em uma baia no outro lado da pequena ilha. A atração nesta baia são as enormes tartarugas, as maiores que já vi em minha vida! Ficamos duas horas nadando entre estes lindos animais.

O neo zelandês, Med, como com muita frequência acontece entre os velejadores se prontificou a me ajudar em alguns trabalhos no nosso barco. Ajudou a consertar a bomba de água que estava tendo alguns chiliques e a instalar o último dos eletrônicos que queria ter a bordo, o sistema de AIS. Este sistema de identificação de barcos inicialmente foi instalado em barcos comerciais e agora se torna mais comum entre veleiros também. Consiste em um sistema onde os barcos aparecem em seu chart plotter como um triângulo e ao colocar o cursor sobre o triângulo aparecem todas as informações sobre este barco, seu nome, sua velocidade, sua direção, se está em rota de colisão com você. Bárbaro!

Nosso último dia em Bonaire foi delicioso! Junto com outros dois casais de brasileiros os barcos Pura Vida e Itacaré fomos fazer um churrasco na pequena ilha em frente a Bonaire, Klein Bonaire. Joguei frescobol que não jogava há muito tempo, comemos uma deliciosa carne preparada pelo Peter e pelo Rodrigo e finalmente abrimos o champanhe que a Kathy tinha comprado no México e que deveria ter sido tomada quando os papéis do barco chegassem, mas esta história foi tão comprida e complicada que quando finalmente chegaram nem deu muita vontade de comemorar.

Se o último dia foi divertido a noite que seguiu foi amedrontadora! Ao redor de 1 da manhã acordamos com um vento super forte, ao redor de 60 km/hora e na direção contrária do habitual. Já sabíamos que muito raramente o vento aqui muda de direção, uma vez a cada 3 anos! As ondas cresceram, todos os velejadores saíram de suas camas e se puseram a decidir se seria mais seguro sair das poitas e esperar a tempestade passar nas águas mais profundas. O medo era que a poita se soltasse e os barcos fossem para a praia que estava a apenas poucos metros dos barcos. Como o vento sempre (ou quase sempre como pudemos ver) sopra da praia para o mar normalmente os barcos estão seguros. Ligamos os motores, colocamos nossas roupas de chuva e ficamos mais de uma hora debaixo de uma chuva torrencial esperando ansiosos a tormenta passar. As 3 da manhã finalmente voltamos a dormir...

     
 

Nosso plano é cruzar daqui para a Colômbia e Panamá, mas esta travessia é considerada bastante difícil e um tanto perigosa com ventos muito fortes, ondas altas e correntezas traiçoeiras. Mas, mais uma vez o Curtis, nosso instrutor de vela, virá em nosso auxílio. Ele gosta de fazer essas travessias e ainda não fez esta e dia 3 de setembro chega a Curaçao para encontrar-se conosco. Então nosso plano é dia 2 de setembro velejar a Curaçao, a apenas 35 milhas daqui que devemos fazer em umas seis horas. Daí com o Curtis partir para St. Marta ao redor de 50 horas de vela. De lá para Cartagena que são umas 20 horas de travessia e então para o Panamá ao redor de 35 horas de viagem.

No próximo relato contarei como foi esta travessia que promete grandes emoções...

Nasmatê
Manoel Morgado

 
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