Extremos
 
COLUNISTA MANOEL MORGADO
 
Sonhando novamente com um veleiro
 
texto e fotos: Manoel Morgado
13 de junho de 2016 - 16:30
 
O Catamarã de 38 pés Good Karma.
 
  Manoel Morgado  

O ano passado foi um ano de grandes mudanças em minha vida. Tinha grandes planos de escalar muitas mais montanhas de 8000 metros e de eventualmente até guiar clientes no Everest, mas ao olhar com mais cuidado e com mais sinceridade dentro de mim percebi que não estava planejando escalar mais grandes montanhas pelas razões corretas. No fundo não estava querendo ir para as montanhas por desejo de estar lá e sim pelo que escalar estas montanhas me traria e isso é profundamente errado e eventualmente muito perigoso pois quem está em comando nesta situação é o Ego que te leva a tomar decisões erradas. Uma longa viagem de kayak com horas e horas de uma profunda análise de minhas motivações me mostrou que tinha de mudar os rumos de meus planos. E assim voltou a ideia de voltar a ter um veleiro.

A ideia apareceu de maneira súbita em minha mente, mas uma vez que ela surgiu ela tomou conta de meus pensamentos de maneira surpreendente. Baseado na minha experiência anterior com um pequeno e bastante idoso veleiro 10 anos antes resolvi que para que desta vez queria um veleiro maior, mais novo, mais confortável e ao invés de um veleiro de um casco iria comprar um catamarã.

Com esta ideia tomando forma comecei a estudar todas as horas livres sobre o assunto buscando na internet desde cursos online de mecânica diesel até marcas de dessanilizadores, modelos de compressores de mergulho, boas lojas de material náutico nos Estados Unidos e o que mais meu tempo permitia.

O plano inicial era fazer tudo com muita calma, aprender o mais que pudesse durante todo este ano e em dezembro após meu período de trabalho no Nepal ir aos estados Unidos e achar um barco. Feliz ou infelizmente já que os dois lados teriam vantagens e desvantagens os planos mudaram em em abril estava voando do Nepal para Miami.

     
 

Essa mudança de planos não foi muito bem aceita pela Kathy, minha companheira, já que ela não tem experiência alguma com veleiros embora tenha uma relação muito próxima com o mar já que sendo venezuelana cresceu com fins de semana e férias na Isla Margarita. Mesmo a ideia de comprar um veleiro no final do ano já trazia calafrios nela, mas quando contei que achava que não teríamos de esperar até o fim do ano para comprar o veleiro ela quase pirou. Mas com o entusiasmo que estava sentindo não havia maneira de esperar tantos meses. Eu tinha o dinheiro para a compra, tinha tempo entre minhas viagens para o longo processo de compra e o aprendizado que ambos precisávamos e não havia então razão de esperar. Enquanto guiávamos um grupo até o campo base do Everest, onde havia internet olhava os muitos modelos e seus preços e onde estavam a venda. Rapidamente nos apaixonamos por um catamarã de 38 pés do fabricante Lagoon, o catamarã mais vendido no mundo com mais de 700 unidades velejando pelo mundo todo. Suas linhas elegantes, seu saloon se abrindo completamente para o cockpit, seu incrível espaço interior nos chamou muito a atenção. Ao ler em muitos dos fóruns e revistas especializadas que era um barco que além de ser confortável para ser um live aboard velejava muito bem não foi difícil tomar a decisão. Já sabíamos o que queríamos agora era uma questão de encontrar um que se adequasse ao nosso orçamento e que estivesse em boas condições. Os parâmetros que tracei foram: ser um Lagoon 38, ter de 6 a 12 anos de idade, estar em boas condições e nos Estados Unidos ou no Caribe. Dada a nossa pouca experiência com vela começar nossa vida em um veleiro no Caribe onde as condições de vela são benignas era uma decisão prudente. Com estas características em mente pesquisei exaustivamente os sites de venda de barcos e encontrei 5 barcos em Martinica, um em Belize, um na Costa Rica, um em Barbados e surpreendentemente nenhum nos Estados Unidos.

Dia 10 de abril voamos de Lukla, ponto inicial e final do trek ao campo base do Everest já tendo comprado nossos tickets de Katmandu a Miami. Eu tenho visto americano e a Kathy tem dupla nacionalidade, chilena e espanhola e já tinha ido aos Estados Unidos inúmeras vezes já que trabalhou alguns anos como comissário de bordo para a Lan. O procedimento tanto para portadores de passaporte chileno como para o de passaporte espanhol para ir para os Estados Unidos é muito simples, um formulário pela internet e em meia hora a pessoa recebe um e-mail confirmando a permissão para entrar no país. Dois dias antes de embarcarmos tivemos uma desagradável surpresa. Ao preencher o formulário ela se deparou com a pergunta se havia estado nos últimos 5 anos no Irã, Sudão ou Síria. Em julho do ano passado passamos um mês no Irã escalando algumas montanhas e o visto iraniano estava estampado no passaporte chileno dela. Não teve outra opção do que responder a verdade. Meia hora depois veio o e-mail com a triste notícia, ela não poderia ir para os Estados Unidos!!!

Não podíamos acreditar! Como a paranoia americana podia chegar a este ponto. Tínhamos ido como turistas assim como outros milhares de americanos e apenas por isso ela tinha a ida dela negada! E isso ainda na administração Obama....o que acontecerá se Donald Trump for eleito???

Não havia o que fazer. Eu embarquei para Miami e ela acabou indo passar alguns dias na cidade do México onde morava uma boa amiga dela. O que tínhamos planejado fazer juntos e de uma maneira muito mais divertida tinha sido proibido por uma regra estúpida.

Aluguei um carro, encontrei um simpático hotel em Fort Lauderdale, uma das capitais de vela da costa leste e passei sete frenéticos dias percorrendo lojas de artigos marinhos, de material de mergulho, de empresas de envio marítimo ao Caribe tudo para me familiarizar com tudo o que tinha a ver com o veleiro. Escrevi para os corretores que cuidavam da venda dos veleiros que tinha selecionado e de alguns soube que não necessariamente os veleiros anunciados ainda estavam disponíveis para a venda e minhas opções de compra que já não eram grandes se reduziram ainda mais radicalmente. Um dos corretores era de Fort Lauderdale e trabalhava dentro de uma grande empresa de catamarãs chamada The Catamaran Company. Fui visitá-lo e ele me recebeu super bem e junto a mim passou a lista de barcos ainda a venda e me direcionou para um chamado Only Love, um Lagoon 38 fabricado em 2008 pertencente a uma empresa de charters no Caribe e que estava em Martinica. O barco, pelo pelas fotos que estavam no site, parecia em excelentes condições e o preço pedido estava dentro do que eu esperava gastar já que sempre há um pouco de negociação e o preço anunciado nunca é o preço final de venda. O barco não tinha muitos dos equipamentos que eu gostaria de ter a bordo mas sabia que além do que iria gastar no barco teria muitas despesas para deixá-lo da maneira que eu queria.

Mas, o barco não era exatamente o que eu buscava por duas razões. A primeira e mais séria e que era um barco de charter e assim como acontece com carros de aluguel os barcos de charter não são necessariamente bem cuidados. Com ao redor de 200 dias de vela por ano são usados muito e pouco cuidados pelas pessoas que os alugam e que a última coisa que querem em suas duas semanas de vela de férias é fazer qualquer tipo de manutenção. A empresa de charter por outro lado normalmente tem poucos empregados para fazer a manutenção do barco e pouco tempo entre um aluguel e o próximo. Resultado comum é que os barcos são um tanto maltratados embora isso varie de empresa para empresa. A outra razão deste não ser o barco ideal era que eu buscava o que se chama de Owner’s Version (versão do dono) onde ao invés de quatro cabines ele vem com apenas três sendo que este espaço que sobra é usado para um pequeno escritório e o chuveiro é separado do banheiro em um dos lados do barco. Normalmente as empresas de charter preferem a versão de quatro cabines já que com isso podem alugar o veleiro para até 8 pessoas. O custo de um charter de um barco como este é de ao redor de US 3500 por semana o que dividido por oito pessoas dá ao redor de US 450 por pessoa por semana, nada mal para um veleiro como este. Já que as empresas de charter preferem a versão de quatro cabines é natural que a Owner’s Version normalmente é de barcos privados que normalmente são muito mais cuidadosos com a manutenção do barco e que acabam equipando seu barco com muito mais do que os básicos do charter. Meu antigo barco apenar de muito antigo era do Steve, um simpático senhor americano que estava vivendo a bordo tempo integral há sete anos. Tendo ficado viúvo e se sentindo muito sozinho no veleiro resolveu vender. Mas, como era seu barco estava pronto para velejar tendo desde todo o equipamento de cozinha até coisas como radar, placas solares, wind generator embora em variáveis graus de funcionamento. Mas, não precisei comprar nada para o barco. Desta vez seria diferente.

Era minha primeira vez na Flórida e apesar de já ter estado nos Estados Unidos algumas vezes este estado me surpreendeu por suas particularidades. Uma das coisas que chamam atenção para que está acostumado e dirigir no Brasil é como os motoristas americanos são cumpridores das leis e dirigem de forma muito cuidadosa e educada. Não na Flórida.... Com uma população predominantemente latina as regras de velocidade máxima eram descumpridas por todos, as ultrapassagens tinham um distinto estilo familiar. Também a presença maciça da língua espanhola me chamou muito atenção. Sabia da população cubana na Flórida, mas não esperava que a língua quase oficial fosse o espanhol. Notando meu sotaque mal começava a falar em inglês já me respondiam em espanhol mesmo os jovens que nitidamente eram segunda geração de imigrantes latinos, mas que mantinham como língua mãe o idioma de seus pais.

Outra das razões por que tinha ido aos Estados Unidos era para abrir uma conta em um banco americano para facilitar o pagamento do barco, mas também para ter meu dinheiro (legalmente) em dólares já que minha vida funciona nesta moeda. Raramente vou ao Brasil apesar de minha empresa Morgado Expedições estar sediada lá e não tenho planos de voltar a viver no Brasil. Com a possibilidade muito próxima da queda do governo PT o dólar que tinha subido consistentemente nos últimos dois anos dava sinais de uma queda acentuada o que me dava a ótima oportunidade de transformar minhas economias em dólares a uma taxa razoável. Mas, para isso precisava de uma conta em um banco americano. Tinha lido também bastante sobre isso na internet e as histórias de estrangeiros que queriam abrir uma conta lá eram contraditórias. Bastante preocupado fui a uma agência do Citibank próxima a meu hotel e para minha grande felicidade duas horas depois saia de lá com uma conta aberta, um cartão de débito e a promessa de um cartão de crédito em três meses. Um dos problemas resolvidos. Neste mesmo dia fiz uma remessa do Brasil a minha nova conta com uma taxa de 3,61, excelente para quem estava acostumado com o câmbio dos últimos meses de 4,2 ou até mesmo 4,4.

No dia seguinte voltei ao mesmo corretor com uma proposta de um preço US 22.000 a menos do que o que estava publicado. Ele ficou de passar aos donos do Only Love minha proposta e ficamos de voltar a conversar no próximo dia para ver se eles tinham aceito ou não e esperando uma contraoferta como normalmente funciona em um sistema de barganha, pelo menos na Ásia onde tudo, da compra de uma banana até uma corrida de taxi é exaustivamente discutida com ofertas e contra ofertas até se chagar a um preço onde comprador e vendedor estejam confortáveis. Com isso em mente voltei no próximo dia e o Steve me disse que os vendedores, a enorme empresa com barcos no mundo todo havia aceito minha proposta. Claro que a primeira reação foi de felicidade, mas daí vem aquela ideia de por que não ofereci US 30.000 a menos!! Não é assim que se faz uma barganha!!!
Liguei este dia para a Kathy no México e contei o que tinha acontecido. Tinha feito uma oferta e os donos tinham aceitado. Assinei documentos e estava bem encaminhada a compra do barco. Ela não podia acreditar na rapidez com que tudo aconteceu. Em uma semana havia chegado em Miami, pesquisado barcos (além de muitas outras coisas) e feito uma oferta de compra em um barco. Ela não ficou muito feliz com a rapidez com que tudo estava andando e seus medos atingiram novos níveis.

Desde que a ideia da compra do barco apareceu que sabia que queria refazer meu curso de vela com um americano chamado Curtins Collins, meu instrutor de vela de dez anos atrás. O problema era que não tinha ideia de onde ele estava e se ainda estava ensinando ou não. A experiência anterior com ele a bordo 2 semanas do Good Karma, meu pequeno mono casco, havia sido fantástica já que além dele ser um excelente profissional é super paciente e uma pessoa muito agradável de conviver. Após um trabalho de detetive consegui chegar até ele que agora morava no Panamá e não mais na Guatemala e não estava mais ensinando vela, mas que abriria uma exceção para mim. Como a ideia inicial era comprar o veleiro e fazer o curso apenas em dezembro havíamos deixado tudo mais ou menos combinado, mas de forma muito solta já que tínhamos muito tempo até lá. O plano era que a Kathy fizesse os 3 cursos básicos que eu havia feito e que eu acompanharia para relembrar o que já tinha aprendido e que eu faria outros 2 cursos mais avançados sendo que um deles um curso muito difícil de navegação costal.

Quando contei a ele que iria tentar comprar um barco ainda em abril em Martinica ele conseguiu realocar seus compromissos e me disse que estaria disponível para voar para a Martinica com sua esposa Thereza e seguir conosco até Granada por um período de 2 semanas.

Em fevereiro havia guiado uma linda viagem de kayak oceânico na Indonésia com apenas dois clientes, o André Barros e seu filho de 20 anos João Barros. A viagem foi maravilhosa e até por ser um grupo muito pequeno, apenas nós três, criamos algo muito mais forte do que a relação de cliente e guia. Nos tornamos bons amigos. A incrível coincidência era que ao mesmo tempo que eu pensava em mudar meu estilo de vida e comprar um catamarã ele estava trilhando uma rota paralela e já até havia se combinado com um conhecido de fazer um curso de vela no Brasil. O convidei para vir conosco e fazer o curso no meu veleiro e ele topou imediatamente embora para muita infelicidade de ambos alguns dias depois por razões profissionais teve de desistir da ideia ou pelo menos adiá-la. Uma pena!

Tanto o corretor como o Curtis me disseram que possivelmente entre a aceitação da minha oferta até o fechamento do negócio, se tudo fosse bem, poderia estar com os papéis do barco em meu nome em uns 10 dias. Iria descobrir o quanto estava errado muito em breve e aprender a lição que todo velejador conhece muito bem: barcos e cronogramas de tempo não casam muito bem.

Por indicação do corretor entrei em contato com um perito em Martinica para fazer duas avaliações do barco, uma inicial menos detalhada (e mais barata) e depois dependendo da inicial uma super detalhada após minha chegada a Martinica já queria estar junto a ele nesta ocasião. Essas avaliações chamadas de surveys no jargão de veleiros são bastante onerosas já que além de pagar o perito temos de tirar o barco da água para checar as condições do casco. Para ter uma ideia ainda melhor contratei um mecânico para fazer um teste de compressão dos motores (são dois Yanmar de 29 HP) além de um teste do óleo dos motores onde uma amostra do óleo é enviada a Paris para ser analisado para determinar a presença de sedimentos de metal que indicam o desgaste do motor. Conta total: US$ 2500,00.

Com bastante ansiedade recebi o relatório do Alain, o perito, me contando que em uma primeira avaliação o barco estava em boas condições para sua idade e não apresentava grandes problemas, pelo menos aparentemente. Com isso em mãos fiz o depósito do sinal e marquei a data para que o barco fosse tirado da água e reavaliado por Alain. Marcamos para dia 28 de abril.

Com isso em mente fui passar três dias na Cidade do México com a Kathy. Nova experiência em novo pais. A Cidade do México em muitos aspectos me pareceu muito similar a São Paulo apesar de que em apenas três dias é difícil tirar qualquer conclusão. Visitamos um lindo museu de arqueologia onde aprendi muito sobre os Astecas sobre os quais sabia muito pouco. Dia 23 de abril estava de volta a Fort Lauderdale para os últimos preparativos para voar para Martinica. A Kathy por não poder nem pisar no solo americano, nem em trânsito, teve de fazer um voo maluco e caro: Cidade do México – Montreal – Martinica. Por sorte apenas dois meses antes havia conhecido uma canadense em Bali e pode ficar na casa dela e visitar a cidade com alguém de lá que sempre é uma experiência muito rica do que sozinha principalmente uma grande cidade. Foi a cafés, caminhou pela cidade, jantou em pequenos restaurantes descolados e após dois dias, dia 26 de abril embarcou para Fort de France, a pequena capital da Martinica onde chegou algumas horas antes que eu.

Quando cheguei ela me deu a boa notícia de que a casinha que tínhamos alugado via Airbnb era super bonitinha nas montanhas da ilha e rodeada por um lindo jardim onde acordaríamos todas as manhãs com o cantar de dezenas de passarinhos. Ela tinha alugado um carro e ao chegarmos em casa pude confirmar o que ela tinha me dito. Realmente o lugar era super bonito. O único problema é que ficava a 50 quilômetros da marina onde estava o barco, em uma baia com centenas de barcos chamada Le Marin.

   
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Martinica
Final de abril e começo de maio

Quando cheguei ao surpreendentemente moderno aeroporto de Fort de France a Kathy que tinha chegado a Martinica algumas horas antes me deu a boa notícia de que a casinha que tínhamos alugado via Airbnb era super bonitinha nas montanhas da ilha e rodeada por um lindo jardim onde acordaríamos todas as manhãs com o cantar de dezenas de passarinhos. Ela tinha alugado um carro e ao chegarmos em casa pude confirmar o que ela tinha me dito. Realmente o lugar era super bonito. O único problema é que ficava a 50 quilômetros da marina onde estava o barco, em uma baia com centenas de barcos chamada Le Marin. Esta é a segunda maior marina de todo o Caribe e eu que adoro passear entre veleiros olhando as características de cada um me deliciei com isso em todas as visitas que viemos a fazer nos próximos dias.

O plano (em retrospecto vejo a enorme ingenuidade minha) era fechar o negócio em uma semana, fazer um dia de curso em um veleiro menor mono casco e daí sair já com nosso barco rumo a Granada parando no caminho para conhecer Santa Lucia, San Vincent, Granadinas e Granada. O Curtis iria chegar dia 6 de maio, começaríamos a velejar dia 8 e teríamos até o dia 20 para o curso, mais do que tempo suficiente.

A primeira coisa que fizemos no dia seguinte, claro, foi conhecer o que se o relatório do perito fosse positivo, foi conhecer nosso barco. Mal podíamos conter nossa ansiedade na pequena viagem de uma hora entre nossa casa e Le Marin. Perguntamos pelo barco, andamos pelo dock e lá estava o Only Love. Depois de ver por meses as fotos e vídeos promocionais da Lagoon confesso que o meu primeiro sentimento foi de desapontamento. De repente o enorme barco que imaginava era menor do que eu esperava e o estado do acabamento do barco muito pior do que havia sonhado. Muitos dias depois fiquei sabendo que é prático no mercado de barcos usados de usar fotos que não são do barco específico que está a venda ou serem fotos do barco, mas fotos antigas de quando ele era muito mais novo. Creio que uma série de expectativas erradas ajudaram para eu sentir este desapontamento. Sendo este um veleiro de charter e um charter desses custar ao redor de US 3500 por semana imaginei que os barcos eram mantidos em estado perfeito. Somente no dia seguinte e a cada visita nos dias subsequentes é que este sentimento foi desaparecendo. E finalmente quando usei o barco na primeira vez é que finalmente me apaixonei por ele e os pequenos detalhes estéticos foram desaparecendo de minha mente e pude apreciar o lindo barco que havia comprado.
Após quase uma hora vendo cada detalhe do nosso futuro barco fomos conversar com o gerente da empresa dona do barco também chamado Alain e nele encontramos um aliado que nos ajudaria muitíssimo nos próximos dias quando os problemas burocráticos começaram a aparecer. Quando contei para ele que planejávamos ter tudo pronto para velejar em uma semana ele quase riu...e começou a me explicar todo o processo de venda de um veleiro, bill of sale, retirada da bandeira francesa e registro em um outro país já que não sou francês, o processo de registro do barco em um dos países que aceitam registro de não residentes, seguro etc, etc, etc.

Saímos de lá preocupados já que em poucos dias o Curtis chegaria para começarmos o curso.

Dia 28 finalmente conhecemos o perito com quem já havia conversado por telefone várias vezes. Mais um Alain e mais uma vez uma pessoa extremamente simpática. Passamos o dia todo com ele enquanto examinava detalhadamente o barco, cada sistema, cada canto, cada peça. Apesar de gostarmos muito dele como pessoa não tínhamos ideia se ele era uma pessoa honesta em seu trabalho. Tinha lido na internet de histórias horríveis de peritos que estão mais do lado do vendedor do que do comprador que está pagando por seu trabalho. Martinica é uma pequena ilha onde, pelo menos no meio de veleiros, todos se conhecem e a Dream Yachts é uma grande empresa. Será que ele estava sendo sincero quando no fim do dia nos deu seu parecer de que o barco estava em ótimas condições e que era uma boa compra? Não havia como saber. O que podíamos fazer era confiar e esperar o melhor. Caso ele estivesse sendo desonesto só daqui a algum tempo que saberemos...

Pela primeira vez em minha vida velejei em um catamarã! Saímos com um capitão da Dream Yachts para fazermos um teste de vela e de motor e foi maravilhoso. O vento estava razoavelmente forte e mesmo assim o barco era extremamente estável. Andava de popa a proa explorando cada pedacinho do veleiro, descobrindo cada detalhe. Rumamos então para o dry dock, um aparelho incrível com duas câmaras enormes cheias de água com uma plataforma sob a água. Colocamos o veleiro entre as duas câmaras e aos poucos a água foi sendo esvaziada e com isso a plataforma abaixo do veleiro foi flutuando e levantando o veleiro até que ele estava completamente fora da água. O Alain inspecionou o fundo e me disse que também ali tudo estava bem. Sem sinais de osmose, um dos mais graves problemas em um barco. Encontrou apenas uma pequena folga em um dos lemes. Voltei para nossa casa super feliz com o resultado da inspeção. Parecia que o barco realmente seria meu...

Era uma sexta feira e seu relatório por escrito seria enviado para mim por e-mail no domingo. Nos próximos dois dias percorremos as lojas de artigos para o lar para ver preços de tudo o que precisaríamos comprar já que o barco seria entregue com todos os equipamentos de segurança, mas nada mais. Panelas, pratos, talheres, lençóis, travesseiros e coisas deste tipo teríamos de comprar. Fizemos listas que cresciam a cada dia do que precisaríamos e cálculos de quanto gastaríamos. Também fomos visitar as lojas de produtos para barcos para ver os preços em Martinica e comparar com o que tinha visto nos Estados Unidos e, claro, tudo era bem mais caro. Se comprássemos o Only Love ele viria sem o barco inflável e essa é uma das grandes despesas que teremos pela frente. Baseado na minha experiência com o outro veleiro que tinha um inflável antigo, pequeno e com um motor de popa fraco desta vez queria comprar um bom e com um motor de 15 HP para que pudesse sair com 3 ou 4 pessoas e mais material de mergulho e ainda assim não demorar meia hora para andar algumas poucas centenas de metros. Infelizmente não encontrei o modelo que queria e ao ligar para algumas lojas em Granada e em Santa Lucia também não. Deixei para ver o que faria mais tarde.

   
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No domingo a noite recebi o relatório final extremamente detalhado e com uma série de pequenas coisas que deveriam ser arrumadas ou trocadas no barco, mas quase todas coisas pequenas. Apenas duas coisas mereciam atenção imediata e mesmo essas não seriam muito caras de serem arrumadas. Fiz uma lista detalhada do que o barco necessitava em termos de reparo e no dia seguinte me reuni novamente com o gerente da empresa dona e ele com muita paciência ouviu tudo que havia preparado para conversar com ele e ao final me perguntou o que eu queria fazer a respeito. Respirei fundo e propus um novo desconto de US 3000 para que eu fizesse os reparos mais sérios se ele se encarregasse das coisas pequenas. No dia seguinte recebi a resposta de que o dono da empresa havia aceito minha contraproposta. Estava tudo combinado e tinha chegado a hora de pagar pelo barco. Respirando fundo fiz uma transferência da minha nova conta americana para uma conta especial chamada de Escrow Account, uma coisa extremamente interessante e que eu desconhecia. Existem firmas que são especializadas em receber dinheiro de transações comerciais como a que eu estava fazendo. Esse dinheiro fica nesta conta e só é liberada quando as duas partes concordam com as condições de compra e de venda. Tinha comprado o veleiro e agora só faltava lidar com a burocracia. E isso iria tomar tempo...

Nasmatê
Manoel Morgado

 
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