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Sim, um estranho título para um artigo sobre montanhismo...
Mas, vamos começar pelo começo...
Para mim uma das coisas mais atraentes em uma longa expedição de Alta Montanha é o convívio com pessoas com que você tem afinidade e que provadamente reagem da maneira adequada frente ao constante stress físico e emocional que uma escalada como essa causa em seus participantes.
No Cho Oyu tive a felicidade de conviver com duas pessoas assim, Greg Attard e Robert Gatt, ambos se preparando para serem os primeiros malteses a escalar o Everest. Um ano depois não tive dúvidas na escolha de meus companheiros para o Everest.
Desde então, e lá se vão 4 anos, não tivemos oportunidades de estar na montanha juntos apesar de termos tentado combinar algo, mas os períodos de férias nunca coincidiram. Podem então imaginar minha felicidade quando há um mês conversando com eles vimos a possibilidade de passar uma semana escalando nos Alpes. Eu teria uma semana de férias entre dois grupos que guiaria no Kilimanjaro e na Mongólia, o Rob que trabalha com informática estaria terminando um projeto e o Greg recém voltando de sua segunda expedição ao Everest, desta vez pelo lado norte, ainda não tinha compromissos que não pudessem ser adiados. Sua namorada, a Sharon, tinha vindo também já que aos poucos estava fazendo escaladas junto com ele.
Escolher a montanha foi fácil. Matterhorn não havia sido escalado por nenhum de nós três e poucas montanhas são mais atraentes na Europa do que esta linda pirâmide de rocha e gelo no coração da Suíça.
Combinamos de nos encontrarmos em Milão de onde, em um carro alugado, seguiríamos para nosso destino, a charmosa cidade Suíça de Zermatt.
Mas, como sei muito bem, os planos de escalada são feitos na dependência de bom tempo e não foi isso que a previsão de tempo nos mostrava quando mais uma vez checamos em Milão. Ventos fortes, chuva nas partes mais baixas e neve lá em cima. Com o coração triste descartamos o Matterhorn, uma montanha técnica, difícil e potencialmente perigosa, principalmente com mal tempo. Mas, frequentemente nos Alpes o tempo varia entre diferentes regiões. Depois de muito pesquisar vimos que nossa melhor chance era nos Bernise Alps, onde ficam três das montanhas mais famosas dos Alpes: Eiger, Jungfrau e o Much. Mas, mesmo assim, apenas na quinta-feira o tempo realmente estava bom o suficiente para uma escalada segura e divertida. Tínhamos dois dias pela frente....
Fomos então para o simpático vilarejo de Grindelwald que, com a terrível face norte do Eiger em sua frente, respira montanha. Nos instalamos em um agradável (e como tudo na Suíça, caríssimo) hostal e passamos o dia conversando, tomando cerveja e checando a previsão do tempo. Não creio que exista uma via de escalada e uma montanha no planeta, com exceção talvez do Everest, com uma história mais heroica e dramática do que a face norte do Eiger. Do vilarejo de Kleine Scheidegg, a primeira parada de nossa viagem montanha acima, as pessoas nos anos 30 acompanhavam ao mesmo tempo fascinadas e horrorizadas por telescópios os dramas que se desenrolavam naquela face nas primeiras tentativas de conquista da montanha.
Na quarta-feira subimos até o abrigo de montanha no sopé do Jungfrau já com planos bem concretos de escalar esta linda montanha no dia seguinte. E a viagem até o abrigo já valeu a viagem toda. Em 1912 foi construída uma das estradas de ferro mais impressionantes do planeta ligando Grindelwald à mais alta estação ferroviária da Europa e que percorre o interior do Eiger chegando a 3600 metros de altitude. Por três vezes durante a viagem de uma hora e meia o trem parou em frente a janelas de vidro na face norte do Eiger. Muitas vezes eu já tinha lido sobre essas janelas especialmente sobre uma das mais trágicas tentativas de resgate no acidente em 1936 em que morreram quatro escaladores. Ao chegar junto a uma das janelas uma enorme avalanche cobriu a vista por alguns minutos mostrando de forma muito real o perigo que esta face apresenta.
No restante do dia ficamos no abrigo conversando e esperando ansiosamente pela previsão do tempo que nos determinaria o que faríamos no dia seguinte. E a previsão nos disse que teríamos um excelente dia na quinta-feira, dia seguinte, mas que a meio dia do dia seguinte o tempo voltaria a piorar. Decidimos então escalar a conhecida montanha Jungfrau cujo nome significa ”A Virgem” , embora a explicação para este antigo nome tenha se perdido nas brumas da história. Deixamos para escalar o The Munch, o Monge na sexta-feira já que era uma escalada mais curta.
Depois de uma noite insone, nosso quarto com 8 pessoas e com as janelas fechadas estava abafado e barulhento, levantamos as 3 da manhã e as 4, já com o céu se tornando cor de rosa, saímos para a longa caminhada de aproximação. O abrigo estava a 3.650 metros de altitude e apenas depois de descer 400 metros que começamos a escalar. Minhas botas novas se comportaram bem suportando o frio da manhã sem problemas. Nos revezamos à frente já que a neve estava bastante profunda com a nevasca dos dias anteriores e que em partes afundava até os joelhos. Após uma hora de escalada nos deparamos com o primeiro obstáculo maior, uma parede de rocha coberta por uma fina camada de gelo que deixava a escalada bastante perigosa já que um escorregão ali resultaria em uma longa queda. Seguimos então por uma travessia também por rochas com gelo até chegarmos a um campo de neve fofa e profunda que nos custou bastante esforço. Mas, depois deste ponto a escalada não ofereceu maiores problemas e depois de 7 horas de escalada chegamos ao cume do Jungfrau com uma vista deslumbrante de seu cume. Apesar de estar cercado de montanhas muito mais baixas do que as do Himalaia ou dos Andes, os Alpes tem uma amplidão muito maior do que as outras cordilheiras e a vista do cume de uma de suas montanhas é impressionante!
A volta demorou quase tanto tempo quanto a ida já que após descermos até a base da montanha tivemos pela frente uma subida de 400 metros verticais rumo ao abrigo e chegamos, após 14 horas, exaustos de volta para um merecido jantar e cama.
O plano para o dia seguinte era sair bem mais tarde já que o “Monge” fica logo ao lado do abrigo e sem a necessidade de uma longa caminhada de aproximação. A escalada deveria durar não mais do que 6 horas e como a previsão era de que o vento só ficaria forte após as 15 horas acordamos as 6 com planos de sair com calma as 7 e estar de volta ao redor de 1 da tarde. Mas, ao levantarmos nos deparamos com um céu cinzento e um vento forte e frio. O Rob e a Sharon resolveram ficar já que duvidavam que teríamos chance de fazer cume. Eu e o Greg, mesmo sabendo que as chances de cume eram pequenas, resolvemos pelo menos começar a escalar já que estar nas montanhas já era divertido o suficiente mesmo sem cume. Melhor do que ficar no vilarejo sem fazer nada.
Saímos do abrigo e após 15 minutos já estávamos escalando as rochas da base da montanha. Por mais de um hora subimos ora por encostas de neve com ótima consistência, ora por paredes de rocha que tínhamos de negociar com nossas botas e crampons, um excelente treino para o Ama Dablan no Nepal que pretendo escalar em novembro e que tem predominância deste tipo de terreno. Mas, no horizonte víamos nuvens cor de chumbo se aproximando rapidamente e o vento se intensificava cada vez mais. Após duas horas encontramos com um guia suíço que descia com dois clientes e que nos disse que na crista do cume estava um vento muito forte que tinha varrido a neve deixando apenas gelo duro e muito escorregadio. Nos aconselhou voltar ou seguir com muito cuidado. Seguimos mais um pouco por uma crista muito exposta com um vento cada vez mais feroz e que as vezes nos desequilibrava com suas rajadas. Estávamos a apenas 150 metros do cume mas achamos que seria arriscado seguir. Com o coração tranquilo de tomar a decisão adequada voltamos e em pouco tempo estávamos tomando o trem de volta ao vale.
No final, de nossos planos ambiciosos de escalar o Matterhorn e quem sabe alguma outra montanha, pouco restou, apenas o Jungfrau, mas nem por isso me senti desapontado ou frustrado. Há muito descobri que mais importante que acumular cumes é estar nas montanhas com bons amigos, ver as incríveis paisagens que este esporte proporciona, sentir a liberdade e ouvir o delicioso barulho da neve quebrando sob minhas botas de escalada.
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